Carta de Narges Mohammadi ao Comité Norueguês do Nobel

Caro presidente e membros do Comité Nobel,

Agradeço ao Comité Norueguês do Nobel o reconhecimento claro e profundo do poder e do impacto dos protestos populares nos levantamentos sociais revolucionários mais recentes no Irão.

Numa tentativa de denunciar o prémio, a comunicação social da República Islâmica do Irão transmitiu o anúncio oficial da atribuição na secção feminina da prisão de Evin. Assim que Berit Reiss-Andersen, presidente do comité, começou a pronunciar as palavras Zan, Zendegi, Azadi (mulher, vida, liberdade), ouvi como os gritos de alegria das minhas companheiras ecoavam o poderoso slogan. As suas vozes uniram-se num coro que nos fez chegar o poder dos protestos dos iranianos por todo o mundo.

As vagas poderosas deste slogan, que alcançaram estes dois lugares tão afastados no mesmo momento histórico e tão significativo, são um sinal do poder formidável do povo e do seu papel decisivo no clima político global da atualidade.

A decisão louvável do comité de iniciar o anúncio com a referência ao movimento revolucionário do Irão representou um momento de viragem e contribuiu para os movimentos de protesto social em todo o mundo se tornarem forças-chave de mudança nas sociedades dos nossos dias. Honrar um defensor dos direitos humanos com este prémio torna todos estes movimentos especialmente significativos.

Nós, no Médio Oriente, e sobretudo quem vive no Irão e no Afeganistão, não tomamos conhecimento da importância da liberdade, da democracia e dos direitos humanos a partir de teorias explicadas em livros, mas através da nossa experiência pessoal da opressão e da discriminação. Apercebemo-nos da importância destes conceitos, e tomámos posição contra os seus violadores e adversários, porque desde a infância enfrentamos na nossa vida quotidiana a opressão, a violência aberta ou subtil, o assédio e a discriminação de governos autoritários.

Quando tinha apenas nove anos, ouvi a minha mãe chorar e lamentar a execução do sobrinho, um estudante ainda muito jovem. Ouvi a minha avó chorar a tortura do filho. Na altura ainda não fazia ideia do que significavam a execução e a tortura, mas as minhas ilusões de criança foram implacavelmente desfeitas.

Ninguém ouviu as vozes das inúmeras mães que pediam justiça nos anos 80, um período em que as prisões foram locais de execução, tortura, violência e violações. Um dos seus principais perpetradores foi Ebrahim Raisi, o atual presidente da República Islâmica. O despotismo, ocultado sob a máscara da religião, impôs a repressão, a dominação, a pobreza e a miséria generalizadas no Irão.

Quando tinha dezanove anos, fui presa por usar um casaco cor de laranja. No centro de detenção onde fiquei com dezenas de outras mulheres, senti-me chocada e muitas vezes profundamente horrorizada por ver chicotes nas mãos de homens vestidos de negro que agrediam maldosamente quatro mulheres sem qualquer processo legal prévio.

Alguns anos mais tarde, em 2022, uma jovem chamada Mahsa (Jina) Amini, que usava ao mesmo tempo um casaco e um lenço, foi presa com o pretexto de que o seu hijab era inadequado e poucas horas depois perdeu a vida, ainda sob prisão. Centenas de manifestantes saíram à rua e ficaram cegos por terem sido atingidos por balas de borracha, algumas centenas foram mortos e seis foram executados. Seguiu-se uma vaga de prisões de mulheres e outros opositores do regime, posteriormente acompanhada de tortura, confinamento solitário, assédio e violência sexual. As universidades foram atacadas por forças de segurança violentas e as organizações de defesa dos direitos cívicos e de ativistas políticos começaram a ser suprimidas, além de que muitas vezes mesmo as famílias dos que procuravam justiça para os seus entes queridos foram metidas na prisão.

Hugo Gonçalves junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 11 de abril, uma quinta-feira, pelas 21h00. Consigo traz "Revolução", o seu último livro, editado pela Companhia das Letras.

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Posso assegurar que a razão por que a República Islâmica impõe o hijab obrigatório não é a preocupação com as regras religiosas, os costumes sociais e as tradições, ou, como asseguram as autoridades, salvaguardar a reputação das mulheres.

Em vez disso, esta obrigação procura de forma aberta oprimir e dominar as mulheres com o objetivo de subjugar a sociedade iraniana no seu conjunto. Com isto legalizou e sistematizou esta forma de tirania e a repressão das mulheres. As mulheres iranianas não estão na disposição de continuar a aceitar este estado de coisas.

A obrigação de usar o hijab é um instrumento de dominação que tem o objetivo de prolongar o despotismo religioso. Ao longo de quarenta e cinco anos, este governo tem institucionalizado a pobreza e as privações materiais no nosso país. O regime assenta em mentiras, enganos e intimidações e com a sua política de desestabilização e agressividade militar tem ameaçado seriamente a paz e a tranquilidade na região e no mundo.

No Irão de hoje, as mulheres e os jovens constituem a força radical progressista mais significativa no combate à tirania religiosa e no esforço por conseguir uma mudança relevante no sentido da paz no Irão, no Médio Oriente e no mundo.

