"Não tenho nenhuma lei nem regra/ para desordenar um poema escrito/ não tenho mais que o desejo de tocar-te/ ó coisa inúmera que entretanto/ além de tocar/ conto e reconto/ continuadamente", lê-se no poema de abertura do novo volume.

"Este é um livro de poemas inéditos, recolhidos nos cadernos [do escritor], cuja edição é de tiragem única, de acordo com o que sempre foi a vontade do autor", lê-se no comunicado da editora que anuncia a preparação da edição crítica da obra de Herberto Helder e a digitalização do seu espólio.

Acrescenta o comunicado: "não se trata da edição crítica que a obra inédita de Herberto Helder merece e que certamente será publicada no futuro, agora que o seu espólio está a ser integralmente digitalizado. "'Letra Aberta' é uma escolha realizada pela viúva do poeta, que permite uma primeira abordagem à riquíssima 'oficina' a partir da qual foi construindo o seu 'poema contínuo'".

A Porto Editora informou ainda, quando do anúncio da publicação de "Letra aberta", ter chegado a acordo com a editora Tinta-da-China, para a publicação de toda a obra de Herberto Helder no Brasil.

Herberto Helder morreu na noite de 23 para 24 de março do ano passado, na sua casa, em Cascais, e é recordado pelo meio literário e político como o "mago da palavra", poeta "vulcânico" que se remeteu ao silêncio, mas cuja obra deixa marcas na literatura portuguesa. Discreto, avesso ao lado mais mundano da vida literária, sobrevivem-lhe mais de cinquenta obras, sobretudo poesia, que o inscrevem no reservado espaço dos maiores poetas de Língua Portuguesa.

Autor que "fugiu à banalidade", Herberto Helder foi um "mago da palavra" que "tirou magia em tudo que tocava", afirmou no dia da sua morte o catedrático de Literatura Arnaldo Saraiva. Um poeta inovador que criou "uma nova linguagem, que é verdadeiramente mágica e esplendorosa", acrescentou o jornalista José Carlos Vasconcelos.

Nascido na Madeira, em 1930, Herberto Helder viveu quase sempre no continente, desde a adolescência, teve vários ofícios - operário, repórter de guerra, editor, empacotador, bibliotecário - mas o da escrita foi o mais constante, desde que publicou o primeiro livro, "O Amor em visita", em 1958.

O crítico Pedro Mexia identifica-lhe uma apropriação da palavra sem desconfianças, ironias ou cinismos e considera-o, por essa força verbal, o maior poeta da segunda metade do século XX, tal como Fernando Pessoa o foi no começo daquele século.

Herberto Helder deu a última entrevista em 1968, recusou o Prémio Pessoa e editou, em 2014, o livro "A morte sem mestre". No ano passado, após a sua morte, foi publicado o último livro organizado pelo autor, "Poemas canhotos".

Foi "um mestre" para outros escritores, como o poeta Nuno Júdice admitiu, no dia da morte de Herberto Helder, um "poeta tão diferente, tão vulcânico" que mostrou "tudo o que é mágico e inexplicável na poesia”, disse por seu turnmo, o catedrático da Universdade Nova de Lisboa, Fernando Pinto do Amaral.