Quando um desconhecido francês aterrou em Londres a meio dos anos 90 para treinar o Arsenal, vindo do Nagoya Grampus do Japão, o futebol inglês estava longe de perceber o impacto que Arsène Wenger iria ter. Em primeiro lugar, começou por trocar os treinos de longa duração, com foco na resistência, por treinos de curta duração de grande intensidade e focados na bola e no jogo. Depois, mudou o regime alimentar dos jogadores passando a incluir peixe, arroz e vegetais com maior regularidade (devido às suas influências japonesas, confessou depois). Por último, foi um dos principais responsáveis pela construção do centro de treinos do Arsenal, no final da década. Revolucionando dentro e fora do campo, Arsène Wenger criou uma imagem metódica e agitou não só os Gunners (alcunha do Arsenal) mas também a forma de pensar o treino e o jogo em Inglaterra, o que lhe valeu a alcunha d’O Professor.

Pioneiro e formador

Wenger foi o primeiro estrangeiro a treinar o Arsenal. Primeiro e único, visto que desde que se sentou no banco dos Gunners nunca mais de lá saiu. Não obstante ser um treinador que ficou conhecido nos primeiros anos por contratar vários compatriotas (nos primeiros quatro anos chegaram a Highbury, estádio dos londrinos, oito jogadores franceses), Wenger é, acima de tudo, um formador. Um dos maiores exemplos de tal facto é Cesc Fàbregas, jogador espanhol que se estreou pelas mãos do francês com apenas 16 anos. Outro é Thierry Henry, talentoso extremo gaulês transformado em avançado de reputação mundial e temível goleador por Wenger. O Arsenal passou a jogar um futebol espetáculo, com a bola no pé, passes rápidos, golos do outro mundo e a Premier League e o mundo estão de boca aberta com a revolução do francês.

Mais importante que os jogadores formados são, contudo, as ideias do treinador francês. Com a criação da Academia do clube em 1998, Wenger pretendia começar a formar jogadores desde tenra idade, ao invés de os ir contratar ao estrangeiro. E esta ideia passa por uma mudança de paradigma em relação ao que era a filosofia do futebol de formação em terras de Sua Majestade. De um modo geral, a importância de ganhar nas camadas jovens é posta num plano secundário, e passa a ser concedida liberdade criativa aos jogadores dos escalões de formação. No fundo, todo o staff da Academia passa a ter instruções para desenvolver primeiro o jogador a nível individual e só depois a equipa.

Wenger queria tornar o Arsenal numa referência na formação de jogadores jovens e sentia que esse deveria ser o caminho na gestão de um clube: garantir o equilíbrio financeiro através da formação dos próprios jogadores, evitando assim elevados gastos para a criação de um plantel competitivo, algo que, de resto, é praticamente um ponto comum em todos os clubes do mundo neste momento – salvo raras excepções.

Picardias e recordes

Os anos 90 e o início do século foram de claro domínio do Manchester United de Alex Ferguson. Mas, com a chegada de Wenger, esse domínio foi ameaçado. O “seu” Arsenal fez frente aos Red Devils (alcunha da equipa de Manchester), disputando campeonatos até ao final e roubando títulos (e a hegemonia) aos comandados de Ferguson.

Para além da disputa dentro do campo, Wenger envolve-se também em constantes picardias com o treinador escocês do United. Tornaram-se épicas as constantes batalhas verbais entre os dois, que acabaram por caracterizar a carreira do francês ao serviço do clube do norte de Londres. Contudo, Wenger nunca quis ganhar a todo o custo. É conhecido o episódio em que, em 1999, o treinador francês propõe a repetição de um jogo após a sua equipa ter ganho com um golo conseguido de forma menos “desportiva”. Dias mais tarde, o jogo é repetido.

A adicionar ao futebol espetáculo, Wenger juntou também títulos, nomeadamente “dobradinhas” (vencer o campeonato e a taça na mesma época). A última vez que o Arsenal tinha conquistado a dobradinha foi em 1971, sendo que, de 2000 a 2004, Wenger repetiu o feito por duas vezes. Mais: no período de 1996 a 2004, os Gunners conquistaram três títulos da Premier League, duas Taças de Inglaterra (a competição nacional mais antiga do mundo), e quatro Supertaças inglesas. Wenger torna-se um ídolo nas bancadas de Highbury. O ponto alto do francês foi a histórica conquista do campeonato na época de 2003/2004, em que o Arsenal terminou a temporada como campeão sem derrotas. Aliás, nos 49 jogos dessa época (campeonato e outras competições incluídas), os Gunners não perderam um único jogo.

Mas o que aconteceu nos últimos 12 anos? O que levou a que o treinador francês, outrora um ídolo do clube londrino, seja atualmente visto com outros olhos por adeptos e imprensa inglesa? O que terá corrido mal com o plano de Wenger? Para a semana voltaremos ao tema. No entretanto, a bola volta a rolar já a partir de amanhã na Premier League e o destaque vai todo para a visita do Liverpool ao Tottenham. Vindos de um deslize (derrota com o Burnley) em que não apresentaram a consistência defensiva necessária, os pupilos de Klopp têm mais um interessante teste.

Pedro Carreira é um jovem treinador de futebol que escolheu a terra de sua majestade, Sir. Bobby Robson, para desenvolver as suas qualidades como treinador. Neste momento a representar a academia do Luton Town, o Pedro deseja fazer aquilo que nenhum outro treinador português fez, ir do 4º escalão das Ligas Inglesas até ao estrelato da Premier League. Até lá, podemos sempre ir lendo as suas crónicas.

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