O mundo sabe que este novo movimento revolucionário, em defesa «da mulher, da vida e da liberdade» é a continuação da resistência política atual no Irão, da luta para restabelecer uma vida social normal. A força do movimento está nas mulheres iranianas. Sabemos claramente o que queremos, melhor do que o que não queremos. Estamos empenhadas em alcançá-lo, acreditamos nos nossos objetivos e estamos certas de que acabaremos por vencer.

Nós, o povo do Irão, exigimos a democracia, a liberdade, o respeito pelos direitos humanos e a igualdade. A República Islâmica é a principal obstrução à vontade coletiva do povo. A nossa determinação é inabalável. Queremos exercer a solidariedade e o poder num processo não violento e imparável de transição de uma forma de governo religioso tirânico para um regime livre e restaurar a glória e a honra do Irão, para o tornar digno do seu povo.

Por fim, a partir da secção feminina da prisão de Evin, rodeada por prisioneiros de consciência de ambos os sexos, incluindo mulheres com penas longas por uma série de motivos políticos e intelectuais, membros do grupo religioso Baha’ís na prisão pelas suas convicções, ativistas de defesa do ambiente, figuras públicas do mundo intelectual, mulheres que se manifestaram no contexto do movimento Mahsa/Jina, jornalistas e estudantes, os meus mais sinceros agradecimentos e gratidão ao Comité Norueguês do Nobel, com o coração cheio de amor, esperança e paixão.

Queria igualmente expressar os meus agradecimentos à comunicação social global; aos jornalistas que levam as nossas vozes ao mundo; às feministas de todo o mundo que consideram os direitos das mulheres um teste expressivo da democracia, da paz e da qualidade de vida e se esforçam para que o mundo mude para melhor; às organizações de defesa dos direitos humanos, que são um santuário da humanidade; à Amnistia Internacional; às organizações e comunidades que representam os direitos cívicos; às redes e organizações de movimentos sociais; ao povo, a autoridade última; aos pensadores e políticos que consideram os direitos humanos e a paz uma necessidade política; aos artistas que mostram ao mundo um retrato realista do que está a acontecer no Irão, no Afeganistão e no Médio Oriente; aos escritores; ao PEN Club Internacional; aos premiados com o Nobel, incluindo Shirin Ebadi; a todos os meus companheiros das ONG iranianas; às minhas companheiras em muitos anos de prisão; aos muitos anónimos, homens e mulheres, que saíram às ruas para se manifestar e com isto se tornaram símbolos da resistência; às mães que procuram justiça; à minha família, em particular à Kiana e ao Ali; e por fim a todos os que me felicitaram por este prémio. A todos, a minha gratidão. Peço-vos que continuem a apoiar o povo do Irão até à sua vitória final.

A nossa vitória não será fácil, mas é certa.

Narges Mohammadi

Prisão de Evin
Outubro de 2023

Prefácio

Escrevo este prefácio nas últimas horas da minha autorização para voltar a casa. Muito em breve terei de regressar à prisão. No dia dezasseis de novembro de 2021, fui presa pela décima segunda vez e condenada ao confinamento solitário pela quarta vez na minha vida. Passei sessenta e quatro dias na ala 209 da prisão de Evin, da responsabilidade do Ministério do Interior da República Islâmica do Irão. Desta vez o motivo da minha condenação foi o livro que o leitor tem neste momento entre mãos – Tortura Branca. Acusaram-me de desonrar o nome do Irão em todo o mundo e mostraram-se determinados a provar que a minha campanha para pôr fim ao confinamento solitário falhara. Mais uma vez, submeter-me-iam a esta tortura e demonstrariam aos ativistas de todo o mundo que o governo tem o poder supremo. Fui ilegalmente condenada a oito anos e dois meses de prisão, e a setenta e quatro chicotadas pelo tribunal de primeira instância, uma sentença mais tarde reduzida para seis anos de prisão, embora com o mesmo número de chicotadas.

Por esta razão, estou de momento a cumprir duas sentenças, uma anterior, de trinta meses de prisão e oitenta chicotadas, além desta, mais recente. Em conjunto com uma sentença anterior, tenho pela frente mais de trinta anos na prisão.

No entanto, nada me impedirá de continuar a minha luta contra o confinamento solitário. Depois de me libertarem temporariamente em resultado de vários problemas de saúde, na sequência de um ataque de coração na prisão de Qarchak e de uma cirurgia cardíaca, declaro mais uma vez que se trata de uma punição cruel e desumana. Não tenciono parar até que seja abolida.

Vão voltar a pôr-me atrás das grades, mas ainda assim não vou deixar de lutar para que os direitos humanos e a justiça prevaleçam no meu país.

Narges Mohammadi

Março de 2022

Preâmbulo

Tortura Branca é uma coleção de doze entrevistas que a ativista Narges Mohammadi realizou a outras mulheres, embora a sua própria situação fosse de grande sofrimento. Desde as eleições presidenciais de 2009, Narges tem sido repetidamente presa devido às suas atividades como vice-presidente e porta-voz do Centro de Defesa dos Direitos Humanos, uma organização que luta pela abolição da pena de morte.

