“Não adoro o conceito de “superquarteirão”. Havia um conceito de “superquarteirão”, mas não é esse que estamos aqui a testar. E não testámos nunca. Um “superquarteirão” alarga um quarteirão e projeta nos quarteirões envolventes”.

Pedro Costa, presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique, Lisboa, faz esta confissão prévia acerca de um dos temas de mobilidade na ordem do dia antes de se debruçar sobre o teste, em curso, de alargamento do centenário Jardim Teófilo Braga (conhecido como Jardim da Parada) até 17 de setembro.

O jardim que tem um parque infantil, um lago onde navegam patos, um quiosque, um coreto, uma mesa para gente de todas as idades jogar às cartas e esconde, por entre árvores centenárias, a estátua de Maria da Fonte, obra da autoria de Costa Motta, inaugurada a 15 de setembro de 1920, a propósito do centenário da proclamação do regime liberal, cola-se, durante quase duas mãos cheias de dias (nove), aos prédios adjacentes.

Estátua da Maria da Fonte
Jardim da Parada, Campo de Ourique créditos: Miguel Morgado

 Insufláveis, um relvado, esplanadas, peças de xadrez no alcatrão e aulas para cães num Jardim da Parada colado aos prédios 

O movimento de extensão levou à retirada os carros estacionados na via pública, cerca de 100 viaturas (e lugares de estacionamento) evaporaram-se, a praça de táxis mudou de esquina, estendeu-se o alcatrão a diversas mesas de restauração, um street food court a céu aberto, plantou-se um relvado sintético, introduziram-se insufláveis para crianças, peças gigantes de xadrez, mesas de ténis de mesa, permite-se a exibições de oferta desportiva de clubes do bairro, foi desenhado uma zona pedagógica de aprendizagem de circulação com bicicletas, e há um espaço de adestramento de cães.

“Estamos a testar o alargamento do Jardim da Parada, fachada a fachada. Chamamos “aqui há mais bairro” e é mais uma experiência de place-making do que “superquarteirão””, sumariza, ao SAPO24, Pedro Costa, autarca eleito pelo Partido Socialista (PS).

Em pleno Jardim do bairro lisboeta, retoma ao tema de arranque da conversação. A fazer sombra à temporária alteração levada a cabo na quadrícula de Campo de Ourique está o tal “superquarteirão”, conceito nascido em Barcelona e cujo desenho urbanístico e de mobilidade foi proposto por um conjunto de cidadãos - Conselho de Cidadãos de Lisboa em maio do ano passado, uma das bandeiras do presidente da câmara municipal de Lisboa, Carlos Moedas.

“O “superquarteirão” poderá estar a ser equacionado, é um contributo de um conjunto de cidadãos junto da Câmara Municipal de Lisboa e está a ser avaliado”, começa por explicar. “Mas não estamos a testá-la. O foco é o alargamento do Jardim”, esclarece. “Que jardim teríamos se fosse de uma fachada a outra”, interroga. “Teremos um aumento de 60 a 70 % da área útil do jardim”, responde.

Jardim da Parada
Campo de Ourique créditos: Miguel Morgado

Costa interrompe o raciocínio e introduz na equação as futuras obras do Metro de Lisboa (Linha Vermelha), cuja duração está prevista decorrerem durante dois anos (a arrancar no final deste ano e finalizar em 2026).

“Com a obra do Metro não se perde área útil de jardim. Haverá a colocação de um elevador e uma saída feita pela atual casa de banho (instalação sanitária de apoio ao jardim), o máximo do estaleiro de obra será na estrada, diminuindo o impacto no jardim, que manterá sua estrutura”, assegura, respondendo ao desassossego criado junto dos habitantes desta zona de Lisboa que criaram o movimento “Salvar o Jardim da Parada”.

“O teste é feito durante nove dias, para ser testado em carga. Já tínhamos feito um teste a um domingo, e não quisemos, apesar de tudo, carregar já com as escolas a decorrerem. Mas há problemas que vamos detetar já e não necessitamos da pressão adicional das escolas para os detetar”, esclarece. “Não tenho dúvidas que haverá sítios em que temos de inverter o sentido (das ruas) para que isto funcione”, antecipa.

Todas as mudanças em curso, efetivas e propostas, resultam de um diálogo camarário entre Junta de Freguesia (JF) e os Paços do Conselho. “Há um debate interno na JF, a que se juntou uma voz de um conjunto de cidadãos do bairro, e, há, junto da Câmara Municipal uma pressão no Concelho de Cidadãos que levou a Câmara, sabendo que estávamos com este debate, a cooperar”, esclarece.

“Teremos um jardim mais largo e que tipo de apropriações poderemos fazer. Poderemos viver o jardim de outra forma com oferta cultural. Ao aumentá-lo, poderemos aumentar a oferta estática, aumentar o espaço de crianças e os espaços verdes. É um conceito de Jardim da Parada como sala de estar de todos nós”, define. “Está em aberto e em cima da mesa para o futuro, até poderemos equacionar, por exemplo, mudar de sítio e acrescentar mais metros ao parque infantil”, exemplifica.

Jardim da Parada
Campo de Ourique, crianças jogam xadrez na estrada créditos: 24

“Há 6 mil carros por dia a passar pela Ferreira Borges”

Regressa ao “superquarteirão”, tema que assume a forma de rotunda na conversa. “É da responsabilidade das câmaras (mobilidade), mas às juntas está reservado matérias de planeamento urbanístico”, diz.

Vai direto ao assunto. “Não percebo o ganho de projetar isto em superquarteirões. Sou cético em relação ao “superquarteirão”, assume, de novo, sem rodeios.

E explica. “Um dos problemas passa por ignorar a necessidade de reduzir a travessia na Ferreira Borges”, via que rasga o bairro, numa extremidade, e faz a ligação da Estrela às Amoreiras, permitindo a saída (e entrada) de (e em) Lisboa para (e vindo de) sul, A2, Cascais, A5, ou norte A1 e A9. “Necessitamos é de um novo modelo de circulação dentro do bairro para cortar a travessia!”, exclama. “Uma das diferenças para o “superquarteirão” é manter as esquinas abertas para não inverter os sentidos rodoviários. Mas se calhar, podemos inverter os sentidos das ruas principais, Ferreira Borges e Saraiva de carvalho, com dois sentidos para um lado e para outro”, explica.

O presidente da JF de Campo de Ourique, Pedro Costa, vai mais longe. “Se calhar cortávamos o trânsito de travessias. Há 6 mil carros por dia a passar pela Ferreira Borges disse a CML na apresentação pública. Há muito trânsito de travessia da cidade que não tem de passar por aqui. Tem de passar para as grandes distribuidoras. E não aqui”, aponta o caminho, avançando para além do tema inicial da conversa com o SAPO24, o alargamento, em teste, do Jardim da Parada.