Lançou o último album há menos de dois meses, precisamente por altura do seu 82º aniversário. Um aniversário estranho em que se falou mais de morte do que de vida -  e ele assim quis.  Ou não fosse o tema de lançamento intitulado "You Want It Darker", ou não se perguntasse pela natureza do homem e de um Deus todo poderoso neste novo trabalho.

O disco, produzido por seu filho Adam Cohen, faz referências às suas recordações de infância em Montreal e está impregnado dos coros da sinagoga Shaar Hashomayim. Escreveu-se na altura que "a ressonância da viola acústica acompanhada de um contrabaixo ressalta a busca espiritual de um Cohen solitário, mas sereno frente à velhice".

Falar sobre Deus e falar da sua relação com Deus foi um tema recorrente na música e na poesia de Leonard Cohen - desde "Hallelujah" (1984), o seu grande sucesso tardio, talvez mesmo antes. E esta podia ter sido só mais uma vez, num músico em que tudo era irrepetível. Sobretudo num ano que lhe fora difícil, o ano em que se despedira da sua musa de sempre Marianne Ihlen, imortalizada também por ele em "So long, Marianne".

Leonard Cohen já se tinha despedido dos palcos em 1990. Uma ausência que pesou a quem o seguiu por décadas, mas sossegada pela serenidade de sabermos que estava lá. Mesmo que o lá fosse o mosteiro budista onde entendeu se recolher.  Voltou à música por uma razão pouco espiritual, quando descobriu que tinha sido roubado pelo seu agente. Um roubo que devolveu Cohen aos palcos e nos brindou com uma mão cheia de músicas e atuações, nomeadamente em Lisboa.

Mas desta vez foi mesmo ele que se despediu. Aos 82 anos, em Los Angeles, disse hoje adeus aquele que será sempre o nosso homem.

(...)

If you want a lover
I'll do anything you ask me to
And if you want another kind of love
I'll wear a mask for you
If you want a partner, take my hand, or
If you want to strike me down in anger
Here I stand
I'm your man

Nascido a 21 de setembro de 1934 numa família judaica em Montreal (Canadá), Leonard Cohen compôs algumas das músicas mais inesquecíveis das últimas décadas.

Ainda no Canadá licenciou-se em literatura na Universidade McGill, em 1955, e integrou o grupo musical The Buckskin Boys.

Mudou-se para Nova Iorque com uma bolsa para a Columbia Graduate School, e aos 24 anos recebeu outra, do Canada Council, para escrever um livro, o que lhe permitiu viajar para a Europa.

Cohen acompanhou sempre a música com a literatura, a sua grande paixão, que começou aos 16 anos, quando escreveu os seus primeiros poemas.

Publicou o primeiro álbum, "Songs of Leonard Cohen”, em 1967, já depois de ter feito trinta anos e de ter revelado a faceta literária, em particular com o livro de poesia "Let us compare mythologies" (1956) e o romance "O Jogo preferido", (1963), editado em Portugal em 2010.

Leonard Cohen é também autor do livro de poesia "Flowers for Hitler" (1964).

Em Portugal estão também publicados "Filhos da Neve" e "O livro do desejo", que reúne poemas dispersos escritos ao longo dos últimos vinte anos, alguns dos quais durante um retiro budista de Cohen nos Estados Unidos e na Índia.

Alguns dos poemas desse livro foram adaptados para letras de canções.

Considerado um dos mais importantes nomes da música popular do século XX, Cohen escreveu músicas simbólicas da sua geração, incluindo "Hallelujah."

"Suzanne" ou "So Long Marianne" ilustram, em 1967, uma primeira coleção de canções marcadas pelo sofrimento amoroso.

Aos 77 anos, foi distinguido com o Prémio Príncipe das Astúrias das Letras pelo "imaginário sentimental" da escrita e da música, justificou o júri.

No mesmo ano, em 2011, foi galardoado com o 9.º Prémio Glenn Gould, atribuído de dois em dois anos a artistas que contribuam para enriquecer a condição humana e representem os valores da inovação, inspiração e transformação.

Apesar da idade, estava mais ativo desde 2008, quando iniciou uma nova digressão internacional, depois de uma ausência de 15 anos, e editou o álbum "Old Ideas" (2012).

Em 2014, lançou o álbum "Popular Problems", que aborda preocupações e dilemas do mundo atual.

Sobre este álbum, marcado pela sua voz cavernosa e grave, Leonard Cohen afirmou que é atravessado por um sentimento identificável por todos: "Toda a gente sofre e toda a gente luta por ser alguém, por ser reconhecido. É preciso perceber que a luta de um é igual à luta de qualquer outro; e o sofrimento também. Creio que nunca se chegará a uma solução política se não se perceber esta ideia".

Questionado se uma canção pode oferecer soluções para problemas políticos, respondeu: "Eu penso que a canção é, ela mesma, uma espécie de solução".

Cohen foi precedido na morte, em julho, por Marianne Ihlen, a norueguesa com quem viveu na ilha grega de Hydra e que inspirou "So Long, Marianne".

Numa carta para Ihlen revelada por um amigo, Cohen declarou o seu "amor sem fim" por ela, escrevendo: "Eu acho que vou seguir-te muito em breve."