Atualmente, Narges Mohammadi está na prisão de Zanjan, a cumprir uma detenção ilegal mesmo de acordo com as leis da República Islâmica. A razão deste encarceramento está na sua solidariedade com as outras prisioneiras pelas condições em que se encontram. Muitos manifestantes foram mortos em todo o país aquando das manifestações de novembro de 2019. Ao assinalar o quadragésimo dia depois das suas mortes e num ato de solidariedade com as suas famílias, Narges tencionava organizar uma greve com as suas companheiras de prisão. Informou corajosamente as autoridades e o público de que este protesto ocorreria na ala das mulheres da prisão de Evin em Teerão. Ao terceiro dia, com o pretexto de que o seu advogado pedira um encontro com ela, o diretor da prisão chamou-a ao seu gabinete. Gholmarza Ziaei, o diretor da prisão, insultou Narges e ameaçou-a de morte. Esta, por seu turno, limitou-se a voltar costas sem uma palavra e a regressar à sua cela. Ziaei atirou-a brutalmente contra uma parede e espancou-a, deixando-lhe múltiplos hematomas por todo o corpo. Além disso entalou as suas mãos numa porta de vidro até sangrarem. Apesar de maltratada, as autoridades transferiram-na imediatamente para a prisão de Zanjan, de onde apresentou uma queixa contra o diretor da prisão que foi deliberadamente ignorada. Curiosamente, Ziaei retaliou apresentando ele próprio uma queixa contra Narges Mohammadi por «difamação do diretor da prisão».

Contrariando a lei que regula os procedimentos criminais e devido a esta queixa, um investigador deslocou-se à prisão para falar com Narges. Esta perguntou-lhe por que razão não a faziam comparecer no tribunal de Zanjan para responder às perguntas, como todas as outras pessoas, incluindo os presos regulares. «A senhora não está autorizada a sair da prisão seja em que circunstâncias for», respondeu-lhe o investigador. «Foi por essa razão que viemos nós aqui.»

Livro: "Tortura Branca"

Autor: Narges Mohammadi

Editora: Casa das Letras

Data de Lançamento: 9 de abril de 2024

Preço: € 16,90

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«Nesse caso também não vou responder às suas perguntas aqui», respondeu Narges, numa objeção às suas ações ilegais. Há outras duas acusações contra Narges a ser investigadas para lá das condenações anteriores. O responsável pela segurança encarregado do seu caso disse-lhe várias vezes que seria imediatamente libertada se abandonasse o ativismo político e a ligação ao Centro de Defesa dos Direitos Humanos. Narges rejeitou a oferta. Um responsável do Ministério do Interior assegurou-lhe que nesse caso não sairia da prisão viva.

Em Zanjan, Narges não foi sempre mantida ao abrigo das agressões dos restantes presos. Há algum tempo, várias presas aproximaram-se dela instigadas pelos guardas, que lhes prometeram que seriam libertadas antes do fim da pena se lhe aplicassem um corretivo. Uma vez, Narges teve de se esconder numa casa de banho durante toda a noite depois de uma das outras presas ter ameaçado matá-la. Felizmente, o plano do governo falhou e Narges, devido ao seu bom caráter e à sua ajuda legal às mulheres sem-abrigo da prisão, acabou por se tornar amiga de outras presas e ultrapassou esta crise.

Neste momento, a covid-19 espalhou-se por todo o mundo, incluindo o Irão, e sobretudo pelas suas prisões. A uma das companheiras de cela de Narges foi diagnosticada a doença e mandaram-na para casa. Alguns dias mais tarde, outras prisioneiras da mesma cela, incluindo Narges, começaram a mostrar sintomas, mas os responsáveis da prisão negaram-lhes o direito de ser testadas. Quando o seu estado de saúde se agravou e as famílias começaram a pressionar as autoridades prisionais, acabaram por fazer o teste. Ainda assim, as autoridades da prisão recusaram informar Narges do resultado.

Apenas quatro companheiras de cela, que não mostravam sintomas, foram libertadas. Narges e mais outras onze ficaram isoladas em quarentena. Embora Narges seja uma paciente de risco acima do normal, uma vez que sofreu uma embolia pulmonar e tem problemas de atrofia muscular, os responsáveis da prisão não lhe permitem que consulte o seu próprio especialista. Garantem-lhe que o centro de saúde da prisão é suficiente. No entanto, todos sabem que os recursos do sistema prisional do Irão são limitados, em particular em Zanjan.

Narges informou tanto as autoridades como o público acerca destas condições injustas. Chegou a pedir ao ministro da Saúde que visitasse a prisão para perceber a que ponto são inadequadas as condições para tratar dos presos. Em vez de corresponder ao seu pedido, o chefe de pessoal do sistema judicial chamou-lhe mentirosa e assegurou que as informações que dera não haviam sido confirmadas pelo diretor da prisão de Zanjan.

Nenhum muro de prisão conseguiu até hoje impedir que a voz de Narges Mohammadi chegasse às pessoas. Quando Narges descobriu que na prisão de Evin as mulheres, ao contrário dos homens, não tinham o direito de telefonar aos familiares, incluindo aos filhos, iniciou uma campanha especial para «apoiar as mães na prisão». Esta campanha atraiu as atenções dos iranianos em todo o mundo e forçou o governo a recuar, e hoje as mulheres também podem fazer telefonemas. Isto permitiu que Narges falasse com os dois filhos (embora apenas vinte e quatro minutos por semana), que vivem no exílio em Paris com o pai. Mais tarde, quando o governo se apercebeu da tenacidade de Narges no combate à injustiça e no apoio a outras vítimas como ela própria, este direito foi-lhe retirado. Atualmente já passou um ano desde que falou com os filhos pela última vez. Como escreveu numa carta, «Não sei se os meus filhos ainda me vão reconhecer quando sair da prisão nos próximos anos. Será que vão reconhecer a minha voz? E ainda me chamarão mãe?»

