Fato escuro e gravata azul às riscas, foi um Donald Trump menos explosivo e improvisado que ontem se apresentou ao Congresso. O presidente americano manteve-se, de modo geral, alinhado com o texto divulgado antecipadamente à imprensa pela Casa Branca (aqui a versão completa do discurso). E se surpresa houve, não foi no conteúdo, mas no tom. Um Donald Trump mais sereno substituiu o Donald Trump colérico e apocalíptico, concordaram analistas de vários quadrantes nos Estados Unidos. A palavra esperança surgiu pela primeira vez associada ao discurso do presidente e, segundo uma sondagem realizada pela CNN após a intervenção no Congresso, os americanos gostaram disso: 57% das pessoas que assistiram ao discurso afirmaram ter uma reação muito positiva ao que ouviram e sete em cada 10 concordaram que o discurso de Trump as fez sentir mais otimistas em relação ao rumo do país.
Contrariando a tradição, os democratas reservaram uma receção fria ao presidente na sua entrada no Congresso. A maioria ficou de pé, sem o aplaudir, enquanto a outra metade dos congressistas, os republicanos, aplaudiram com entusiasmo. Num protesto silencioso, cerca de 40 mulheres congressistas democratas apresentaram-se vestidas de branco, cor símbolo da luta pelos direitos das mulheres.
Quase 40 dias depois da sua tomada de posse, Trump apresentou ao Congresso as prioridades da Casa Branca, tentando afastar-se das polémicas que têm pressionado o seu governo. Fez também um apelo à unidade num país cada vez mais dividido."Está a começar um novo capítulo de grandeza nos Estados Unidos. Um novo orgulho nacional está a varrer o país", afirmou."Já começámos a drenar o pântano da corrupção", acrescentou.
Trump prometeu "reiniciar o motor da economia americana" e tornar mais difícil às empresas deixarem o país."A minha equipa económica está a desenvolver uma reforma fiscal histórica que vai reduzir a taxa de impostos das nossas empresas para que possam competir e vencer onde quer que seja", afirmou.
O presidente insistiu também numa das suas mais polémicas promessas de campanha, convocando os legisladores "a rejeitar e a substituir" o "desastre" do Obamacare, o sistema de saúde herdado do seu antecessor Barack Obama. O assunto é delicado: o desmantelamento do Obamacare pode deixar cerca de 20 milhões de pessoas sem cobertura médica - cenário que atormenta os congressistas, incluindo os republicanos.
Cortar na ajuda para aumentar na Defesa
Uma das ideias centrais na proposta de orçamento de Donald Trump é o corte na ajuda para o aumento na Defesa. O presidente americano já acenou com a promessa de um aumento "histórico" nos gastos com a defesa, mas para que isso seja possível vai ser preciso cortar em outros programas. A ideia da atual equipa da Casa Branca é que os programas visados sejam sobretudo os de ajuda e assistência internacional, aqueles que tradicionalmente permitem aos Estados Unidos exercer o seu "soft power" no mundo. "Gastaremos menos fora das fronteiras e gastaremos mais, de novo, em casa", afirmou segunda-feira o novo diretor de Administração e Orçamento da Casa Branca, Mick Mulvaney. Só que, como Donald Trump percebeu ontem, dia em fez o seu primeiro discurso no Congresso, esta ideia poderá não ser acarinhada nesse fórum, a começar pelos seus próprios pares do Partido Republicano.
Foram vários os congressistas republicanos a alertar que o plano do presidente Donald Trump de reduzir em mais de um terço os fundos para o Departamento de Estado poderá enfrentar forte oposição no Congresso. "Está morto à chegada, não vai passar", disse o senador republicano Lindsey Graham, que preside o subcomité de Gastos em Operações Públicas e Estrangeiras do Senado. É imperativo que o uso do "soft power" continue a ser uma prioridade de Segurança Nacional, enfatizou, destacando que se Trump apresentar um plano para reduzir drasticamente os fundos de assistência estrangeira "o Congresso irá rejeitar".
Na segunda-feira, a Casa Branca anunciou que Trump propõe um aumento de quase 10% no orçamento militar dos Estados Unidos. Com quase 615 mil milhões de dólares, este já é o maior orçamento de defesa do mundo. O Wall Street Jornal e outros meios de comunicação social americanos noticiaram, também ontem que o governo Trump está a propor reduzir em 37% o orçamento do Departamento de Estado e da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAid) para compensar a sua proposta de subir em 54 mil milhões de dólares os gasto na defesa.
O Congresso controla o orçamento do governo federal, e o líder do Partido Republicano no Senado, Mitch McConnell, não parece recetivo a estas ideias. Ao ser questionado se é possível passar no Senado um orçamento que corta estes programas em um terço, o senador respondeu à imprensa que "provavelmente, não".
"A parte diplomática do orçamento federal é muito importante" e, com frequência, custa muito menos alcançar o progresso dessa forma do que pelo lado da Defesa, disse McConnell, acrescentando que não é "a favor" de reduzir o orçamento para a diplomacia de Estado e de ajuda ao exterior.
O senador republicano Marco Rubio, que integra o Comité das Relações Exteriores, também manifestou sua oposição ao corte de recursos. "Ajuda ao exterior não é caridade", escreveu no Twitter. "Devemos assegurar que é bem gasto, mas é menos de 1% do orçamento e é crítico para nossa Segurança Nacional", completou.
