Spencer Perceval, primeiro-ministro entre 1809 e 1812, foi o único primeiro-ministro britânico a ser assassinado na ilha de Sua Majestade. David Cameron, por outro lado, cometeu para muitos aquilo a que se pode chamar suicídio político quando prometeu referendar a permanência do Reino Unido na União Europeia (UE).

Primeiro-ministro de um país que estava dentro da UE, mas sempre a ver a rua pela janela, Cameron fez campanha pelo remain, isto é pela permanência no grupo dos 28. Todavia, 51,9% dos britânicos acharam que o melhor destino para o país era fora da comunidade. O fim abrupto de um mandato de seis anos chega a 24 de junho de 2016: no dia a seguir ao referendo, o primeiro-ministro, então com 49 anos, anunciou que se demitia.

Imediatamente, figuras do Partido Conservador (direita) se alinharam para lhe suceder. Numa série de votações internas, Theresa May, que apesar de eurocética se manteve ao lado de Cameron na decisão de defender a permanência na UE, saiu como a vencedora. Foi encarregada pela rainha de formar governo: May é a 13.ª pessoa a liderar um executivo no reinado de Isabel II.

Chegou ao número 10 de Downing Street, a residência oficial do primeiro-ministro britânico, para ser a cara que conduziria o Reino Unido ao divórcio da União Europeia. A desunião do reino, porém, motivou-a a antecipar as eleições em três anos, apesar de ter dito repetidamente que não o faria. A desunião ou o facto de o partido que lidera estar numa fase de grande popularidade - o que, diziam alguns seniores dos conservadores, fazia desta a melhor altura para umas eleições, para reforçar a frágil maioria de apenas 17 deputados no parlamento.

Discreta, exceto nos sapatos, Theresa May decide, então, marcar as eleições gerais para escolher os 650 deputados da câmara baixa do parlamento inglês - House of Commons - para o final da primavera: 8 de junho de 2017. Por trás da discrição, a ex-banqueira tem sido uma das mais importantes figuras dos conservadores. Quem é, então, Theresa Mary May?

Num programa da rádio pública britânica, em 2014, escolheu de Mozart a ABBA. De Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, a uma subscrição vitalícia da revista Vogue. A primeira-ministra britânica, líder do Partido Conservador - os Tories, como lhes chamam os britânicos - tem despertado a atenção: não só porque está na frente do leme que leva a ilha para fora da União, mas também pelo que veste - e sobretudo pelo que calça. Falarmos da roupa de uma candidata e não das suas políticas pode ser visto de muitas formas: distração, sexismo.

Nasceu a 1 de outubro de 1956, em Sussex. Filha de um padre da Igreja Anglicana, May cresceu em Oxfordshire, no sudeste de Inglaterra. Estudou num convento e em escolas públicas britânicas. Envolveu-se na vida da comunidade, participando em teatros produzidos pelo pai. Aos domingos, trabalhava numa padaria para ganhar algum dinheiro.

Os amigos lembram-na como uma mulher alta, preocupada com a moda e que desde cedo falava da ambição de ser primeira-ministra - conseguiu-o no ano passado, aos 59 anos, depois de uma vida dedicada à política, tornando-se na segunda mulher a ocupar o cargo, depois de Margaret Thatcher, que esteve à frente do país de 1979 a 1990.

Tal como Thatcher, que estudou Química em Oxford, Theresa May estudou Geografia na Universidade de Oxford, onde viria a conhecer o marido, Philip, então o presidente da associação de estudantes, numa discoteca da Associação Conservadora. Casaram em 1980. Philip May é um banqueiro. O casal não tem filhos e partilham o amor pelo cricket.

Depois dos estudos, foi trabalhar para a City de Londres, o coração financeiro da capital britânica. Começou no Banco de Inglaterra, onde esteve durante seis anos; liderando, depois, a unidade de relações europeias da Associação para Serviços de Liquidação de Pagamentos.

O futuro, porém, esteve sempre na política. Pelo menos era esse o horizonte. Começou por fechar envelopes na Associação Conservadora, organização que podemos comparar a uma juventude partidária. Em 1986, foi eleita conselheira na próspera freguesia de Merton, em Londres, cargo que ocupa até 1994. Após dois fracassos nas legislativas, foi eleita deputada ao parlamento nacional por Maidenhead, onde vive, a cerca de 45 quilómetros de Westminster, em maio de 1997.

