"Todo este saber, todo este ciclo da lã que era, há 30 ou 40 anos, parte do dia-a-dia da comunidade, deixou de ser. Então eu fiz a recolha destes processos para partilhar como experiência de turismo criativo", disse à Lusa Paula Oliveira, de 47 anos, dinamizadora do projeto.

O ciclo da lã em Barroso é um dos três projetos portugueses finalistas nos prémios Novo Bauhaus Europeu, entregues sexta-feira em Bruxelas, sendo o único da secção "Campeões", na categoria "Recuperar o Sentimento de Pertença".

Formada em Gestão de Projetos Culturais, mas hoje em dia "pastora, agricultora, guia turística, costureira, tecedeira, fiadeira", Paula Oliveira conta que o projeto de investigação "foi desenvolvido entre 2018 e 2020" e está hoje encerrado, mas "ainda hoje há muito trabalho que é feito derivado do que aí aconteceu".

"É difícil entender que o [projeto do] ciclo da lã acabou, enquanto projeto candidato a Bauhaus, uma vez que eu lhe dou continuidade mas de uma outra forma, com outra roupagem", explica.

Paula Oliveira foi percebendo "a importância da pegada ecológica de todo este processo, e aí entra aquela parte do trabalho do Eco Rural também em relação à sustentabilidade ambiental e social".

"Hoje falamos na economia circular, e nós temos o pastoreio das ovelhas, temos uma economia familiar em que a ovelha é, sobretudo, o animal doméstico das mulheres, porque o cuidam, dela vão extrair a lã que vão usar para fazer vestuário", contextualizou.

O pastoreio extensivo das ovelhas fazia "a conservação e preservação dos solos, a prevenção dos incêndios, a conservação da água", valorizando-se a "componente ambiental".

"Depois temos toda a componente artística e artesanal, que é o preparar a fibra, a tosquia, tosquiar a lã, preparar a fibra, lavá-la, carpeá-la, cardá-la, fiá-la, tecê-la, pisoar", acabando depois nas típicas capas de burel utilizadas pelos pastores no inverno.

Segundo Paula Oliveira, "o ciclo de lã é muito mais feminino, e "o homem entra depois no pisão", já que "o pisoeiro era uma profissão inteiramente masculina, até porque os pisões se localizavam em sítios muito inóspitos e obrigavam a estar fora do lar, a viver lá e a um esforço físico".

O ciclo da lã envolvia também uma forte dimensão de trabalho em comunidade, já que "a fiadeira, a tecedeira, a pastora, eram profissões que também exigiam muito tempo", e eram difíceis de articular entre si.

"As pessoas complementavam-se umas às outras com os seus conhecimentos e com os seus saberes. E foi isso que eu tentei fazer, e acabámos por conseguir fazer depois neste projeto do ciclo da lã em Barroso", envolvendo a comunidade.

O projeto de recriação envolve ainda "turistas que vêm para aprender, ou simples curiosos, até aos descendentes das mulheres e das pessoas mais velhas que transmitiam os conhecimentos", que ficaram a aprender "como é o ciclo da lã em Barroso".

Paula Oliveira andou "de aldeia em aldeia, de território em território, a falar com pessoas mais velhas, a aprender com elas, a perguntar, a executar, a pedir-lhes que demonstrassem como realmente se fazia", um saber "que não estava nos livros e de que seriam as pessoas o património principal".

Hoje, na região de Barroso, Património Agrícola Mundial, paira o espectro da exploração de lítio, algo que Paula Oliveira vê como "muito difícil e assustador".

Para Paula Oliveira, "as pessoas que vivem da agricultura, que são a maioria delas, não querem, e eu acho que qualquer povo que não pense apenas na questão económica dirá que não quer".

"Estamos a falar que a mais valia que se encontra aqui é mais-valia económica. E essa economia vai parar aos bolsos de quem? Retirar a quem para dar a quem?", questionou.