"Somos um país que permanece unido na condenação ao ódio e ao mal em todas as suas formas"
O discurso de Donald Trump ontem no Congresso arrancou com uma condenação aos recentes ataques e ameaças contra a comunidade judaica."Esta noite, que marca o encerramento da nossa celebração do Mês da História dos Negros, somos recordados do caminho que ainda resta por fazer à nossa nação na direção dos direitos civis e do trabalho", afirmou o presidente americano. "As recentes ameaças aos centros da comunidade judaica e o vandalismo de cemitérios judeus, além do tiroteio em Kansas City na última semana, lembram-nos que podemos ser uma nação dividida na política, mas somos um país que permanece unido na condenação ao ódio e ao mal em todas as suas formas", declarou o presidente.
“Não podemos permitir que a nossa nação seja um santuário para os extremistas”
O Presidente dos Estados Unidos defendeu, no seu primeiro discurso no Congresso, a proibição de entrada em território norte-americano de determinados estrangeiros para evitar a formação de uma base terrorista no país.
“Não podemos permitir que a nossa nação seja um santuário para os extremistas”, afirmou Donald Trump.
Prometendo novas medidas “em breve”, considerou que "não é compassivo, mas imprudente, permitir a entrada descontrolada [de pessoas oriundas] de lugares onde não acontece uma verificação adequada".
"Aqueles que têm a honra de serem admitidos nos Estados Unidos devem apoiar este país e amar o seu povo e os seus valores. Não podemos permitir que uma ‘base’ de terrorismo se forme dentro da América – não podemos permitir que a nossa nação se torne num santuário para extremistas”, afirmou.
“É por isso que a minha administração tem trabalhado para melhorar os procedimentos de veto, e em breve vamos tomar novos passos para manter a nossa nação segura e manter longe aqueles que podem causar-nos mal”, argumentou Donald Trump.
Muro entre EUA e México avança em breve e será uma "arma muito eficaz contra o crime e a droga”
Donald Trump afirmou também que a construção de um muro na fronteira com o México começará “em breve” e será “uma arma muito eficaz contra o crime e a droga”.
“Devemos restaurar a integridade e o império da lei nas nossas fronteiras. Por isso, em breve, iremos começar a construção de um grande muro ao longo da nossa fronteira sul. Iniciar-se-á antes do programado e, uma vez concluído, será uma arma muito eficaz contra o crime e a droga”, sublinhou.
"Estamos a retirar criminosos, vendedores de drogas que ameaçam nossas comunidades e as nossas crianças"
Uma semana depois de ampliar os poderes das agências do setor de migração e de deixar mais vulneráveis a deportações quase todos os 11 milhões de pessoas em situação ilegal no país, Trump prometeu mão dura nas fronteiras. "Estamos a retirar criminosos, vendedores de drogas que ameaçam nossas comunidades e as nossas crianças. Essas pessoas estão a ir embora, enquanto falamos aqui esta noite, tal como havia prometido", disse o presidente.
Trump defendeu a adoção de um novo sistema migratório nos Estados Unidos, baseado no mérito e na capacitação dos candidatos e que limite o acesso ao país de pessoas com baixa qualificação para o mercado de trabalho."Se passarmos do atual sistema de imigração de pessoas com baixa capacitação e adotarmos um sistema baseado no mérito, teremos muitos benefícios: pouparemos dólares, elevaremos os salários e ajudaremos as famílias em dificuldades - incluindo famílias de imigrantes - a ingressar na classe média", completou.
Para Trump, uma reforma "real e positiva" do sistema migratório americano é possível se todos chegarem a um acordo sobre três pontos básicos: melhorar salários para os americanos, fortalecer a Segurança Nacional e "restabelecer o respeito pelas nossas leis".
Poucas horas antes do discurso, num encontro com apresentadores de televisão na Casa Branca, Trump tinha surpreendido, porém, ao evocar a possibilidade de apoiar uma reforma de regularização de imigrantes sem antecedentes penais.
"Apoiamos fortemente a NATO, mas os nossos aliados devem cumprir as suas obrigações financeiras"
Sobre a NATO, Donald Trump garantiu o "forte apoio" de Washington à organização de defesa, mas voltou a convocar os países aliados a cumprirem os seus compromissos financeiros."Apoiamos fortemente a NATO, uma aliança forjada pelos laços de duas guerras mundiais que destronaram o fascismo e uma Guerra Fria que derrotou o comunismo. Mas os nossos aliados devem cumprir as suas obrigações financeiras", afirmou Trump.
Numa mensagem direta à Aliança Atlântica, o presidente americano disse que o seu governo espera:"sejam da NATO, do Médio Oriente ou do Pacífico -, que adotem um papel direto e significativo em operações militares, e que paguem a sua justa parte dos custos". Washington - acrescentou - "respeitará instituições históricas, mas também vamos respeitar os direitos soberanos das nações".
Na campanha eleitoral, Trump espalhou incerteza entre os integrantes da organização ao expressar a sua irritação com os países que têm contribuições financeiras em atraso. Há uma semana, durante uma reunião da NATO em Munique, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, tentou dissipar essas dúvidas, garantindo o compromisso de Washington com a organização. "Da mesma forma que vocês mantiveram fé em nós, sob o presidente Trump, vamos manter sempre a nossa fé em vocês", declarou Pence aos representantes da Aliança militar.
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