Narges já cumpriu mais de sete dos dez anos de prisão a que foi condenada, o que significa que tecnicamente poderia sair em liberdade condicional, mas a verdade é que não lhe são reconhecidos os direitos de um preso normal, que pode por exemplo comprar carne, hortaliças e fruta na loja da prisão, o que a ela não é permitido. Isto significa que desde que está na prisão de Zanjan apenas tem direito aos alimentos diários das prisioneiras: batatas, ovos e pão.

Como vemos, apesar de todas estas limitações, Narges continua a debater-se com grande caráter, e é por isso que o regime quer esmagá-la.

Tortura Branca é mais um rugido da leoa. O assunto central das entrevistas incluídas no livro é o recurso ao confinamento solitário nas prisões iranianas, um exemplo claro de tortura. Narges Mohammadi foi sempre a grande representante da oposição ao confinamento solitário, isto ainda antes de ter sido ela própria condenada à prisão. Desde que está presa, a sua resistência a esta prática tem continuado.

Para expressar a sua oposição, tem realizado um grande número de entrevistas a muitas das mulheres que estão presas com ela, em particular às prisioneiras de consciência.

Quando as pessoas recordarem estas experiências daqui a alguns anos, parte delas estarão inevitavelmente esquecidas ou terão sido amalgamadas a outras recordações. É por isso que estes registos imediatos são tão importantes.

Estas afirmações foram feitas ali, entre os quatro muros da prisão, por pessoas que se encontravam presas nesse momento, e são por isso um testemunho dos esforços para garantir um tratamento justo aos presos de consciência no Irão.

Tudo isto foi conseguido por Narges Mohammadi, que, apesar de todas as dificuldades, percebe a necessidade de testemunhar e não abandona os seus objetivos.

É duro ver uma pessoa presa em consequência da sua atividade de defesa dos direitos humanos, e observar como é privada de todos os seus direitos legais, direitos que mesmo a República Islâmica concede aos presos de direito comum, simplesmente por manterem o silêncio perante a injustiça. A nossa história não permitirá que Narges Mohammadi e todas estas outras mulheres sejam silenciadas.

Shirin Ebadi

Julho de 2020

Uma nota acerca de Narges Mohammadi

Narges Mohammadi é uma das representantes mais dedicadas da luta pelos direitos humanos e cívicos no Irão, uma importante defensora da abolição da pena de morte, uma advogada eminente dos direitos das mulheres, vice-presidente do Conselho Nacional da Paz e vice-presidente e porta-voz do Centro de Defesa dos Direitos Humanos.

Narges tem sido além disso uma das prisioneiras de consciência mais corajosas da República Islâmica do Irão. A sua resistência persistente e não violenta ao que chama tirania e a maneira como desafia leis e medidas opressivas há mais de vinte e oito anos, na prisão e fora dela, tem-lhe conquistado o enorme respeito de que é objeto nacional e internacionalmente. Narges foi presa várias vezes, e as suas penas foram sempre de muitos anos de encarceramento. A última vez, a sua pena foi de dezasseis anos, dez dos quais teve de passar efetivamente na prisão.

A ativista sofre de problemas pulmonares e neurológicos, o que significa que está sujeita a um risco elevado de complicações caso seja contagiada com covid-19. Em julho de 2020, um grupo de especialistas de direitos humanos das Nações Unidas pediu a sua libertação com base em relatórios, segundo os quais mostrava sintomas da doença. «Para pessoas com problemas adicionais de saúde, como é o caso de Narges Mohammadi, isto pode ter consequências mortais», escreveram estes peritos. «As autoridades iranianas devem agir de imediato, antes que seja tarde demais.» (1) A indignação pública com a sua situação acabou por levar as autoridades a comutar a sua sentença devido às preocupações com a sua saúde, tornadas mais graves com o contágio de covid-19 nas prisões sobrelotadas do Irão. Foi finalmente libertada no dia sete de outubro de 2020, depois de oito anos e meio atrás das grades.

Juntamente com os especialistas de direitos humanos das Nações Unidas, várias organizações de defesa dos direitos humanos, iranianas e internacionais, haviam condenado a prisão injustificada e ilegítima de Narges Mohammadi e exigido a sua libertação imediata, entre elas a Amnistia Internacional, a Human Rights Watch, o Observatório de Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos, o PEN (2) Internacional e o Centro Iraniano de Defesa dos Direitos Humanos. O que se segue é um resumo da vida de Narges.

Narges Mohammadi nasceu em vinte e um de abril de 1972 na cidade de Zanjan numa família de classe média. Estudou Física na Universidade Internacional Imam Khomeini em Qazvin. Durante o tempo que passou na universidade, Narges participou em atividades de defesa dos direitos humanos e da justiça social. Esteve ligada à formação de uma organização estudantil chamada Tashakkol Daaneshjuyi Roshangaraan (Associação de Estudantes Iluminados) e escreveu artigos em apoio dos direitos dos estudantes e acerca dos direitos das mulheres no jornal da organização. Foi presa duas vezes durante os tempos de faculdade, um prelúdio aos períodos mais prolongados de encarceramento que viveria mais tarde.