Entre 2002 e 2003 foi a primeira mulher a tornar-se secretária-geral de um partido conservador. Crítica dos modelos vigentes entre os Tories, desencadeia protestos a um partido com uma nítida evolução à direita, o que origina diversas inimizades internas.

Foi desde cedo apoiante de uma modernização dos Tories e em 1999 juntou-se ao governo-sombra como secretária-sombra da Educação - o governo sombra é uma figura existente no sistema de Westminster. É o executivo paralelo que a oposição cria para acompanhar o desempenho do governo em funções, replicando os cargos do executivo, para criticar e propor medidas.

De 1999 a 2010 vai, então, ocupar diversos cargos no gabinete-sombra dos conservadores que nesse período estavam na oposição, enquanto o Labour (com Tony Blair primeiro e Gordon Brown depois), liderava o governo britânico. Nesse período toma conta das pastas do ambiente, família, cultura, direitos das mulheres e trabalho. Logo em 2005, está ao lado de David Cameron, que inicia a conquista do Partido Conservador.

Depois de maus resultados, porém, a ascensão de Theresa May foi interrompida. Foi atirada para cargos menos importantes, precisando, mais tarde, de recuperar terreno. Em 2009, porém, já tinha conquistado novamente cargos importantes no governo-sombra: secretária-sombra do trabalho e pensões.

Em 2010 os Tories de David Cameron chegam ao governo, coligados com o Lib Dem para conseguirem a maioria no Parlamento. Theresa May vai chefiar o ministério da Administração Interna, sendo a ministra que mais tempo passa naquele gabinete.

Uma das promessas eleitorais de David Cameron, que voltou ao executivo para um segundo mandato em 2015, era referendar a permanência do Reino Unido na União Europeia. A maioria dos britânicos escolheu sair da UE e Cameron abandonou o governo.

“Após o referendo da semana passada, o nosso país precisa de uma liderança forte e reconhecida para nos orientar neste período de incerteza económica e política e para negociar os melhores termos possíveis a saída da União Europeia”, escreveu Theresa May numa carta onde anunciava ser candidata a substituir Cameron no governo Tory.

Theresa May tornou-se, então, na segunda mulher na história do país a ser primeiro-ministro, depois de Margaret Thatcher, que esteve 11 anos no poder. May tomou posse como primeira-ministra a 13 de julho de 2016. O primeiro-ministro do Reino Unido é o líder do governo, sendo o responsável pela política e decisões do executivo. A primeira-ministra é ainda a principal figura do governo na câmara baixa do parlamento.

Dados do portal britânico YouGov mostram que, em outubro de 2016, a maioria das pessoas que gostavam de Theresa May eram politicamente de direita, ocupavam profissões na finança, casa e jardim e exército; ganhavam 1000 libras ou mais por mês. Eram sobretudo homens, das classes mais altas, com 55 anos ou mais.

May procura agora ganhar o voto dos ingleses e não apenas do partido. No programa elenca aquilo a que chama de cinco grandes desafios: a necessidade de uma economia forte, o Brexit e um mundo em mudança, as divisões sociais, o envelhecimento da população e tecnologia em constante evolução.

A imigração é uma das grandes bandeiras destas eleições. May quer reduzir a imigração anual das centenas de milhar para as dezenas de milhar. Os estudantes estrangeiros continuarão a contar para estes números. A proposta é que assim que terminem os estudos, os estudantes estrangeiros abandonem o país, a menos que cumpram novos requisitos que lhes permitam permanecer. O imposto cobrado às empresas pela contratação de estrangeiros será duplicado para cerca de 2.300 euros anuais, sendo o dinheiro investido na formação dos trabalhadores no Reino Unido.

A primeira-ministra e candidata quer resolver o buraco de 2,8 mil milhões de libras (3,2 mil milhões de euros) na assistência social. A polémica está no chamado “imposto demência”, uma proposta de May para que os pensionistas possam receber um empréstimo do Estado, que será pago após a morte, com o património.

Hoje, os pensionistas que estejam a ser acompanhados em unidades residenciais têm de pagar pelos cuidados caso o património fique acima das 23 mil libras (cerca de 27 mil euros). Como este cuidado tem custos elevados, e abandonando os beneficiários as suas residências principais, é usual serem obrigados a vender as suas casas para que consigam pagar as elevadas despesas.

