“Portugal ainda não possui uma estrutura suficientemente profissional e especializada que se dedique à prevenção e extinção de incêndios. A mesma encontra-se a ser estabelecida no âmbito do Programa Nacional de Ação recentemente aprovado, o qual integra as medidas estratégicas definidas no Plano Nacional de Gestão Integrada dos Fogos Rurais. Para o efeito, estão a ser contratados e formados mais guardas, estão a ser adquiridos mais meios de combate e a coordenação entre todas as entidades que compõem o sistema nacional de gestão de fogos rurais”, refere o relatório ibérico sobre incêndios “Paisagens corta-fogos”.

O documento, lançado hoje em Portugal pela organização ambientalista Associação Natureza Portugal (ANP), representante nacional da internacional Fundo Mundial para a Natureza (WWF), dá conta que mais de 18.000 incêndios ocorrem anualmente em Portugal desde 2010, apesar de a percentagem ter caído 57% desde 2010.

Segundo o relatório sobre os incêndios florestais na Península Ibérica, o número anual de incêndios em Portugal é 37% maior do que em Espanha.

“Portugal é claramente o país europeu mais afetado pelos incêndios florestais. Uma média de 136.000 hectares são queimados por ano, 31% a mais do que em Espanha, apesar de ter 80% menos área florestal. Este valor significa que todos os anos Portugal vê queimada mais de 3% da sua área florestal”, sublinha a ANP/WWF.

O relatório aponta como “especialmente preocupante” a “altíssima taxa de intencionalidade", indicando que entre 2010 e 2019 do total de incêndios investigados em cada ano, 27% foram intencionais e 39% resultaram da utilização negligente do fogo.

O documento destaca também que em Portugal “não param de crescer” os grandes incêndios, com mais de 1.000 hectares, e que são aqueles que geram maiores impactos.

O relatório ibérico alerta para a urgência de transformar a paisagem atual "num mosaico corta-fogo, capaz de travar incêndios florestais muito antes dos seus impactos se tornarem catastróficos".

De acordo com o relatório, esta importante e urgente transformação no ordenamento do território e na sua valorização “reduziria significativamente o impacto” dos incêndios.

As duas Organizações Não-Governamentais (ONG) pedem aos governos de Portugal e Espanha “uma estratégia abrangente e concertada de gestão de incêndios rurais, que invista na prevenção social e que coloque a gestão do território em primeiro plano, pedindo também a empresas e cidadãos que assumam a sua corresponsabilidade na criação de paisagens resistentes ao fogo”.

O relatório recorda que “em todo o arco mediterrânico a probabilidade de incêndios de alta intensidade, simultâneos e impossíveis de apagar, está a aumentar”, um cenário que põe em evidência "uma maior exigência social com vista à implementação de uma política de prevenção ambiciosa que coloque a gestão do território em primeiro plano”.

As duas ONG defendem que deve passar-se de um modelo que dá prioridade aos investimentos em dispositivos avançados de combate e ignora os efeitos do aquecimento global e da acumulação de combustíveis para “um modelo empenhado em promover paisagens resilientes, vivas, rentáveis e menos inflamáveis”.

No relatório, as organizações apresentam sugestões sobre como transformar o território para o tornar menos inflamável e evitar os enormes impactos dos incêndios rurais, sublinhando que os fogos “já não representam apenas danos no património ambiental, sendo também um grave risco para a vida das pessoas, um encargo para os cofres públicos e uma ameaça aos meios de subsistência de muitas pessoas, que deixam milhares de evacuados e danos materiais incalculáveis”.

O documento descreve igualmente a paisagem ibérica como um “cluster de problemas”, em que “o despovoamento rural e o consequente abandono dos usos tradicionais, somado ao aumento da área florestal com pouca gestão, com florestas à deriva e casas sem medidas de autoproteção são os ingredientes perfeitos para que os desastres irrompam a cada ano”.