José Lima assumiu o comando da corporação de bombeiros figueiroense após o 25 de Abril, vestiu a farda durante 32 anos e hoje, aos 86, continua a ir diariamente ao quartel inaugurado quando era comandante em 1981. Lembra-se, como se fosse hoje, do grande incêndio de 1961, em Vale do Rio, que provocou dois mortos e para cima de 100 feridos, num município onde predomina o pinhal e eucaliptal.

Habituado a assistir grandes fogos florestais nas últimas décadas, diz que nunca viu nada como aquele que assolou o concelho em junho.

"Mesmo que fossem milhares de pessoas a combater este incêndio, não havia como [combatê-lo]. Aquilo tinha de realmente arder, transformou-se mesmo numa tempestade de fogo. Ora, uma tempestade de fogo, só me lembro no tempo da guerra [na II Guerra Mundial], em Hamburgo, uma cidade que foi bombardeada na Alemanha. Contra uma tempestade de fogo, é muito difícil", disse José Lima à agência Lusa.

Ao lado, Aguinaldo Silva, que foi bombeiro em Figueiró dos Vinhos durante mais de 20 anos e que chegou a comandante entre 1986 e 1997, alega que o combate aos incêndios nos dias de hoje "não tem nada a ver" com aquele que se fazia antigamente, concretamente por causa das condições da floresta.

"Isso é uma realidade. Venham com teorias, venham com o que for, não tem nada a ver um combate há 30 anos com um combate hoje em dia. A maneira como ardeu, a intensidade com que ardeu [em junho], não há comparação. Nós também tínhamos incêndios onde nem conseguíamos chegar lá, nem perto, mas presentemente foi uma coisa impressionante, em 12 horas três concelhos [Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera] praticamente desapareceram, não há comparações a fazer com o antigamente", frisou.

Aguinaldo Silva reforçou que, tal como no incêndio de 17 de junho, "quando as condições atmosféricas não permitem, não culpem bombeiros, mas não culpem a Autoridade Nacional de Proteção Civil, porque nem que haja centenas de carros, como aconteceu no dia 17, é humanamente impossível. Foi salvar as pessoas e as casas e o resto mais nada", referiu.

Os dois antigos bombeiros, que hoje estão no quadro de honra da corporação, concordam que os tempos são outros – com aldeias despovoadas, barreiras naturais de terrenos agrícolas cultivados que deixaram de existir, menos pessoas a ajudarem os bombeiros no combate, também por causa da desertificação dos territórios -, mas não deixam de tecer críticas quer à organização do combate aos incêndios, quer ao abandono e esquecimento de técnicas e procedimentos usados há 30 anos.

"Esta coisa da Proteção Civil é precisa, mas o que eu não acho bem é vir uma pessoa [comandar] por exemplo de Setúbal ou daqui ou de acolá, que não conhece os caminhos nem nada ou onde são as povoações. Cada comandante devia ser o responsável da sua área", advogou José Lima.

Já Aguinaldo Silva recorda 1987 - um dos anos de más recordações, quando um incêndio que eclodiu em Pedrógão Grande se estendeu ao concelho, mas que foi também um ano "de inovação" em Figueiró dos Vinhos na deteção e combate aos incêndios.

Isto devido a um projeto apresentado pelo município à Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, na qual era diretor, à altura, António Correia de Campos, que viria a ser ministro da Saúde.

O projeto "pioneiro" envolvia a criação de equipas de sapadores florestais e a formação envolvia operacionais norte-americanos e chilenos.

"Já era proposta aparecer uma equipa de sapadores, as limpezas das estradas lateralmente, xis metros para cada lado, os espaços, andamos há 30 anos a bater no mesmo. Há 30 anos dizíamos ao piloto do helicóptero que tinha um tanque a 50 metros ou 100 metros à sua direita, hoje vão lá por GPS que é muito mais rápido. De resto, as coisas estão quase na mesma, houve foi um bocado de evolução", afirmou.

Samuel Lopes, hoje cozinheiro da corporação de Figueiró dos Vinhos, leva 31 anos de bombeiro, altura em que conduzia um camião de abastecimento de água após ter saído da tropa, e relembrou a atuação dos aviões C-130 da Força Aérea no combate a uma frente de fogo no concelho.

"Andávamos cinco elementos na viatura e no Alto do Viso de Campelo começámos a ouvir uns barulhos estrondosos grandes, todos a olhar para o ar, e vimos dois C-130, um atrás do outro. Eles acenderam uma luz [de aviso] muito forte, escondemo-nos todos debaixo do carro e só demos por um jato enorme de água, que arrancava pedras, arrancava pontas de pinheiro, mas onde caiu apagou mesmo. Aquilo funcionava mesmo a sério, não sei porque os tiraram, era um alívio", argumentou.

Os antigos comandantes destacaram a solidariedade do país para com as populações afetadas no incêndio que começou em Pedrógão Grande e se estendeu por vários concelhos e três distritos. Embora o município tenha tido, ao longo de décadas, muitos incêndios florestais, "com muitas horas e até dias", a destruição tinha ficado praticamente restrita à floresta circundante e este "foi uma novidade e uma surpresa", sublinhou Aguinaldo Silva.

"Os portugueses refilam, refilam, mas colaboram sempre, a solidariedade nunca faltou neste país", referiu Aguinaldo Silva.