Pedro Soares dos Santos critica a falta de qualidade dos políticos e o facto de não olharem para o futuro do país num horizonte mais longo.

Questionado sobre o que falhou, o gestor é perentório: “Falhou nitidamente o que é que nós queremos como sociedade em relação à política, o que é que nós esperamos dos políticos e isso, para mim, é que é muito preocupante”.

Considerando que uma “espécie de egoísmo” tomou conta da sociedade o que provocou “desigualdades e desequilíbrios”, as pessoas que não conseguiram “entrar na sociedade civil porque é muito competitiva atualmente” decidiram ir “para o único sítio que é monopólio, que é política”, lamenta.

“A boa gestão é fundamental, quer na política, quer nos negócios. Porquê? Porque se quisermos evoluir um negócio, temos que ter muito boa gestão, se não os bancos não nos dão o dinheiro. E quem é o banco do Governo? É o povo”, prossegue o gestor.

E as pessoas “começam a sentir uma certa saturação e uma certa pressão que estão a contribuir, mas não estão a ter retorno”, trata-se de “má gestão” e não de más políticas, aponta.

Pedro Soares dos Santos dá exemplos: “Queremos toda a saúde pública. Muito bem, venha pública, mas tem que ser muito bem gerida, não pode haver desperdícios. Queremos a água toda pública, muito bem, não há problema nenhum, que o seja, mas bem gerida”, com pessoas “com princípios” e que saibam o que é melhor para todos.

Agora, “isto não é um problema de privados ou não privados, isso é um grande erro” e “o tal medo que os políticos gostam de incutir”, adverte.

“Sinto-me desiludido com a sociedade como um todo por se ter deixado adormecer nesta preguiça”

“A boa gestão custa. Custa tempo, custa investimento, é preciso boas pessoas, custa formação e, acima de tudo, custa amor às causas e a maior parte das pessoas hoje” não tem isso, sublinha o gestor.

Sobre se sente desiludido com os políticos, Pedro Soares dos Santos diz que não, que é mesmo com a sociedade.

“Sinto-me desiludido com a sociedade como um todo por se ter deixado adormecer nesta preguiça”, porque “os políticos só lá estão porque também permitimos”, porque “estamos no conforto da nossa vida” e só quando as coisas correm mal” é que se reage, lastima.

Na Jerónimo Martins “temos que estar permanentemente a antecipar o problema, podemos falhar às vezes, mas não podemos falhar sempre”, salienta.

Falta “atitude e vontade do bem-estar de todos”, remata, criticando os cortes que foram feitos às reformas, que classifica de “uma enorme injustiça”.

“Nenhum país pode fazer o que este país fez, que é condenar quem vai para a reforma para a pobreza. Deviam ter olhado” para essa situação “com muita antecedência”, diz.

Pedro Soares dos Santos reitera que Portugal poderia ser a Califórnia: têm o clima idêntico, também tem inovação e turismo.

Aliás, as grandes novas empresas na área da inovação nascem “na Califórnia”, lembra, e Portugal poderia “ser o segundo centro” dessas empresas aqui na Europa. “Em vez de ser a Irlanda podíamos ser nós”, sugere.

Além disso também têm agricultura moderna e uma indústria de vinho na qual Portugal poderia inspirar-se.

Questionado porque é que a Califórnia é diferente de Portugal, responde que é “a atitude”, são “os líderes”.

No Pingo Doce “ninguém ganha menos de 1.100 euros, mais os prémios”. Quantos jornalistas ganham 1.100 euros quando começam a vida depois de se formarem?"

Instado a comentar as críticas que são feitas a grandes empresas como a dona do Pingo Doce sobre os lucros, Pedro Soares dos Santos comenta: “É essa gente que condena o país à pobreza, (…), que quer que sejamos Cuba, (…) que não têm respeito pela opinião contrária e esse é que é o ponto mais importante”.

Por exemplo, no Pingo Doce “ninguém ganha menos de 1.100 euros, mais os prémios”. Agora, “quantos jornalistas ganham 1.100 euros quando começam a vida depois de se formarem? Quantas empresas de jornalismo estão a falir neste país? E estão a falir porquê?”, questiona.

Pode haver “má gestão, mas também pode haver maus conteúdos, o problema não está aí. O problema está é que se o negócio não for rentável, não produzir riqueza, você não pode investir, não pode melhorar a vida das pessoas, não pode servir melhor o consumidor e não pode fazer investimentos”, argumenta.