Aqueles que podem permanecer em casa, têm apoio do Estado até um teto de 27 mil euros, mas neste caso a residência fica de fora dos cálculos. Até aos 17 mil euros de poupanças é o cuidado é grátis, variando as contribuições consoante o valor que essas pessoas tenham em poupanças.

A proposta de May, contudo, uniformiza o sistema: é indiferente se a pessoa fica a receber os cuidados em casa ou numa unidade para o efeito. A linha passa a ser a das 100 mil libras (115 mil euros), mas inclui, em ambos os casos, tanto os recursos monetários como o património imobiliário.

Porém, e é aqui que surge a polémica, os beneficiários não precisam de vender as suas casas. Podem optar por adiar o pagamento para depois da morte, indo o Estado recuperar as dívidas aos bens do falecido.

Na educação a ainda primeira-ministra quer aumentar o orçamento em 4 mil milhões de libras até 2022 (cerca de 4,6 mil milhões de euros). Porém, o Instituto para os Estudos Fiscais, uma organização independente sediada em Londres, diz que o anunciado aumento é apenas uma continuação dos planos delineados em 2015.

Para além disso, May vai retirar as restrições à abertura de novas selective schools, ou escolas seletivas, instituições de ensino secundário exclusivas para alunos com alto desempenho académico.

A primeira-ministra quer também construir pelo menos 100 novas escolas por ano, impedindo as escolas com más condições de abrir novas vagas, e substituir as refeições gratuitas para todos os alunos por pequenos-almoços grátis.

Theresa May responsabilizou a oposição pela decisão de convocar eleições legislativas antecipadas, acusando os partidos de fazerem "jogos políticos" e de prejudicarem o Reino Unido nas negociações do 'Brexit'. "Decidi convocar legislativas antecipadas para 8 de junho", disse Theresa May numa declaração surpresa em Downing Street três semanas após o lançamento do processo de saída da União Europeia.

Tem, contudo, conseguido esquivar-se ao debate, apesar das críticas dos adversários nestas eleições gerais. Após ter anunciado a antecipação das eleições, May avisa que não vai aparecer nos debates, já que, diz, prefere andar nas ruas a falar com os apoiantes.

De todo o lado, porém, chovem críticas. A oposição acusa-a de estar com medo de enfrentar os adversários e o Daily Mail, tablóide britânico ligado ao Partido Trabalhista, vestiu alguém com um enorme fato de galinha amarelo e um cartaz onde pergunta: “Porque é tão galinha [medricas], senhora May?”.

Com uma imprensa na maioria voltada para a direita, como lembra Al Jazeera, o canal catarense que traz uma visão oriental da vida ocidental, os debates são um dos raros momentos em que, por algumas horas, o eleitorado pode ouvir os candidatos discutir os seus programas, sem terem alguém a mediar o processo.

Processo esse que May diz estar a ser influenciado por responsáveis europeus. “Alguns, em Bruxelas, não querem o êxito das negociações, não querem que o Reino Unido tenha êxito”, disse May frente à residência oficial depois de ter comunicado formalmente à rainha Isabel II a dissolução do parlamento e o início oficial da campanha eleitoral.

“Políticos e funcionários europeus lançaram ameaças contra o Reino Unido. Todos estes atos foram programados de maneira deliberada para influenciar o resultado das eleições gerais de 8 de junho”, acrescentou.

Sobre o Brexit, Theresa May diz que a saída do Reino Unido da UE permite aos britânicos libertarem-se das “grilhetas” europeias e construir um futuro melhor para o país. May disse ainda que colocar Jeremy Corbyn à frente das negociações com a União Europeia seria “um desastre, já que, acusa a candidata conservadora, o líder trabalhista “não tem um plano”, nem “acredita no Reino Unido”.

Até agora as sondagens continuam a deixar os Tories de May na frente, todavia, a distância para os Trabalhistas tem vindo a diminuir desde o início da campanha eleitoral. Se na data em que as eleições foram marcadas os dois partidos estavam separados por 20 pontos percentuais, garantindo uma maioria absoluta, hoje essa distância é de menos de dez pontos, o que promete uma corrida renhida até ao final, no próximo dia 8.