João Gomes Cravinho falava na abertura solene do ano letivo do Instituto da Defesa Nacional (IDN), em Lisboa, num discurso em que lembrou que tanto a União Europeia como a NATO estão a rever os seus conceitos estratégicos para os próximos anos.

Neste quadro, referiu, “também Portugal iniciou já, no Instituto da Defesa Nacional, a fase preliminar de reflexão para a futura revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional”, cabendo ao IDN “como no passado, desempenhar um papel importante de promotor desta reflexão estratégica que se quer inclusiva e alargada ao conjunto da sociedade portuguesa”.

“Creio que esta reflexão, e a adoção de um novo conceito estratégico nacional, que estavam programadas para os próximos meses, não poderão deixar de ser um objetivo a prosseguir pelo próximo governo, independentemente de qual seja”, advogou, numa referência às eleições legislativas antecipadas marcadas para 30 de janeiro.

O ministro fez questão de destacar “o importantíssimo contributo do IDN” para uma das grandes prioridades do Governo e do seu mandato, “nomeadamente a promoção de uma maior aproximação entre as Forças Armadas e a sociedade portuguesa em torno dos temas da segurança e defesa”.

“Se quisermos uma cultura estratégica verdadeiramente nacional, ela tem de ultrapassar a velha ideia de que a Defesa apenas diz respeito aos militares. Ela diz respeito a todos, e todos devem contribuir e estar envolvidos nela”, advogou.

Destacando vários dos contributos do IDN, o ministro da Defesa quis sublinhar “o trabalho de investigação, produção de conhecimento, formação e treino sobre recursos humanos da Defesa, incluindo sobre questões de género, em articulação com a Direção-geral de Recursos da Defesa Nacional, o Gabinete da Igualdade do Ministério da Defesa Nacional e o Gabinete da Secretária de Estado para os Recursos Humanos e Antigos Combatentes, com vista à criação de um Observatório do Serviço Militar”.

“Sei que este ano o IDN desenvolverá também dois projetos na área das políticas de Defesa Nacional e do conhecimento das Forças Armadas, sobre famílias militares e sobre obstáculos ao recrutamento nas Forças Armadas, que certamente contribuirão para melhorar as nossas políticas de recrutamento e retenção”, adiantou.

No seu discurso Gomes Cravinho traçou ainda um “caderno de encargos” no âmbito das “grandes transformações em curso na geoestratégia global”, destacando algumas linhas de ação que, na sua opinião, “devem continuar a merecer grande atenção do IDN e do conjunto da Defesa Nacional”.

Entre elas está a construção de uma “política nacional de ciberdefesa”, bem como de uma “política da Defesa nacional para o Espaço”.

O ministro considerou ainda necessário “continuar a acompanhar o impacto das tecnologias emergentes e disruptivas no campo da Defesa, nomeadamente na forma como transformam as capacidades militares e as operações”, o reforço das parcerias estratégicas no âmbito da NATO e da União Europeia, mas também na CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] e ao nível bilateral, em particular no espaço atlântico, mediterrânico e ibero-americano.

“E, por fim, mas não menos importante, precisamos de continuar a apostar nas pessoas, no seu recrutamento, retenção e profissionalização nos três ramos das Forças Armadas, como temos vindo a fazer até aqui, já com resultados visíveis nestes últimos dois anos, no seguimento dos Planos para a Profissionalização do Serviço Militar e para a Igualdade que aprovámos em 2019”, rematou.

No discurso de abertura, a diretora do IDN, doutora Helena Carreiras, apontou para “dinâmicas de cooperação que se tornaram mais difíceis” e para uma degradação da “confiança nos outros”, que se constituiu como um “dos maiores danos colaterais desta pandemia”.

“Sabemos como o medo e a perceção de insegurança geraram terreno fértil a todo o tipo de populismos e derivas autoritárias que ameaçam a ordem democrática como a conhecemos. Como o obscurantismo e a desinformação alastram, corroendo ainda mais a coesão das nossas sociedades, alimentando visões e comportamentos tribais”, referiu.

Na opinião da diretora, existe um “longo caminho a percorrer neste momento de transição do poder mundial, na monotorização de riscos e ameaças, na discussão das estratégias para os confrontar e no apoio à elaboração e implementação de políticas nas áreas da segurança e defesa”.

“Um caminho que devemos ser capazes de trilhar, imbuídos de convicções fortes, ancoradas não em intensidade apaixonada, mas em conhecimento rigoroso dos fenómenos que estudamos e discutimos, mas com valores que nos apaixonem. Os que podem ajudar a construir sociedades mais seguras, e portanto mais livres, mais justas e mais prosperas”, rematou.

Organização das FA deve corresponder aos desafios do futuro e não às saudades do passado

O ministro da Defesa Nacional defendeu que se deve continuar a implementar a reforma da estrutura superior das Forças Armadas, porque a sua organização “deve corresponder aos desafios do futuro e não às saudades do passado”.

“Precisamos também de continuar a implementação da reforma da estrutura superior das Forças Armadas de forma a garantir respostas integradas, holísticas e cada vez mais conjuntas, porque a organização das nossas Forças Armadas deve corresponder aos desafios do futuro e não às saudades do passado”, declarou.

Na opinião do governante, as “novas ameaças multidimensionais, transnacionais e híbridas, e os mecanismos das Forças Armadas na resposta a emergências complexas, como a pandemia, demonstram que não era já sustentável uma organização em que eram ainda visíveis raízes na longínqua guerra colonial”.

As alterações à Lei de Defesa Nacional e à LOBOFA foram aprovadas na Assembleia da República, em votação final global, em 25 de junho, por PS, PSD e CDS-PP, com votos contra de BE, PCP, PEV e Chega e abstenções de PAN e Iniciativa Liberal.

As leis, promulgadas pelo Presidente da República em agosto, concentram, no essencial, mais poderes e competências na figura do CEMGFA, designadamente em termos de comando operacional conjunto dos três ramos das Forças Armadas (Marinha, Exército e Força Aérea), ficando os chefes militares na sua dependência hierárquica.

A reforma, que surge na sequência de tentativas similares por parte de outros Governos, em 2009 e 2014, gerou polémica durante meses, com trocas de acusações entre o ministro da Defesa e representantes de associações socioprofissionais como a Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) e do GREI - (Grupo de Reflexão Estratégica Independente).