Há dois anos, o ousado magistrado de Curitiba ordenava a prisão de um velho conhecido, o doleiro (pessoa que compra e vende dólares no mercado paralelo) Alberto Youssef, de recheada ficha judicial, que lhe mostraria o caminho para os subterrâneos do poder. Surgia assim a maior operação anticorrupção que o Brasil já viu e, com ela, a fama de Moro, o juiz encarregado de comandar as investigações sobre o esquema multi-milionário de desvio de dinheiro na Petrobras.

Depois de quase cem condenações e 24 fases da investigação, caíram na rede do magistrado ex-diretores da petroleira e donos das maiores empresas construtoras do país. E as acusações caíram mesmo no até então intocável ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A frieza quase temerária deste Quixote da Justiça levou-o às portas da casa do ex-presidente em São Bernardo do Campo, a 4 de março, quando ordenou à Polícia Federal que o levasse em condução coercitiva para depor em São Paulo. "Eu, sinceramente, tô assustado com a República de Curitiba. Porque a partir de um juiz de primeira instância, tudo pode acontecer neste país", afirmou Lula, em conversa telefónica gravada em escutas e divulgada com autorização do juiz.

'Mãos Limpas'

Moro nasceu há 43 anos na cidade paranaense de Maringá e foi ali que se formou em direito, tornando-se juiz em 1996. Doutor e professor universitário, completou a sua formação na respeitada Universidade de Harvard. "É um magistrado tecnicamente preparado, com uma capacidade de trabalho extraordinária e experiência em processos de grande magnitude", contou à AFP Antonio Bochenek, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

Fascinado por decifrar os caminhos do dinheiro sujo, esta estrela da Justiça brasileira sempre se mostrou encantada com a histórica operação 'Mani Pulite' [mãos limpas], que desarticulou uma complexa rede de corrupção na Itália dos anos 1990. Como uma profecia, o juiz esboçou, num artigo publicado em 2004 a respeito desta operação, a arquitetura do caso que o levaria à fama dez anos depois, defendendo a estratégia de colaborações premiadas de delatores (mecanismo que permite à justiça negociar com os réus informações sobre outros crimes e criminosos, em troca de uma redução da pena), ou a divulgação de informações à imprensa, uma poderosa arma utilizada na 'Operação Lava Jato' desde o início.

"Moro instituiu a prisão preventiva como regra, enquanto em qualquer país civilizado é a exceção", condenou o advogado Antonio Carlos de Almeida, que defende vários envolvidos no esquema com a Petrobras.

O magistrado treinou o seu olfato apurado no caso Banestado, no qual foram condenadas 97 pessoas envolvidas num esquema de lavagem de dinheiro. Entre elas, um certo Alberto Youssef. Posteriormente, assessorou uma ministra do Supremo Tribunal Federal no julgamento do 'Mensalão', o primeiro grande escândalo de corrupção a sacudir o PT.

Na lâmina da lei

Casado e pai de dois filhos, este magistrado tornou-se o ídolo da maré de críticos ao governo, que o veem como um cavaleiro solitário que luta de peito aberto contra o mar de lama em que se encontra o país. Numa interrupção pouco frequente da sua discrição, o juiz declarou sentir-se "comovido" depois de ver os mais de três milhões de brasileiros que protestaram no domingo passado, declarando apoio ao magistrado.

Mas o seu último golpe de efeito, e o mais arriscado, ainda estava por vir. Ocorreu às 16h19 de 16 de março: apenas duas horas depois de o ex-presidente Lula ser nomeado ministro, o juiz voltou a sacudir o país. Aparentemente incomodado com a manobra política que tirava Lula do seu radar - pois, ao assumir o ministério, o ex-presidente tem foro privilegiado e passa a ser julgado pelo Supremo -, Moro suspendeu o sigilo das escutas telefónicas, tornando público até um embaraçoso diálogo com a presidente Dilma às 13h32 do mesmo dia, pouco antes de perder a jurisdição sobre o caso.

O ato, cuja legalidade foi fortemente questionada, voltou a levar às ruas milhares de brasileiros, que viram na conversa entre antecessor e sucessora uma manobra para livrar Lula de uma eventual prisão. Muitas vozes, no entanto, advertiam que o juiz tinha ido longe demais. Especialmente depois de ser divulgado que ele próprio tinha determinado a suspensão das escutas duas horas antes da polémica conversa. No seu enérgico discurso durante a posse de Lula, Dilma não precisou de mencionar o magistrado para dar um forte alerta. "Convulsionar a sociedade brasileira em cima de inverdades, de métodos escusos, de práticas criticáveis viola princípios e garantias constitucionais, viola direitos dos cidadãos e abre precedentes gravíssimos: os golpes começam assim", declarou Dilma.