Depois de concluir o curso, Narges trabalhou como engenheira para a Corporação de Inspeção de Engenharia do Irão. Paralelamente à sua atividade profissional, continuou a escrever em publicações reformistas de vários tipos, entre elas jornais, sublinhando as preocupações relacionadas com a igualdade de direitos entre os sexos e a democracia no Irão. Publicou igualmente um livro de ensaios políticos intitulado As Reformas, a Estratégia e as Táticas. Desde o início dos anos 90, Narges tem sido uma defensora persistente e ativa dos direitos humanos, do estado de direito e da democracia no Irão. Tem sido membro e dirigente do movimento feminista e também uma voz firme de acusação de todas as formas de discriminação com base no sexo, na orientação sexual, na origem étnica, na religião e nas diferenças de classe.

Cronologia das passagens pela prisão, da separação da família e das ações de resistência

Em 1998, Narges Mohammadi foi presa em consequência das suas críticas ao governo do Irão e passou um ano na prisão. Em 1999, casou-se com Taghi Rahmani, um jornalista ligado ao movimento reformista, que era além disso ele próprio um ativista empenhado, na linha dos Novos Pensadores Religiosos. No entanto, pouco depois do casamento, Taghi foi várias vezes preso e acabou por passar catorze anos na prisão. Em 2007, Narges e Taghi tiveram dois gémeos, Ali e Kiana. Em 2012, durante um breve período passado fora da prisão, Taghi soube que havia quatro novas acusações contra ele – o que significava que enfrentava uma prisão iminente e uma condenação a uma pena prolongada. Optou por fugir do Irão e refugiar-se em França, uma decisão que não foi fácil. Narges, no entanto, continuou no país, a cuidar dos filhos e a desenvolver o seu trabalho de defesa dos direitos humanos. A decisão foi igualmente difícil para Narges:

«Entre 2008 e 2012 fui fortemente pressionada pelas forças de segurança para sair do Irão. Ligavam diretamente para o meu telemóvel e chegaram ao ponto de me explicar de que maneira podia sair do Irão a pé através das montanhas do Curdistão, no Irão ocidental. Pressenti que se tratava de uma armadilha para se livrarem de mim. Como é natural, recusei, com a justificação de que os meus filhos eram demasiado pequenos para fazerem um percurso desses a pé. Depois de Taghi ter fugido para a Europa, ligaram- me e disseram-me que já não tinha desculpas para permanecer no Irão e perguntaram-me porque não fugia e ia ter com o meu marido? Nos últimos anos, contudo, deixaram de me sugerir que saísse do país.» (3)

É evidente que os agentes de segurança envolvidos no caso consideravam Narges um desafio sério e preferiam ver-se livres dela forçando-a ao exílio ou mesmo assassinando-a durante uma fuga encenada. Narges, todavia, insistiu em ficar apesar de todas as intimidações. Alguns anos mais tarde, Narges e Taghi concluíram que seria melhor para os filhos deixarem o Irão e irem viver com o pai no exílio, isto depois de Narges ter voltado a ser presa e continuar a ser regularmente levada pelas autoridades.

Manter uma carreira de engenheira paralela à escrita e à atividade contra as violações dos direitos humanos revelou-se impraticável no sistema repressivo da República Islâmica. Em 2009, Narges foi despedida. Em abril de 2010, foi forçada a comparecer perante o Tribunal Revolucionário do Irão por ser membro do Centro de Defesa dos Direitos Humanos. Foi libertada com fiança (o equivalente a cerca de quarenta e seis mil euros) durante um breve período, mas dias mais tarde voltou a ser detida e enviada para a prisão de Evin. Enquanto esteve detida, a sua saúde degradou-se seria- mente e Narges desenvolveu uma doença do tipo da epilepsia que a faz perder periodicamente o domínio dos músculos. Ao fim de um mês, foi libertada e autorizada a tratar-se num hospital.

Em julho de 2011, Narges foi mais uma vez acusada e condenada por «agir contra a segurança nacional, pertencer ao Centro de Defesa dos Direitos Humanos e fazer propaganda contra o regime (nezam)». Em setembro de 2011 foi condenada a onze anos de prisão. Como afirmou, soube do veredito apenas através dos seus advogados, que lhe mostraram um «documento sem precedentes, de vinte e três páginas, em que o tribunal compara repetidamente as atividades em defesa dos direitos humanos com tentativas de derrubar o regime». Em março de 2012, a condenação foi confirmada por um tribunal de segunda instância, embora a sentença tenha sido reduzida para seis anos. A vinte e seis de abril de 2012, Narges foi detida para iniciar o cumprimento da sentença (4).