Isso tudo vem da “produção de riqueza” e “quando esta gente não gosta de lucros ou não gosta de grandes empresas – as grandes empresas são cruciais na sociedade porque ao redor das grandes empresas há centenas de pequenas e médias empresas que vivem e que prestam serviços – (…) porque sabem muito bem que as empresas que têm lucro e que não dependem do Estado têm voz ativa e dizem o que pensam”, salienta.

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“Atacam-se aqueles que não gostam de ser medíocres”

Portanto, “atacam-se aqueles que não gostam de ser medíocres” e esse “é o problema que nós vamos ter que lidar e enfrentar”, prossegue.

Questionado se isto é uma tendência, Pedro Soares dos Santos admite que sim, “dos inúteis”, manifestando “profunda admiração” por aqueles que começam pequenos negócios e que lutam, sobre os quais o Estado pensa “como é que vai sacar dinheiro”.

Relativamente às eleições nos EUA, o gestor questiona como “é possível uma sociedade tão grande, com uma riqueza, com a capacidade de inovação que tem, com a capacidade de investimento, com a formação que tem nalgumas elites, não terem gente boa para comandar o país politicamente”.

A questão da qualidade das lideranças “começa a ser transversal ao mundo todo”, admite, o que é motivo de preocupação.

“Até gosto do Biden como Presidente e gosto da forma como ele pensa, mas reconheço que uma pessoa com aquela idade… isto é preciso muita energia para determinados lugares agora, e o Trump, como é que é possível pensar-se no Trump”, questiona, para logo argumentar que isso “significa que há lacunas na sociedade muito grandes” que os políticos não estão a preencher e depois surgem os radicais e “tomam conta desse lugar”.

Mas Pedro Soares dos Santos está convicto que Trump não será eleito Presidente: “com toda a honestidade, o Trump não vai ganhar”.

O mundo da tecnologia “vai numa evolução imparável” e os EUA estão preocupados com a China e com a capacidade desta.

“Esta guerra com a Ucrânia desviou um bocadinho o foco dos EUA, mas eles não se podem manter eternamente a olhar para aqui. Portanto, nós europeus é que temos que começar a saber resolver os nossos problemas. E eu confesso-lhe se nós não conseguimos resolver esse problema, vamos ter problemas (…), ainda bem que o Putin tem uma certa idade já”, conclui.

“Acreditar na Europa Central, que tem esta fronteira com a Rússia, tem sido um ato de coragem”

Questionado sobre o impacto das guerras, nomeadamente da Ucrânia, Pedro Soares dos Santos diz que, em termos de negócio, “acreditar na Europa Central, que tem esta fronteira com a Rússia, tem sido um ato de coragem”.

“O facto de continuarmos a acreditar que quer a União Europeia, quer a NATO, são estruturas fortes e que se vão manter para futuro (…) permite-nos olhar com alguma esperança para estes investimentos”, admite o gestor.

Agora, “em termos geopolíticos, isto é muito mais complicado porque a guerra não fica na logística, (…) fica no meio das sociedades e divide (…)aqueles que concordam e não concordam e estas divisões são sempre fraturantes no tempo”, lamenta.

No caso do conflito da Rússia-Ucrânia, considera que este resulta de “uma solução mal resolvida” entre ambos, com o fim da União Soviética e na forma como Estaline dividiu o país após a II Guerra Mundial. Já sobre o conflito no Médio Oriente, duvida que algum dia a crise venha a ser resolvida.

“Acho que o conflito do Médio Oriente não tem solução, se já não tinha há 2.000 anos, também não vai ter agora, por muito” que se “pense que as sociedades evoluíram, há raízes que não mudam e essa é uma delas”, até porque “vamos ter sempre pequenos conflitos no mundo, não acredito numa guerra mundial, mas acredito em muitos conflitos em muitos sítios”, prossegue.

Por outro lado, também considera que a Europa vai atravessar momentos complexos, com as eleições europeias e uma direita radical “que vai ganhar novo alento”.

"Esquecemo-nos às vezes, um bocadinho, de ler a história”

Por exemplo, os sinais com a Rússia “estavam lá há muitos anos”, mas a Europa “mais uma vez cometeu um erro e subestimou” quer na Defesa como na Energia “de uma forma muito preocupante” o impacto disso.

