Os grupos parlamentares discutiram a possibilidade de ser levado a plenário da Assembleia da República um voto de condenação, mas foi consensualizado que tal poderia "contaminar a questão central", mudando o centro da discussão para a eventual legitimidade do parlamento, dado o princípio da separação de poderes.

A presidente da subcomissão de Igualdade, Elza Pais, resumiu o sentido da nota da subcomissão, que será no sentido de os deputados tomarem "boa nota das reações de todas as instâncias", que incluíram o Presidente da República, o Governo, a Igreja Católica, e o Conselho Superior da Magistratura, bem como "a perplexidade e repúdio veemente quanto à fundamentação" do acórdão.

A subcomissão vai acompanhar "o decorrer do inquérito já instalado pelo Conselho Superior de Magistratura", precisou ainda Elza Pais quanto ao conteúdo da nota a ser redigida pela deputada do PS e peticionária contra o acórdão, enquanto membro da plataforma feminista "Capazes".

Em causa está um acórdão da Relação do Porto, datado de 11 de outubro, no qual o juiz relator, Neto de Moura, faz censura moral a uma mulher de Felgueiras vítima de violência doméstica, minimizando este crime pelo facto de esta ter cometido adultério.

O juiz invoca a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem o adultério com pena de morte, para justificar a violência cometida contra a mulher em causa por parte do marido e do amante, que foram condenados a pena suspensa na primeira instância.

"O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher", lê-se na decisão do tribunal superior, também assinada pela desembargadora Maria Luísa Abrantes.

O PS quer ouvir o Conselho Superior de Magistratura sobre o acórdão num caso de violência doméstica, dado "o alarme social" e por uma "reflexão partilhada" dos valores e princípios" constitucionais, sublinhando o respeito pela separação de poderes.

No requerimento, que será apresentado pelos socialistas para ouvir o Conselho Superior de Magistratura na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, é feita referência ao "alarme social e projeção que a matéria em apreço suscitou", até além das fronteiras portuguesas.

O pedido de audição é justificado "no respeito do princípio da separação de poderes, mas dando igualmente expressão ao princípio complementar da interdependência, que pressupõe a capacidade de reflexão partilhada sobre o essencial dos valores e princípios da ordem constitucional e democrática".

Na quarta-feira, o CSM anunciou a instauração de um inquérito ao juiz relator: "Para permitir deliberação sobre o assunto em próximo Conselho Plenário, foi determinada a instauração de inquérito, por despacho hoje proferido pelo vice-presidente do Conselho".