Muitas organizações e particulares protestaram contra a sentença, incluindo o Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico, que a considerou «mais um triste exemplo de tentativa das autoridades iranianas de silenciar uma corajosa defensora dos direitos humanos». A Amnistia Internacional classificou-a como prisioneira de consciência e exigiu a sua libertação imediata. Os Repórteres sem Fronteiras emitiram um apelo em seu nome no nono aniversário da morte de Zahra Kazemi na prisão de Evin, em que afirmam que Narges Mohammadi é uma prisioneira que, tal como Zahra Kazemi, se «encontra particularmente em perigo». Em julho de 2012, um grupo de legisladores internacionais pediu a sua libertação, incluindo o senador americano Mark Kirk, o antigo procurador-geral do Canadá Irwin Cotler, o membro do parlamento britânico Denis MacShane, o membro do parlamento australiano Michael Danby, a deputada italiana Fiamma Nirenstein e o deputado lituano Emanuelis Zingeris.

Graças a esta campanha intensa, Narges Mohammadi foi libertada da prisão a trinta e um de julho de 2012.

As prisões repetidas não desencorajaram Narges de se pronunciar contra a injustiça. A trinta e um de outubro de 2014, fez um discurso comovente junto do túmulo de Sattar Beheshti, um blogger espancado até à morte enquanto estava detido pela polícia. No seu discurso, Narges afirmou:

«Como podem os membros do parlamento sugerir a criação de um Plano para a Promoção da Virtude e a Prevenção do Vício, sem que qualquer um deles se tenha pronunciado há dois anos, quando um ser humano inocente chamado Sattar Beheshti morreu em consequência de torturas às mãos dos seus interrogadores?»

Apesar de o blogger ter sido vítima de um ato de violência extrema, que desencadeou protestos internacionais em 2012, o caso de Sattar Beheshti continua por resolver. As prisões injustas e a tortura de ativistas dos direitos humanos continuam até aos dias de hoje na prisão de Evin.

O vídeo com o discurso de Narges Mohammadi a trinta e um de outubro tornou-se viral nas redes sociais, o que a forçou a comparecer de novo perante o tribunal da prisão de Evin. «Na convocatória que recebi a cinco de novembro de 2014, é dito que devo apresentar-me para ouvir a acusação, embora não haja qualquer outra explicação acerca do assunto», afirmou Narges (5).

A cinco de maio de 2015, Narges Mohammadi foi novamente presa e objeto de novas acusações. A divisão quinze do Tribunal Revolucionário condenou-a a dez anos de prisão por «fundação de grupo ilegal», isto é, do LEGAM (das iniciais de Campanha para a Abolição Progressiva da Pena de Morte), a cinco anos por «reunião e conspiração contra a segurança nacional», a um ano por «propaganda contra o sistema» pela sua intervenção na comunicação social e pelo seu encontro com a alta representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Catherine Ashton, quando esta visitou Teerão em março de 2014.

Durante o tempo que passou na prisão, Narges não pôde comunicar regularmente com Kiana e Ali, os filhos, que atualmente vivem em Paris.

Em janeiro de 2019, para protestar por lhe ser recusado acesso a cuidados médicos, Narges Mohammadi terá iniciado uma greve de fome, juntamente com a cidadã iraniana-britânica Nazanin Zaghari-Ratcliffe, na prisão de Evin, em Teerão.

Em dezembro de 2019, Narges e outras sete ativistas dos direitos das mulheres organizaram um protesto em solidariedade com as famílias enlutadas dos manifestantes mortos em novembro de 2019. Antes disso, emitira uma comunicação em que condenava as autoridades por estes assassinatos, pela nova vaga de prisões e pelos maus-tratos a prisioneiros durante a repressão de novembro, em que a Internet foi igualmente bloqueada pelas autoridades do estado. Mais tarde, foi oficialmente admitido que pelo menos trezentas e quatro pessoas haviam sido mortas em três dias, que centenas ha- viam sido feridas e sete mil presas. No entanto, de acordo com fontes independentes como a Reuters, o número de mortos foi de cerca de mil e quinhentas pessoas. O principal responsável pela repressão das manifestações foi a Guarda Revolucionária Islâmica (6).

No dia vinte e quatro de dezembro de 2019, com a finalidade de punir Narges Mohammadi pelo seu ativismo na prisão de Evin em apoio dos manifestantes de novembro, as autoridades retiraram-na à força do local e transferiram-na para uma prisão na cidade de província de Zanjan. Aí Narges foi deliberadamente alojada com presos condenados por motivos não políticos, incluindo traficantes de droga, contrabandistas e outros delinquentes, em alguns casos violentos.

No início de janeiro de 2020, a mãe de Narges Mohammadi, Ozra Bazargan, foi autorizada a visitá-la na prisão de Zanjan e publicou um apelo gravado à comunicação social internacional e às organizações de direitos humanos. Narges publicou igualmente de forma clandestina uma carta aberta, que é uma ilustração clara da crueldade das autoridades prisionais, mas também da sua própria coragem e resistência:

«Ao fim de quatro meses e meio sem poder falar com os meus filhos por telefone, continuo em choque com a brutalidade e a violência dos guardas dos serviços judiciários e de segurança. Depois de anunciar o nosso protesto [refere-se à ação do final de dezembro de 2019 na prisão de Evin], testemunhámos a presença de um grande número de membros de forças de segurança e de agentes de serviços de informações a par das autoridades prisionais. O diretor da prisão ameaçou-nos com a punição do nosso protesto e de facto as nossas visitas e telefonemas foram cancelados.

