Em outubro de 2015 a informação começou a circular. Era difícil de acreditar, mas a Playboy anunciava que as capas com mulheres nuas, uma das imagens de marca da revista, iam acabar. E a nudez nas páginas da revista também.
O que muitos não sabem é que foi Cory Jones, diretor de conteúdos, que entrou na Playboy em agosto de 2014, o mensageiro dessa decisão. De passagem por Lisboa, para participar na conferência internacional sobre a Playboy, Jones relembrou esse momento ao SAPO 24.
“Foi a primeira e a única vez que estive com ele (Hugh Hefner) o que acabou por ser muito interessante”, tendo em conta que Hugh Hefner “é um ícone americano. E mostrar-lhe como nós íamos mudar o seu bebé, o trabalho da sua vida é incrível. Ele foi muito rigoroso, o que foi muito interessante”.
No tempo da internet e das redes sociais a Playboy reinventou-se. Através das maquetes que davam a conhecer uma nova era da revista, Cory Jones não sabia o que esperar do seu encontro com Hefner, que marcou todas as páginas que viu, tentando perceber e opinando sobre as alterações que estavam a ser propostas. “O que eu acho que ele gostou mesmo foi do facto de termos uma lógica para cada decisão que tomámos. Não estávamos a tomar decisões só porque sim”, explicou Jones que, em conjunto com os editores da publicação, trabalhou no processo de renovação da revista.
“Fechámo-nos numa sala e desconstruímos todos os aspetos da revista: cada espaço, cada secção, cada página. E fizemos a pergunta: por que razão isto precisa de continuar aqui? E ele viu que nós tínhamos mesmo pensado sobre todas as decisões que estávamos a tomar e confiou que íamos fazer a coisa certa”, afirmou. Apesar de ter havido alguma discórdia, natural num processo criativo, “ele foi muito positivo” e “tinha as suas perguntas e nós tínhamos as respostas”.
O início de uma nova era
Mas a mudança já tinha começado há algum tempo. Em agosto de 2014, o site da Playboy foi relançado depois de todo o conteúdo que continha nudez ter sido banido desta plataforma, o que tornou todo o conteúdo partilhável. A nudez deu lugar à sensualidade e os resultados refletiram-se nos números.
De acordo com o diretor de conteúdos da Playboy, as visitas aumentaram de 4 para 20 milhões de visitas por mês e a faixa etária dos utilizadores baixou de 47 para 30 anos. “Vimos este enorme sucesso e nem precisámos mudar o ADN da marca. Nós continuámos a ser a Playboy, simplesmente não tínhamos nudez. Isso mostrou-nos que a marca, em si, era muito relevante”, afirmou Jones. E isso não deixa de ser verdade. O “coelhinho” da Playboy está no top 20 das marcas mais reconhecidas a nível mundial, onde constam nomes como a Nike, a Disney ou a McDonald’s, e os seus produtos são comercializados em mais de 180 países.
Sim, porque a Playboy não se resume aos conteúdos editoriais. O merchandising de produtos da marca é um importante negócio, especialmente, em países do Oriente como a China, que representa 40% do volume de negócio da empresa. “Eu nunca fui à China mas sei que quando um homem tem a sua primeira promoção (no trabalho) vai comprar um fato da Playboy”, o que na opinião de Cory Jones “é uma forma de perceber o quão importante a marca é neste país”, apesar de a revista não ser distribuída na China.
Ao mudarem o tipo de conteúdo do site, os responsáveis da Playboy perceberam que esta decisão abriu um novo caminho para o futuro da marca, ao poderem disponibilizar conteúdo para outro tipo de pessoas, que até então, não era permitido. “Não conseguimos sobreviver no mundo digital se não podemos existir nas redes sociais, se não podemos contar com a sua audiência. Estamos no top 10 das marcas mais relevantes nas redes sociais, por isso esta plataforma é muito importante para nós”, explicou Cory Jones, acrescentando que “quando vimos o sucesso do site, que não tinha nudez, começámos a questionar se não seria tempo da revista fazer também essa mudança”.
O primeiro número sem nudez vai ser lançado nas bancas em março, mas o pré-lançamento foi feito em fevereiro. Os meios de comunicação norte-americanos têm tido críticas positivas em relação a este número. “Tem sido estranhamente positivo porque nestas coisas, nunca sabemos o que pode acontecer. Tem sido muito bom, assim como a reação do público, e a resposta por parte da publicidade também tem sido muito boa. Abriram-se portas para novos anunciantes na revista, que nunca tinham pensado em comprar publicidade lá”, de acordo com o diretor de conteúdos da Playboy.
Hoje, a Playboy assume-se como uma revista em que o público-alvo são homens entre os 26 e os 30 anos, que tenham algum poder de compra, solteiros, mas que podem estar num relacionamento, e que têm uma vida social ativa.
A mudança era inevitável. Se na década de 1970 a Playboy tinha uma circulação de cerca de 5 milhões de revistas, em 2011 esse número situava-se nos 1,5 milhões e, no último ano, os números baixaram ainda mais, para cerca de 800 mil revistas em circulação.
Na opinião de Jones, durante muito tempo, a Playboy foi reduzida à nudez, e esta ideia sobrepunha-se à qualidade do conteúdo editorial da própria publicação. Com esta decisão editorial, a revista deixou de estar nas últimas prateleiras dos quiosques, escondida dentro de um saco de plástico, ao lado de publicações das quais não se sentiam concorrentes, para se apresentar em locais de destaque, ao lado de revistas como a Vanity Fair, a Esquire ou a GQ.
“Continuamos a ser quem sempre fomos: uma revista que ganha prémios, mas agora estamos em lugares de destaque e as pessoas vão pensar em nós de uma maneira completamente diferente”, pois para o diretor de conteúdos é uma forma de relembrar às pessoas a verdadeira identidade da revista.
Na análise feita no processo de renovação da revista, os editores concluíram que a marca Playboy tinha dois lados e que era das poucas marcas que podia permitir essa existência: o lado informativo e o lado divertido. Para o diretor de conteúdos, o leitor da Playboy é o homem que pode gostar de ler livros mas que também gosta de sair até às cinco da manhã. Ou que gosta de viajar mas também discute futebol com os amigos. “Nós queremos que os homens sejam melhores ao fazer com que eles vivam a sua vida ao máximo. E isso são os dois lados da revista, o lado inteligente e o lado divertido”, afirmou.
Esta dupla identidade é algo que os distingue no mercado. “Nós temos bons cronistas, temos bom jornalismo, que já ganhou prémios, e não há muitos dos nossos competidores que o tenham conseguido, mas também temos a parte divertida do lifestyle, uma parte mais humorística que mais ninguém consegue fazer. Portanto, há quem tente ser como a Payboy, ou fazer uma versão da Playboy, mas nós somos o original, que tem vindo a fazer isto há algum tempo. E também temos um pouco de sensualidade, pois ouvi dizer que os homens gostam”, explicou Jones, num tom divertido.
Na opinião do diretor de conteúdos, a conferência internacional que reuniu em Lisboa vários editores mundiais da Playboy foi uma boa oportunidade para trocar ideias e perceber de que forma é que a revista se pode adequar a cada país.
Comentários