Prosseguir com os Jogos no Rio, a segunda cidade mais afetada pela epidemia de zika no Brasil, seria "irresponsável" e "antiético", argumentam os especialistas na carta. "A nossa maior preocupação é a saúde global. A cepa brasileira do vírus zika afeta a saúde de formas que a ciência nunca tinha visto antes", diz a carta, assinada por especialistas do Brasil, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Canadá, Noruega, Filipinas, Japão, África do Sul, Turquia, Líbano, entre outros.

"Há um risco desnecessário quando 500 000 turistas estrangeiros de todos os países, que vão comparecer aos Jogos, se expõem potencialmente a esta cepa e regressam depois a casa, onde ela pode tornar-se endémica", afirmou. "Se isso acontecer em locais mais pobres, como aqueles ainda não afetados (por exemplo, a maior parte do Sul da Ásia e de África), o sofrimento pode ser grande", alertaram na carta.

O zika pode causar malformações, como a microcefalia nos bebés. Aproximadamente 1 300 bebés nasceram no Brasil com deficiências irreversíveis desde que o mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, começou a transmitir zika, no ano passado. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e as principais autoridades sanitárias dos Estados Unidos têm alertado as pessoas que viajam para o Brasil a tomar as precauções necessárias para evitar as picadas do mosquito. Alertam também as mulheres grávidas para que evitem áreas onde o zika está a circular, como o Rio de Janeiro.

Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, entre 5 de agosto e 18 de setembro, "ocorrerão durante o inverno no Brasil, quando há menos quantidade de mosquitos ativos e o risco de ser picado é menor", informou a OMS no início deste mês. Mas a carta aberta, assinada por médicos e investigadores das principais universidades de todo o mundo, expressou preocupação, receando que as autoridades não estejam a proteger as pessoas adequadamente face ao risco representado pelo zika. "É antiético correr este risco apenas por causa duns Jogos que poderiam ocorrer seja como for, mesmo que adiados e/ou transferidos", destacou.

A carta recomenda que a OMS realize "uma nova avaliação baseada em evidências" da situação no Brasil e das suas recomendações para os turistas.

"Conflito de interesses"

Dado o grande investimento financeiro do evento, a carta questiona se a agência sanitária da ONU foi bem sucedida a dar um parecer não tendencioso da situação. Segundo o documento, a entidade mundial pode não estar a considerar adequadamente as opções, que incluem mudar os Jogos para um local onde o zika não esteja presente, adiá-los até que o zika esteja sob controle, ou cancelá-los. "Preocupa-nos que a OMS esteja a rejeitar estas alternativas devido a um conflito de interesses", ressalta a carta. "Especificamente, a OMS entrou numa parceria oficial com o Comité Olímpico Internacional (COI), num Memorando de Entendimento que permanece secreto", acrescentou.

O grupo pede que a organização divulgue o memorando. "Não fazê-lo lança dúvidas a respeito da neutralidade da OMS", afirma. "A OMS precisa de rever a questão do zika e o adiamento e/ou mudança dos Jogos. Recomendamos que a OMS convoque um grupo independente para avaliar esta questão junto do COI num processo transparente, baseado em evidências, onde a ciência, a saúde pública e o espírito desportivo venham em primeiro lugar", declara a carta. "Face às consequências para a saúde pública e a ética, não fazê-lo é irresponsável", conclui.