“Estamos a ver em muitos países ao redor do mundo um nível crescente de polarização e a emergência do populismo como uma resposta que está a dividir cada vez mais as sociedades, a radicalizar o discurso político e, essencialmente, a colocar cada vez mais pessoas umas contra as outras dentro dos países”, observou o administrador do PNUD, Achim Steiner, numa conferência de imprensa em Nova Iorque, onde apresentou as conclusões do “Relatório de Desenvolvimento Humano 2023/24”.

“E isto em si não é algo novo para vocês (jornalistas), mas a forma como estamos a observar isto acontecer, num nível e com uma continuidade e um crescimento exponencial, é extremamente preocupante”, avaliou.

Além de apontar que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) atingiu máximos históricos em 2023, apesar do progresso “profundamente desigual” entre países ricos e pobres, o relatório constatou ainda que o avanço da ação coletiva internacional está a ser dificultado por um emergente “paradoxo da democracia”.

Ou seja, enquanto nove em cada 10 pessoas em todo o mundo apoiam a democracia, mais de metade dos inquiridos no levantamento global manifesta apoio a líderes que podem prejudicá-la ao contornar regras fundamentais do processo democrático.

“O que também temos visto é que – e esta é uma tendência em constante crescimento, e pela primeira vez em inquéritos em todo o mundo – , ultrapassou-se a marca de 50% de pessoas dispostas a eleger líderes populistas, com agendas populistas, que na verdade representam o risco de minar os próprios fundamentos da democracia, frisou Steiner.

“O populismo está em ascensão em muitos países. Está a dividir e a polarizar os países e não só está a criar maiores tensões nas sociedades, como também começa a impulsionar a agenda internacional e geopolítica”, salientou ainda.

Depois de uma pandemia como a da covid-19, que abalou o mundo e que evidenciou as interdependências globais, agora seria o momento, segundo o administrado do PNUD, para o mundo estar altamente concentrado em desenvolver a sua capacidade coletiva de agir, apesar de todas as diferenças.

Mas isso não está a acontecer, de acordo com o relatório.

“A polarização e o populismo, a virada para dentro, as respostas de foco interno, fazem com que o seu vizinho se torne o seu inimigo. É no aumento dos orçamentos de defesa que se mede o aumento da segurança quando, na verdade, estamos a desinvestir nos meios de cooperação que eliminariam o grande risco para o futuro do desenvolvimento e, portanto, para a segurança humana”, advogou.

Face às conclusões do relatório, o secretário-geral da ONU, António Guterres, lamentou que as divisões estejam a aprofundar-se num momento em que a cooperação é cada vez mais crítica.

“Vivemos numa era de polarização. Entre as comunidades e entre regiões, as pessoas estão a ser afastadas pelo aumento da desigualdade, pela escalada de conflitos e por choques climáticos recordes. A desinformação e a quebra de confiança estão a dilacerar o tecido social e a reduzir o espaço para um discurso público significativo”, assinalou o líder das Nações Unidas.

Guterres lamentou ainda o “impacto devastador” da polarização no desenvolvimento sustentável, defendendo que a melhor esperança para o futuro é combater a retórica que divide e “destacar o terreno comum” que une a maioria das pessoas em todo o mundo.

O ex-primeiro-ministro português apontou a Cimeira do Futuro, a realizar-se em setembro na sede da ONU, em Nova Iorque, como o fórum para abordar todas essas questões.