Michel Temer tem por estes dias uma prioridade: impedir a implosão da base aliada para evitar um eventual impeachment como o que, no ano passado, destituiu a presidente Dilma Rousseff, de quem era vice-presidente. Partidos de esquerda, sindicatos e organizações da sociedade civil não lhe vão facilitar a vida e convocaram para domingo protestos em todo o país para exigir a sua renúncia. O número de participantes poderá servir de termómetro do descontentamento.

O presidente brasileiro foi acusado na sexta-feira pela Procuradoria-geral da República (PGR) de tentativa de obstrução à Justiça. Segundo a PGR, Temer teria atuado em coordenação com o senador e ex-candidato à Presidência Aécio Neves, suspenso do cargo na quinta-feira com o objetivo de impedir a continuação da Operação 'Lava Jato'.

"Verifica-se que Aécio Neves, em articulação, entre outros, com o presidente Michel Temer, tem procurado impedir que as investigações da Lava Jato avancem, seja por meio de medidas legislativas, seja por meio de controle na indicação dos delegados de polícia que conduzirão os inquéritos", afirmou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no seu pedido para que o Supremo Tribunal Federal (STF) autorize a investigação. "Desta forma, vislumbra-se também a possível prática do crime de obstrução à Justiça", concluiu.

O documento também menciona a participação de Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal e ex-ministro da Justiça de Temer. As acusações se baseiam nas delações premiadas dos executivos da multinacional mundial do setor alimentar JBS, nomeadamente pela voz dos seus principais detentores, Joesley e Wesley Batista. As delações só serão consideradas provas depois de validadas pela Justiça.

Desde quarta-feira que o Brasil vive num estado de comoção política. Tudo começou quando o jornalista Lauro Jardim, do Jornal O Globo, revelou uma conversa entre Temer e Joesley Batista, na qual, segundo Janot, o presidente deu a sua concordância ao pagamento de subornos para comprar o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha.

O STF abriu uma investigação sobre o caso.

Temer negou enfaticamente as acusações, assim como os pedidos para que renunciasse.Nos documentos divulgados na sexta-feira, Temer aparece mencionado ao lado dos antecessores Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff numa lista de supostos beneficiários de subornos pagos por executivos da JBS.

Ricardo Saud, diretor de relações institucionais da J&F (o consórcio que controla a JBS), afirmou que a empresa beneficiou Temer na campanha de 2014 com pagamentos ilegais de 15 milhões de reais, em troca de uma "atuação favorável" aos interesses do grupo.

"Ao abrir as portas da sua casa ao empresário, o presidente abriu também as portas para a sua derrocada"

O jornal O Globo afirmou na sexta-feira no seu editorial que o chefe de Estado "perdeu as condições morais, éticas, políticas e administrativas para continuar a governar". O editorial, publicado no site do jornal, recorda que a publicação "apoiou desde o primeiro instante o projeto reformista do presidente Michel Temer", que completou um ano de governo após o impeachment de Dilma Rousseff. "Mas a crença nesse projeto não pode levar ao autoengano, à cegueira, a virar as costas para a verdade. Não pode levar ao desrespeito a princípios morais e éticos. Esses diálogos expõem, com clareza cristalina, o significado do encontro clandestino do presidente Michel Temer com o empresário Joesley Batista. Ao abrir as portas da sua casa ao empresário, o presidente abriu também as portas para a sua derrocada", completa.

"A renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará. É o que os cidadãos de bem esperam dele", afirma o editorial.

A ex-ministra e senadora ambientalista Marina Silva, que nas eleições presidenciais de 2014 alcançou quase 20% dos votos, declarou que Temer "não está em condições de governar".

O ex-presidente do STF Joaquim Barbosa comentou na sua conta de Twitter: "não há outra saída: os brasileiros devem se mobilizar, ir para as ruas e reivindicar com força a renúncia imediata de Michel Temer".

Um eventual impeachment só acontecerá se a base aliada de Temer, ou pelo menos uma parte dela, lhe virar costas."Por isso, a primeira questão é saber se os partidos que formam a base do governo deixarão ou não o governo", disse à AFP Thomaz Pereira, professor de Direito Constitucional na Fundação Getúlio Vargas.

História de uma delação

O nome de Michel Temer aparece junto ao dos seus antecessores Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff numa lista de supostos beneficiários de subornos pagos pelo conglomerado J&F que controla a JBS, empresa dos irmãos Batista. A lista foi entregue à Procuradoria-Geral pelo presidente do grupo e dono da maior empresa de proteína animal do mundo, a JBS, Joesley Batista, no âmbito de um acordo de delação premiada.

Joesley gravou secretamente uma conversa comprometedora com Temer, que poderia custar-lhe a Presidência, enquanto outros diretores do grupo fizeram acusações com potencial tanto ou mais destrutivo que as realizadas por 77 ex-executivos da Odebrecht, implicada no escândalo Petrobras.

A JBS é considerada uma das maiores doadoras de dinheiro nas campanhas eleitorais dos últimos anos no Brasil. Além de Joesley, também falaram à justiça o seu irmão e sócio, Wesley Batista e Ricardo Saud, diretor de Relações Institucionais da J&F.

Estas são algumas das acusações em destaque:

- Saud assegura que a empresa beneficiou Temer na campanha de 2014 (na qual foi reconduzido como vice-presidente de Dilma) com recursos ilegais no valor de 15 milhões de reais como retribuição de uma "atuação favorável" aos interesses da J&F.

Já presidente, Temer teria pedido - juntamente com o deputado de seu partido, o PMDB, Rodrigo da Rocha Loures - 5% dos lucros obtidos para acabar com o monopólio da Petrobras no fornecimento de gás, uma medida que teria beneficiado a Empresa Produtora de Energia em Cuiabá, sob controle da J&F.

- Batista e Saud asseguram que a J&F pagou subornos de cerca de 50 milhões de dólares numa conta no exterior destinada a Lula, e cerca de 30 milhões de dólares noutra conta, também no exterior, em benefício de Dilma, com a intermediação do ex-ministro das Finanças, Guido Mantega, investigado na 'Lava Jato'.

Segundo os empresários, o saldo destas duas contas chegava a cerca de 150 milhões de dólares em 2014. O escritório dos advogados de Lula, Teixeira&Martins, rejeitou estas acusações e assegurou que ele é inocente, pois não foi encontrado "nenhum valor ilícito" quando os promotores da 'Lava Jato' quebraram o sigilo bancário e fiscal. Dilma também considerou estas acusações "improcedentes e inverossímeis" e reforçou em mensagem em sua página na internet que não tem contas no exterior e que "nunca" solicitou doações ou pagamentos ilegais para suas campanhas eleitorais, em 2010 e 2014.

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