Em entrevista à Lusa, o antigo político checo sustentou que o conflito não começou em 2022 com a invasão russa, mas remonta a acontecimentos anteriores e a “um confronto entre o Ocidente e a Rússia” de que a Ucrânia é vítima e um instrumento e “provavelmente não o merecia”.

“É uma pena que o Ocidente tenha escolhido a Ucrânia como o lugar para demonstrar a divisão com a Rússia, para demonstrar os seus pontos fortes”, afirmou Klaus, à margem das Conferências do Estoril, organizadas pela Nova SBE em Carcavelos (Cascais), onde foi orador.

Antigo primeiro-ministro checo entre 1993 e 1997, após a queda do regime comunista e na fase que marcou a separação da Checoslováquia, e sucessor de Vaclav Havel na Presidência entre 2003 e 2013, o antigo estadista de 82 anos disse que a Ucrânia sempre lhe pareceu um país “muito confuso” e o que existia antes da invasão russa “não era uma paz”, mas “uma situação louca e insustentável” desde 2014, ano em que a Rússia anexou ilegalmente a Crimeia e eclodiu um levantamento pró-russo no Donbass, no leste do país.

Na altura, o político checo apontou a Ucrânia como “um fracasso político, económico e social” e incapaz de fazer a transição do totalitarismo soviético, acusando os países ocidentais de irresponsabilidade ao criar uma ilusão nos “radicais ucranianos” desafiando-os a fazer uma escolha entre o Ocidente e a Rússia.

Quase uma década mais tarde, Vaclav Klaus mantém a avaliação daquele quadro, que não confunde com a impossibilidade de prever o que se seguiria, mas que, em qualquer circunstância, conduziu a “Rússia a uma grande pressão” e Vladimir Putin “cometer um erro trágico em fevereiro do ano passado”.

Em resultado da invasão, a Ucrânia continua a resistir há mais de um ano e meio às forças russas, a NATO foi alargada e assumiu o apoio militar em grande escala a Kiev, capital cada vez mais próxima de uma União Europeia que o antigo líder checo, conhecido pelas suas posições eurocéticas, reconhece ter saído mais unida, embora não necessariamente mais forte.

Segundo o político checo, é agora claro que o Presidente russo cometeu vários “erros de cálculo” e um deles foi esperar algo parecido com a invasão da Checoslováquia em 1968 pelos soviéticos e aliados do Pacto de Varsóvia, para deter o movimento reformista da Primavera de Praga, quando Klaus já era formado em Economia e investigador da Academia de Ciências.

“Provavelmente, [Putin] supunha que iria pelo mesmo caminho fácil, sem nenhuma defesa. Mas a comparação é um pouco enganosa, porque os tempos eram totalmente diferentes nos anos 60 e nos dias de hoje”, comentou.

A comparação leva ainda a diferenças entre uma perspetiva racional e “jogar com os sentimentos”, através de “memórias simplificadas, esquecidas ou mal interpretadas”, em que os checos que se recordam da invasão da Checoslováquia “têm uma consciência errada de que não lutaram e não defenderam” o país naqueles acontecimentos históricos de 1968.

Após a invasão da Ucrânia, “estão quase a sentir que estão lutar agora pelo que não fizeram há 50 anos”, segundo Vaclav Klaus, o que traduz “no principal sentimento da República Checa nos dias de hoje” e na principal razão para ajudar os ucranianos de forma expressiva e acolher um elevado número de refugiados face à sua população.

“Mas essa não é a maneira de resolver o problema, essa é a maneira de prolongar o conflito”, defendeu o antigo governante, ignorando qual a saída lógica para a paz, mas considerando que terá de passar por encontrar uma forma de, por via do diálogo????, interromper os combates e o abastecimento permanente de armas pelo Ocidente a Kiev.

“Receio que os combates continuem anos e anos, com muitas pessoas mortas, e o país será destruído”, afirmou, não vendo outra alternativa que não seja a negocial, a vários níveis e não apenas entre as duas partes em guerra, mas também entre o Ocidente e a Rússia.

Klaus conheceu Vladimir Putin quando foi presidente checo, mas assegurou que nunca falou em privado com o então homólogo russo sobre outros assuntos que não fossem aqueles que estavam na agenda, até porque disse não ser o seu género tratar os políticos estrangeiros pelo primeiro nome e que o líder do Kremlin também não o fazia.

“Ele está apenas focado em questões políticas. Não fala de mais nada, não dirá que faz sol ou está a nevar”, recordou, assinalando que, por outro lado, este perfil direto pode ser visto como “uma oportunidade para uma negociação séria e não apenas para conversas amigáveis ou conversas não amigáveis”.

*Por Henrique Botequilha (texto) e Miguel A. Lopes (fotos), da agência Lusa