“Todo processo penal tem que ter uma preocupação com os direitos fundamentais. Ninguém advoga nada fora do âmbito dos direitos fundamentais. Agora, realmente são necessários instrumentos especiais de investigação para ter bons casos criminais, o que significa boas provas em relação a crimes praticados pelos poderosos”, declarou o juiz federal.

Um dos vários instrumentos especiais utilizados para a investigação dos recentes casos de corrupção no Brasil, como a operação Lava Jato, é a denúncia premiada, que proporciona benefícios (como redução de pena de prisão) a pessoas que forneçam informações significativas à justiça sobre casos judiciais.

A operação Lava Jato é uma das maiores investigações já feitas no Brasil sobre a corrupção que envolve políticos, empresas e funcionários públicos, que atingiu também a petrolífera Petrobras.

Sérgio Moro referiu que, ao contrário de muitos dos seus críticos que afirmam que a denúncia premiada é uma moda ou que tem lacunas legais, este instrumento “é imperativo de uma sociedade democrática, na qual nós temos liberdade e tratamento igual”.

“Então, a meu ver ao contrário a essas aspirações da sociedade democrática, há a prevalência, por exemplo, de corrupção sistémica ou a corrupção impune de pessoas poderosas”, referiu.

“O sistema tem que funcionar também contra este tipo de criminalidade, sendo a meu ver inconsistente com a democracia, com a liberdade e igualdade um sistema penal que se preocupa apenas com crimes praticados por pessoas vulneráveis, por aquele que está na base de uma pirâmide criminosa ou aqueles que cometem crimes de rua”, acrescentou.

Sobre a acusação de haver "populismo penal", Sérgio Moro respondeu que “é uma avaliação que, eventualmente, pode ser realizada”.

“Na minha perspetiva, nos processos já julgados no Brasil que se teve uma acusação, que foi comprovada na Justiça, de graves crimes de corrupção e que levaram às condenações de pessoas no Brasil. Isso não é populismo, é a realização do trabalho da justiça. A justiça tem de funcionar assim, não existe populismo”, avaliou.

“Os Estados Unidos usam isso. Eu não creio, embora a com mesma dificuldade (de avaliação) em relação à Portugal, eu não acredito que nos Estados Unidos exista a corrupção sistémica, mas ainda assim eles utilizam estes instrumentos importantes em determinados cenários”, sublinhou.

Para o juiz federal brasileiro, a opinião pública é relevante, mas nenhum juiz vai julgar um caso segundo a opinião pública.

“A opinião pública nestes processos envolvendo pessoas poderosas funciona como um anteparo em relação às interferências indevidas do processo judicial. Isso pode acontecer, é uma certa ingenuidade acreditar que muitas pessoas poderosas politicamente e economicamente não possam ficar tentadas a utilizar meios impróprios para interferir na ação da justiça”, avaliou.

Para Sérgio Moro, “não se pode dizer que estão todas as pessoas envolvidas (políticos)”.

“Existem investigações abrangentes, não se sabe o resultado destas investigações, mas há certamente bons agentes políticos. Assim como há bons e maus juízes, há bons e maus políticos”, adiantou.

Moro disse ainda que no início da operação Lava Jato não se previa a sua dimensão, mas foi crescendo com o tempo e, claro, “surpreendeu a todos”.

Questionado pela Lusa se haveria corrupção sistémica em Portugal, o juiz disse que não tinha como avaliar tal situação, pois não conhecia os detalhes da vida portuguesa.

“O que vejo no Brasil, baseado nos casos já julgados, foi descoberto um esquema de corrupção sistémica, ou seja, tinha um sistema de corrupção que funcionava com regras relativamente fixas e reproduzia-se várias vezes, não era um único crime de corrupção”, disse.

“Eu não tenho autoridade para falar sobre o caso de Portugal. Agora, estes instrumentos também são valiosos não só em casos que envolvem corrupção sistémica, mas muitas vezes por crimes praticados por pessoas poderosas politicamente ou economicamente, que isso seja um comportamento serial ou quer seja algo isolado”, acrescentou.

“Este caso (Lava Jato), por vezes tem ramificações internacionais e a tendência do Brasil tem sido sempre cooperar com todo o material probatório, quando a justiça de diversos países não cooperam, quem ganha é o criminoso e não o país não cooperante”, referiu Moro questionado sobre as ramificações internacionais do caso, que também chegou a Portugal, nomeadamente com ligações à construtora Odebrechet, entre outros.

Para Moro, "a tendência tem sido esta, mas há procedimentos e formas e isso tem de ser analisado a cada situação concreta".

"Eu não conheço o sistema jurídico de Portugal, o sistema judicial, para fazer qualquer afirmação”, disse ainda.

Segundo o juiz, com base na experiência brasileira e exemplos que se encontram no mundo inteiro, como no caso da Itália e dos Estados Unidos, a delação premiada é um meio de investigação muito relevante para descobrir estes crimes praticados em segredo, entre eles, a corrupção praticada por pessoas poderosas.

Sobre o seu mediatismo, referiu que existe uma “personificação” do trabalho numa pessoa, mas que, na realidade existem muitos polícias, procuradores e juízes a trabalhar na operação Lava Jato, cada um com o seu devido mérito.