“Permitiu que o adversário se sentisse com força para dar esse passo. Porquê? Porque nos esquecemos às vezes, um bocadinho, de ler a história”, aponta, acrescentando que outro ponto importante é que as pessoas devem perceber que o desequilíbrio que existe dentro das sociedades “muitas vezes leva os líderes a encontrar os seus inimigos fora e não dentro”.

E, em vez de se resolverem os problemas internos, “criam inimigos e isso é muito preocupante”, pois os desequilíbrios trazem insegurança, o que faz com que as pessoas tendam a “encostar-se a líderes fortes, o que não quer dizer que seja o melhor” ou que “seja bom para a sociedade como um todo”.

Pedro Soares dos Santos espera que o “bom senso se mantenha” e que não aconteça uma guerra nuclear.

Vive-se num mundo “de pouca tolerância para o debate: ou pensas como eu ou és meu inimigo”

Relativamente à União Europeia, considera que esta está “a aprender a lidar com a Europa Central, com os líderes da Europa Central”, que querem ter voz, tal como os países mais antigos do espaço europeu.

“Acho que existe um aqui [uma] Europa com duas visões do mundo e é isso que eu acho que neste momento está em confronto”, pois “não podemos esquecer que temos uma história de democracia na Europa do Sul que não tem o Leste, e o mesmo na educação”, aponta.

“Há aqui um confronto geracional” entre como “integrar ainda mais europeus” a leste, que pensam diferente dos do sul e tem objetivos diferentes.

Depois, vive-se num mundo “de pouca tolerância para o debate: ou pensas como eu ou és meu inimigo. Aqueles grandes líderes que estávamos habituados a ver a debater, a não ter medo ter ideias, hoje já não existe”, aponta.

Esta falta de tolerância para o debate “está a radicalizar uma Europa e, num continente que está a envelhecer, as pessoas com mais idade começam a premiar a segurança física e têm mais medos. E o que é que fazem os partidos? Incutem mais medo”, o que “não é bom para ninguém, porque não traz soluções e abre caminho ao radicalismo”, lamenta.

“Vejo que a direita radical na Europa vai ganhar um novo alento” e “que o Parlamento Europeu vai ter muito mais dificuldades em lidar com os assuntos e, como não há líderes fortes na Europa (…), temo que vamos ter que passar por um período” de uma “grande paralisação”, diz.

E com a falta de tolerância do diálogo “vamos perder muito caminho para a China e para os EUA, que já perdemos e muito”.

Além disso, houve “políticas erradas” da parte da Europa, com a falta de investimento na Defesa, em que “estamos dependentes de quem vai ser o futuro Presidente dos EUA para saber se vivemos em segurança”, e “entregámos a energia (…) aos russos”, num “‘trade off’ entre a energia barata ou o investimento para o futuro”, elenca.

“No dia em que perdermos a capacidade de nos autoalimentar, quem tiver essa força para nos alimentar é quem vai mandar em nós”

Destaca ainda a sustentabilidade e a independência alimentar da Europa: “Nós não a podemos perder”, adverte.

Critica as políticas de sustentabilidade “radicalizadas” que a Europa está a assumir considerando que é “mais importante” fazer uma “revolução” do que uma evolução.

“No dia em que perdermos a capacidade de nos autoalimentar, quem tiver essa força para nos alimentar é quem vai mandar em nós” e “eu espero que as pessoas percebam que” estas são áreas “fundamentais” para o futuro da União Europeia, sublinha.

“Vivemos esse risco e os primeiras pessoas que estão a mostrar que esse risco é grande são os agricultores” que estão a perceber que os seus produtos “vão ficar fora do mercado”, alerta.

Pedro Soares dos Santos defende que é preciso fazer “evolução no tempo” e, “ao mesmo tempo, ajudar os países para os quais participam ativamente nesta questão alimentar e nesta segurança alimentar também a mudarem”.

“E aceitar que temos que partilhar parte da nossa riqueza com eles para que esta evolução aconteça nos dois campos ao mesmo tempo, não é um campo mudar e o outro não faz nada”, insiste.

Exemplifica com a questão do Egito e da laranja: “Veja o que é que vai acontecer em Espanha à laranja: vai desaparecer para o Egito”. Mas, do Egito “vai utilizar que água? Que meio ambiental é que vai ter? Que trabalho infantil é que vai ter nisto tudo? Não há ninguém a controlar. E a União Europeia, em vez de controlar, quer que sejam as companhias a controlar, mas isso é incontrolável pela nossa parte, nós não temos autoridade para chegar lá e mandar”, remata.