No dia vinte e quatro de dezembro recebi uma carta a informar-me de que o meu advogado se deslocara à prisão para se encontrar comigo. Na realidade tratou-se de uma mentira; não se encontrava ali qualquer advogado. Levaram-me ao gabinete do diretor da prisão, onde este me gritou obscenidades na presença de vários agentes do Serviço de Informações. Saí do gabinete mas ouvi-os correr atrás de mim. O diretor agarrou-me pelos braços com violência e fui arrastada pelo corredor. Resisti e bateram-me com uma das mãos contra a porta. Um vidro partiu-se e cortou-me. Com as mãos magoadas e a sangrar, meteram-me numa ambulância que se pôs em movimento, embora tenha acabado por se deter em frente da ala 209. O diretor da prisão disse que não me deixava regressar à minha cela e que ia mandar-me para a prisão de Zanjan. Comecei a cantar uma canção sobre o Irão e eles atacaram-me, bateram-me e meteram-me num carro para me levar dali. As minhas mãos continuavam a sangrar porque os medicamentos que tomo com outras finalidades impedem a coagulação, o que não impediu os agentes dos serviços de informações de me aplicarem as algemas com brutalidade. O sangue continuou a correr até chegarmos a Zanjan. O dia vinte e quatro de dezembro [de 2019] foi aquele em que as autoridades prisionais e os serviços de segurança se revelaram mais brutais e me privaram de todos os meus recursos. O que me mantém de pé na prisão, apesar do meu corpo magoado e das minhas feridas, é o meu amor pelo povo honrado mas atormentado do meu país, e também os meus ideais de justiça e liberdade. Para honrar o sangue das pessoas inocentes atrozmente derramado, pretendo dizer a verdade, desafiar a tirania e defender os oprimidos até ao meu último alento.»

Mesmo depois de ter sido libertada da prisão, em outubro de 2020, Narges continua separada da família. O marido e os filhos têm estatuto de refugiados e por isso não podem deslocar-se ao Irão sem correr o risco de ser presos e o governo tem-se recusado a conceder um visto de saída a Narges. Além disso, poucas semanas depois de ter sido libertada, Narges perdeu a mãe, que morreu de covid-19, e ficou a cuidar do pai doente. No entanto, isso não impediu a vigilância, as ameaças e o assédio dos agentes de segurança.

Nenhuma destas dificuldades impediu Narges de continuar o seu combate, nem diminuiu a sua resiliência. No dia vinte e sete de fevereiro de 2021, Narges divulgou um vídeo nas redes sociais em que informa as pessoas de que, em dezembro de 2020, foi chamada duas vezes a comparecer em tribunal, para responder por acusações apresentadas enquanto ainda se encontrava na prisão. Anunciou que se recusava a comparecer e que não aceitaria qualquer sentença pronunciada contra ela. No mesmo vídeo, descrevia ainda os abusos sexuais e os maus-tratos a que ela e outras mulheres eram sujeitas nas prisões, revelando também que as autoridades ainda não tinham respondido à queixa que apresentara a esse propósito até ao dia vinte e quatro de dezembro.

Com esta atitude de desafio, Narges explicou ao público a sua posição enquanto queixosa, e não enquanto acusada. Revelou, então, que o novo caso estava relacionado com o protesto em que participara com outras presas políticas contra as mortes e as prisões de manifestantes de que haviam sido responsáveis as forças de segurança em novembro de 2019, sublinhando que «esses protestos em Evin não haviam envolvido violência nem comportamentos ilegais ou de outra forma condenáveis».

Em março de 2021, Narges escreveu um prefácio ao Relatório Anual de Direitos Humanos do Irão sobre a Pena de Morte no Irão. Afirmou o seguinte:

«A execução de pessoas como Navid Afkari e Ruhollah Zam no ano passado foram as execuções mais ambíguas já aplicadas no Irão. A pena de morte pronunciada contra Ahmadreza Djalali é uma das mais erróneas de sempre e as razões por que foi aplicada têm de ser examinadas com cuidado. Estas pessoas foram condenadas à morte depois de terem sido mantidas em confinamento solitário e sujeitas a torturas psicológicas e mentais horríveis. É por esta razão que não considero o processo judicial justo. Manter presos em confinamento solitário é apenas um meio de os levar a fazer confissões falsas ou erróneas que depois são usadas para pronunciar sentenças com esta brutalidade. É por isso que me preocupam tanto as recentes prisões em Sistan, no Baluquistão e no Curdistão, e espero que as organizações que se opõem à pena de morte estejam especialmente atentas aos que foram detidos porque receio uma nova vaga de execuções no ano que vem.»

Em março de 2021, Narges iniciou uma nova campanha de apoio a presos políticos, centrada no impacto horrendo do confinamento solitário, ou «tortura branca», sobre o bem-estar físico e mental dos prisioneiros (7). Como foi afirmado no site do Centro Iraniano de Defesa dos Direitos Humanos no dia vinte e um de abril de 2021, até esse momento, dezassete prisioneiros de consciência nas prisões de Evin e Rajai Shahr tinham assinado uma petição em protesto contra a prática desumana e ilegal do confinamento solitário. Esses presos assinalaram a duração desses períodos de confinamento, ao mesmo tempo que registavam as queixas e as exigências de responsabilização dos que os haviam condenado a essa tortura.

