“A informação apresentada permite concluir que não houve interrupção no funcionamento da rede SIRESP, nem houve nenhuma estação base que tenha ficado fora de serviço em consequência do incêndio”, refere o relatório de desempenho do Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), publicado hoje no portal do Governo.

O relatório surge na sequência do despacho do primeiro-ministro que pedia “o cabal esclarecimento” sobre as falhas ocorridas na rede SIRESP durante o incêndio que deflagrou no dia 17 de junho em Pedrógão Grande.

O documento, que mostra o desempenho do SIRESP entre 17 e 22 de junho, indica que, das 16 estações base que cobrem a zona do fogo, cinco entraram “em modo local em virtude da destruição pelo incêndio dos cabos de fibra ótica e outras da rede de telecomunicações que asseguram contratualmente a interligação ao resto da rede”.

“Embora em modo de serviço local, cada estação base garante a comunicação entre os operacionais no terreno na respetiva área de cobertura, sendo esta uma característica da tecnologia TETRA”, refere o relatório.

Sublinha também que, além do funcionamento em modo local, a tecnologia TETRA permite que “os operacionais comuniquem diretamente entre si no designado modo diretor (walkie-talkie)” e, mesmo em situações extremas como a que se verificou em Pedrógão Grande, “fica demostrado que a rede SIRESP funcionou de acordo com a arquitetura que foi desenhada para esta rede”.

A entidade operadora do SIRESP garante igualmente que “não houve estações fora de serviço por falha de energia elétrica”.

Segundo o relatório, mais de cem mil chamadas foram processadas no período crítico (entre as 19:00 do dia 17 e as 09:00 de 18), através de 1.092 terminais, além de terem sido feitas mais de um milhão e cem mil chamadas processadas em cinco dias desde o início do incêndio, através de 3.301 terminais.

“Estes números demonstram que o desempenham da rede SIRESP correspondeu e esteve à altura da complexidade do teatro das operações, assegurando as comunicações e a interoperabilidade das forças de emergência e segurança”, garante.

O SIRESP realça também que, apesar da entrada em modo local de cinco estações, o número médio de chamadas aumentou.

O relatório destaca que a entrada das cinco estações em modo local, tal como previsto pela tecnologia TETRA, e a posterior entrada em serviço de uma das estações móveis, “assegurou o funcionamento da rede até à reposição da infraestrutura de telecomunicações”.

“A rápida intervenção dos meios no terreno, face às condições no local, permitiu a reposição integral do funcionamento do serviço em cerca de 72 horas”, refere, dando conta que se registaram “situações de saturação da rede, embora, durante o dia 17, primeiro dia do incêndio, estas não tenham sido significativas, particularmente às 23:00”.

Sem especificar quais as consequências, o SIRESP refere que “a saturação da rede não foi originada por nenhuma falha de rede”, tendo sido causada por “uma procura de tráfego superior à capacidade disponível”.

O número excessivo de grupos de comunicações envolvidos nas operações, que foi de 572, também poderá ter contribuído para a ocorrência de situações de saturação, adianta o SIRESP.

A rede SIRESP está dimensionada para suportar até 53.500 utilizadores e é constituída por sete comutadores, 550 estações base, 52 salas de despacho e duas estações móveis.

'Caixa negra' da Proteção Civil contra outra história

Não é todavia isso que revela a 'caixa negra' da Proteção Civil a que o Público teve acesso e que dá conta de várias comunicações que não chegaram ao destino por falhas no sistema.

Esta 'fita do tempo' resulta do Sistema de Apoio à Decisão Operacional (SADO) da ANPC, uma espécie de caixa negra' que permite registar a sequência ordenada dos principais acontecimentos e decisões operacionais. Esta 'fita' revela falhas "quase por completo" nas primeiras horas do incêndio em Pedrógão Grande, "impedindo a ajuda às populações", escreve a Lusa.

O primeiro registo da ‘fita do tempo' é das 19:45 de sábado, hora em que começaram os problemas na rede de comunicações. Segundo esta, foi nestas primeiras horas que existiram vários pedidos de ajuda de pessoas cercadas pelo fogo, a que os comandos operacionais não conseguiram dar resposta imediata, devido às falhas nas comunicações. Durante essa tarde fatídica é ainda requerido o reposicionamento de antenas e a indicação de que deviam ser usados canais alternativos ao SIRESP. Ao longo dos dias seguintes seguir-se-iam muitas mais falhas.

As falhas do SIRESP foram admitidas por dois comandantes operacionais da ANPC nos primeiros balanços dos incêndios.

Na segunda-feira à noite, a ministra da Administração Interna exigiu um estudo independente ao funcionamento do SIRESP.

Bombeiros criticam SIRESP. "É lógico que houve falhas"

O comandante dos Bombeiros Voluntários de Castanheira de Pera, José Domingues, contrariou hoje a entidade operadora do SIRESP e sublinhou que "houve falhas" durante o combate ao incêndio que deflagrou em Pedrógão Grande.

"É lógico que houve falhas", disse à agência Lusa José Domingues, reagindo ao relatório de desempenho do Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP).

Segundo o comandante de Castanheira de Pera, terá havido "sobrecarga" dos canais, ou a própria "falha das redes" levou às dificuldades de comunicação.

"Só ao fim de quatro, cinco ou seis insistências é que conseguíamos comunicar com os operacionais ou com o posto de comando", frisou José Domingues, referindo que o sistema devia estar preparado para a quantidade de comunicações realizadas durante o combate às chamas que afetaram o interior norte do distrito de Leiria.

O comandante dos Bombeiros de Figueiró dos Vinhos afirmou hoje que, desde que o SIRESP foi criado, que se alertou para falta de cobertura da rede em determinadas zonas daquele concelho do distrito de Leiria, situação que nunca foi retificada. Paulo Nogueira, sublinhou que houve sobrecarga dos canais de comunicações, especialmente "nos canais de manobra" e não tanto nos de comando.

Apesar de ter sido um teatro de operações extenso e com muitos operacionais no terreno, o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) "devia estar preparado" para uma situação como aquela que se viveu no interior norte do distrito de Leiria.

Paulo Nogueira frisou ainda que há várias zonas de difícil acesso no concelho que "não estão cobertas pelo SIRESP". Essas "zonas sombra" foram identificadas "desde que o SIRESP foi criado", mas a situação nunca foi "retificada", apontou.

O comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, garantiu também à agência Lusa que "houve falhas". "Eu já reportei a quem de direito. Passados dois dias, reportei a quem de direito", afirmou Augusto Arnaut, depois de questionado sobre o funcionamento do SIRESP.

O comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande não se quis alongar mais em considerações sobre o funcionamento do SIRESP.

Os incêndios que deflagraram na região centro a 17 de junho provocaram 64 mortos e mais de 200 feridos, e só foram dados como extintos no sábado, uma semana depois. Mais de dois mil operacionais estiveram envolvidos no combate às chamas, que consumiram 53 mil hectares de floresta.

(Notícia atualizada às 18h39)