O caso remete à apresentação feita pelo presidente da federação ucraniana, Andrei Pavlenko, este domingo, de uns “equipamentos especiais” que incluem a forma da Ucrânia num mapa, com a zona anexada da Crimeia e as regiões de Donetsk e Luhansk, controladas por separatistas pró-Rússia.

Recorde-se que, desde 2014, mantém-se o conflito separatista no Donbass, região leste da Ucrânia que faz diretamente fronteira com a Rússia, entre separatistas pro-russos e as forças governamentais — o conflito, que de acordo com a ONU, já deixou mais de 13.000 mortos e quase 1,5 milhão de desalojados, foi espoletado pela revolução pró-Ocidente na Ucrânia que teve o epicentro na praça Maidan, em Kiev, e que resultou na deposição do presidente Viktor Yanukovich, favorável ao Kremlin, do poder.

Em reação, a Rússia anexou a península da Crimeia, território que controla de facto mas que é reconhecido internacionalmente como parte da Ucrânia.

Mas as referências nos kits desportivos não se ficam pela Crimeia, já que nas parte de trás das camisolas estão incluídas as mensagens “Glória à Ucrânia”, seguidas da resposta “Glória aos Heróis”, uma menção a uma canção nacionalista que foi usada pelos manifestantes no levantamento popular de 2014.

Na sua comunicação dos equipamentos, Pavlenko escreveu que "a silhueta da Ucrânia dará força aos jogadores, porque irão lutar por toda a Ucrânia", adiantando estar a referir-se "de Sevastopol e Simferopol a Kiev, de Donetsk e Luhansk a Uzhgorod". Importa ressalvar que Sevastopol e Simferopol pertencem à região da Crimeia como Donetsk e Luhansk são parte da região de Donbass.

Apesar de Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, ter declinado comentar quando contactado pela agência noticiosa TASS, a reação russa não se fez esperar.

O deputado Dmitry Svishchev, citado pela agência russa RIA, disse que o desenho das camisolas é "uma provocação política" e que mostrar um mapa da Ucrânia "que inclui territórios russos é ilegal", pedido a intervenção da Uefa, que organiza o Euro2020.

Já a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova, referindo-se às frases “Glória à Ucrânia” e “Glória aos Heróis", disse tratar-se de um "cântico de guerra nazi usado por unidades militares regulares e irregulares na Ucrânia” durante o conflito.

À BBC, a UEFA negou qualquer tipo de problema quanto aos kits, afirmando num comunicado que "a camisola da seleção nacional ucraniana (e de todas as outras equipas) para o Euro2020 foi aprovada pela UEFA, em concordância com os regulamentos aplicáveis aos equipamentos".

Os EUA, que têm apoiado a Ucrânia desde o deflagrar do conflito e que também estão envolvidos numa tensa relação com a Rússia, demonstraram apoio ao equipamento da seleção ucraniana através da sua embaixada em Kiev. "Adoramos o novo look. Glória à Ucrânia", publicou hoje a embaixada na sua conta do Twitter, seguindo-se a hashtag "#CrimeiaéUcrânia".

A ação da Ucrânia ocorre numa fase em que o conflito se mantém sem sinais de paragem.Desde o início do ano, aumentaram os confrontos entre as forças ucranianas e os separatistas pró-russos, após uma trégua que foi respeitada no segundo semestre de 2020. Neste conflito, 30 soldados ucranianos foram mortos desde 1 de janeiro deste ano, contra 50 durante todo o ano de 2020, e os separatistas admitiram 20 baixas, desde o início do ano.

No final de abril, em vésperas da Páscoa ortodoxa, foi tornado público o falhanço de uma tentativa de tréguas. As tensões entre a Ucrânia e a Rússia aumentaram depois de Moscovo ter reforçado com 10.000 soldados o seu contingente de soldados na zona de fronteira, alegando a realização de exercícios militares. Entretanto, o Kremlin anunciou a retirada dessas tropas nas áreas de fronteira, mas a tensão na linha de frente não diminuiu.

Neste momento, aguarda-se o encontro no próximo dia 16 de junho entre Joe Biden, Presidente dos EUA, e o seu homólogo russo, Vladimir Putin, em Genebra, na Suíça — isto depois de participar nas reuniões do G7 e da NATO. Em vésperas de partir para a Europa, Biden prometeu, num artigo de opinião publicado no Washington Post, fortalecer as "alianças democráticas" dos Estados Unidos para lidar com múltiplas crises e ameaças da Rússia e da China.

"Permanecemos unidos para enfrentar os desafios que a Rússia representa à segurança da Europa, começando pela sua agressão na Ucrânia, e não haverá fraqueza alguma na firme determinação dos Estados Unidos em defender os nossos valores democráticos, que são indissociáveis dos nossos interesses", escreveu. "O presidente Putin sabe que não hesitarei em responder a futuras atividades agressivas", garantiu.

Se no departamento diplomático, a questão está longe de estar resolvida, as hostilidades nos campos de futebol não deverão chegar a decorrer entre a Ucrânia e a Rússia no Euro2020. Os ucranianos — que não têm jogos marcados para São Petersburgo, uma das cidades a receber o torneio — estão incluídos no grupo C, com os Países Baixos, que recebem os jogos da ‘poule’, a Áustria e a Macedónia do Norte, enquanto no grupo B os russos, anfitriões a par da Dinamarca, enfrentam ainda a Finlândia e a Bélgica.