O relatório refere além disso vinte e três antigos prisioneiros políticos que viveram o horror deste tipo de confinamento e decidiram apresentar as suas queixas no Ministério da Justiça em Teerão. Até hoje foram entregues quarenta queixas oficiais em consequência desta nova campanha dirigida por Narges Mohammadi, a «Unidade contra o Confinamento Solitário» (8).

O significado do papel de Narges Mohammadi na sociedade civil iraniana e na campanha em defesa dos direitos civis no país

Narges Mohammadi é uma lutadora experiente, persistente e preocupada com a unidade na luta pelos direitos civis. As suas competências têm sido adquiridas graças ao seu envolvimento numa série de organizações diferentes.

Nos últimos vinte e oito anos, Narges fundou ou foi um membro ativo de onze organizações não-governamentais que lutam pela formalização dos direitos civis e humanos, incluindo a Associação de Estudantes Roushangaran (Associação de Estudantes Iluminados), na Universidade Internacional de Qazvin; a Associação para o Esclarecimento da Juventude, na cidade de Qazvin; a Associação das Mulheres de Teerão; a Corporação de Jornalistas de Teerão; a Associação dos Direitos dos Presos; o Centro de Defesa dos Direitos Hu- manos; o Conselho Nacional da Paz; a Comissão de Defesa de Eleições Livres, Justas e Seguras; o Fim à Execução de Crianças; o LEGAM (a Campanha para a Abolição Progressiva da Pena de Morte); e o Centro para a Cidadania das Mulheres. Além disso, o nome de Narges Mohammadi (juntamente com o de outras defensoras proeminentes dos direitos das mulheres, como Shirin Ebadi, Simin Behbahani e Shahla Lahidji) foi um dos primeiros da Campanha de Um Milhão de Assinaturas para a Mudança das Leis Discriminatórias, também conhecida como Campanha da Mudança para a Igualdade (9).

Além do apoio nacional entre iranianos progressistas dentro e fora do país, Narges Mohammadi tem recebido importantes prémios internacionais, incluindo o Prémio Andrei Sakharov de 2018 da Sociedade Americana de Física, o Prémio dos Direitos Humanos de 2016 da cidade alemã de Weimar e o Prémio Per Anger de 2011, o prémio internacional do governo sueco para os defensores dos direitos humanos. Em 2010, quando Shirin Ebadi, outra iraniana premiada com o Nobel da Paz, recebeu o Prémio Felix Ermacora dos Direitos Humanos, dedicou-o a Narges Mohammadi, com a afirmação «Esta mulher corajosa merecia mais este prémio que eu».

Narges é ao mesmo tempo respeitada e merecedora da confiança da sociedade civil e entre os movimentos críticos do regime da República Islâmica, por ser uma pessoa que une, em vez de dividir. Tem contribuído para a convergência dos grupos progressistas, e não para a sua divisão ou polarização. Consegue além disso evitar o sectarismo e dedica a sua energia e os seus esforços à construção de coligações que abranjam um largo espetro de orientações políticas e apoiem a diversidade e o pluralismo. Trata-se de caraterísticas preciosas raramente encontradas entre os políticos associados à cultura dominante no Irão.

À sua maneira, Narges faz parte da contracultura cada vez mais poderosa do Irão, que se opõe à tendência violenta e ascética pregada pelos extremistas e fanáticos islamistas: uma cultura que defende a vida e a procura de felicidade, liberdade e igualdade. Ao contrário dos extremistas religiosos entre os governantes atuais, que sacralizam o ascetismo ou fingem publicamente abraçá-lo e ser «homens de Deus» piedosos e severos, mas se comportam de forma imoral em privado, Narges está entre os que acreditam que devíamos promover honesta e abertamente a beleza, a felicidade, a não-violência e a alegria.

Nayereh Tohidi

Abril de 2021

(1) Maryam Berger, oito de outubro de 2020: Defensora iraniana dos direitos humanos libertada da prisão por receio de que contraia covid-19.

(2) SIGLA PEN: Poetas, Ensaístas e Novelistas.

(3) Em conversa online com Narges Mohammadi em vinte e seis de abril de 2021.

(4) Saeed Kamali Dehghan, «Iranian Human Rights Activist Narges Mohammadi arrested». Guardian, vinte e seis de abril de 2012 (acedido em vinte e cinco de janeiro de 2024).

(5) «Irão: Assédio judicial da ativista dos direitos humanos Narges Mohammadi», Gulf Centre for Human Rights, catorze de novembro de 2014 (acedido em vinte e cinco de janeiro de 2024).

(6) Nayereh Tohidi, «Feminista iraniana Narges Mohammadi em perigo», revista Ms., oito de janeiro de 2020 (acedido a vinte e cinco de janeiro de 2024).

(7) Reconstruí a sucessão cronológica destes acontecimentos com ajuda da entrada da Wikipédia acerca de Narges Mohammadi. Corroborei tanto os factos como as datas a partir de outras fontes, incluindo a própria Narges Mohammadi.

(8) «17 Political Prisoners Join ‹Campaign of Unity Against Solitary Confinement›», Iran Human Rights, vinte e dois de abril de 2021 (acedido em vinte e cinco de janeiro de 2024).

(9) Nayereh Tohidi, «Iran’s Women’s Rights Movement and the One Million Signatures Campaign»