Há 22 anos, Nicole Fontaine foi eleita, 20 anos depois de Simone Veil. "Não passarão mais duas décadas até a próxima mulher estar aqui". A mulher do presente é Roberta Metsola e a frase pertenceu à própria no discurso da tomada de posse quando foi eleita a presidente mais jovem do Parlamento Europeu (PE) – ocupou interinamente a presidência após a morte de David Sassoli, a 11 de janeiro deste ano - pouco mais de dois anos após ter sido eleita primeira vice-presidente do PE, em novembro de 2020.

Nascida em Malta a 18 de janeiro de 1979, terceira mulher a presidir ao PE, depois de Simone Veil (1979-1982) e de Nicole Fontaine (1999-2002), está em Portugal a cumprir uma agenda apertada de dois dias de visita oficial.

Entre um almoço presidencial com Marcelo Rebelo de Sousa, em Cascais, e encontros com Carlos Moedas, na câmara Municipal de Lisboa, e Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud, na Fundação, a líder europeia de 43 anos passou pela sede do Comité Olímpico de Portugal (COP), em Lisboa, 40 minutos depois da hora marcada (15h00). Durante 20 minutos ouviu as atletas olímpicas Patrícia Mamona (atletismo), Telma Monteiro (judo), Lorene Bazolo (atletismo), Tamila Holub (natação) e Maria Caetano (hipismo) sobre igualdade de género, inclusão e desporto.

Entre as mensagens escutadas em ritmo quase telegráfico, uma, em especial, a da judoca Telma Monteiro, captou a atenção de Metsola. “Como uma das atletas mais conhecidas em Portugal, sinto-me na obrigação de falar em meu nome e dos meus colegas. Eu tenho a minha voz, posso falar, mas se alguém com mais poder do que eu não concordar, não há nada que eu possa fazer. Essa é a minha principal preocupação e gostaria de saber o que é possível fazer para dar mais poder aos atletas", contou a judoca olímpica referindo-se à impotência sentida por não ter um papel ativo nas decisões no que toca ao desporto.

“Quanto mais tempo tenho?”, questionou, no final, a presidente do PE virando-se para o Protocolo e assessorias. Restou-lhe pouco mais do que a promessa de "vou levar o que disseste comigo, foi muito importante” e um minuto para uma fotografia com a bandeira da UE, abrindo, a seguir, o protagonismo a Telma Monteiro e Patrícia Manona para uma conversa à margem do evento com os jornalistas presentes.

A carta aberta subscrita por sete judocas, entre as quais Monteiro, dos 10 atletas do projeto olímpico endereçada ao líder da Federação Portuguesa de Judo (FPJ), Jorge Fernandes, no qual tornaram público as desavenças com o líder máximo da modalidade e o “clima insustentável e tóxico” vivido, bem como a reunião subsequente tida com o secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Correia, presidente do COP, José Manuel Constantino, e o líder da FPJ, Jorge Fernandes, voltou a ser abordado pela judoca do Benfica.

“Em relação à reunião, posso dizer, como disse na altura, que algumas questões técnicas ficaram parcialmente resolvidas e esperamos a chegada do momento para perceber se há uma ação positiva em relação ao que foi acordado. Supostamente, estarão resolvidas. Relativamente às outras questões, quando for o momento adequado, e se esse momento acontecer de eu falar publicamente sobre as outras questões, não deixarei nada por dizer. Agora, prefiro guardar”, recuou Telma Monteiro, relembrando existirem “ainda muitas questões para resolver”.

O intróito serviu para abrir a página de reivindicações. “Faço chegar a mensagem, de falar com jornalistas, pelas minhas plataformas e redes sociais, mas como atleta não posso mudar muita coisa. Só posso fazer chegar a minha mensagem”, comentou a judoca.

“Falar das minhas questões, e dos outros atletas, da minha modalidade ou de outras, porque acho que tenho essa responsabilidade enquanto atleta conhecida, mas não tenho poder (como atleta) de mudar nada. E é isso que temos que começar por perceber: como se pode mudar, como a voz do atleta pode ter algum peso na decisão”, acrescentou.

A questão da saúde mental, a luta por melhores condições no “local de trabalho” e a influência na performance desportiva foram outros temas abordados por Telma Monteiro na conversa com os jornalistas.

“Aquilo que se passa no “escritório”, quem sente são os atletas no terreno. Nós sentimos de maneira diferente, as escolhas afetam-nos de maneira diferente e o que pode parecer subtil, ou parecer que não importa, importa tanto na nossa performance, como na nossa saúde mental”, avançou. “(Temos de) discutir a saúde mental para que depois quando acontecem coisas que afetam a saúde mental não pareça coerente que não sejam tomadas em conta. Não são só questões técnicas e práticas. São as questões mais subtis”, alertou a atleta medalha de bronze nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro 2016.

Telma Monteiro aproveitou o tempo de antena e interrogou. “Como é que o atleta pode fazer da voz uma ação”? Como a voz pode passar a uma ação”, repetiu. “Não tenho essa resposta e gostava que, em breve, encontrássemos uma solução, não fossemos só uma voz, mas que tivéssemos alguma participação nas decisões que são tomadas e pudéssemos ver o resultado daquilo que nos queixamos. Às vezes queremos só sugerir para melhorar”, acrescentou.

“Sempre que um ambiente de trabalho não é saudável, porque não estás feliz ou sentes-te afetada psicologicamente, isso afeta a nossa performance. Nós, atletas, temos que estar equilibrados totalmente. Não dá para dissociar uma coisa da outra”, lembrou.

“Se uma pessoa não estiver feliz pode procurar outro trabalho. Os atletas não podem sair da sua modalidade, do que fazem, por isso como é que podemos fazer com que a sua voz tenha realmente algum impacto e o que dizem importe alguma coisa”, finalizou a atleta que recupera de uma operação que a afastará dos Mundiais de Tashkent, entre 6 e 13 de outubro no no Uzbequistão. “Em princípio vou falhar os Mundiais”, informou. “A cirurgia é uma recuperação rápida e espero estar de volta daqui a um mês. Os Mundiais são em outubro, daqui a 5 semanas, logo diria muito difícil ter essa expetativa”, reforçou a atleta que caminha ainda com a ajuda de duas canadianas.

Quebrar estereótipos. O recado de Patrícia Mamona

Ainda à margem da conversa das quatro atletas olímpicas com a presidente do Parlamento Europeu, Patrícia Mamona deixou claro que “as mulheres conseguem tudo o que quiserem”, começou por dizer.

Referindo ter tido a “oportunidade de falar como atleta e atleta mulher”, para Mamona, o “desporto é um espaço onde toda a gente, independentemente do género, tem um espaço para mostrar o que são”, atirou. “Eu agarrei o desporto para mostrar um pouco da minha personalidade e do que sou e, ao mesmo tempo, arranjar algo que me fizesse crescer e evoluir”, adiantou a medalha de prata nos JO Tóquio 2020.

Na conversa com a líder da instituição europeia, a atleta do Sporting focou-se na igualdade do género “porque não é algo que me toque no desporto, o atletismo é um desporto bastante equilibrado, não sei se por ser individual que permite isso, mas há muita lacuna noutros desportos e temos que quebrar o estereótipo que as mulheres não conseguem fazer coisas com muita intensidade e força, porque é mentira”, exclamou. “Desde o momento em que acreditamos que conseguimos fazer alguma coisa em qualquer ramo, desporto ou artes, temos que seguir o nosso coração e ir à luta e não ouvir as bocas e os estereótipos que, infelizmente, ainda existem”, lamentou.

Um mês para conhecer o contrato-programa

A passagem da maltesa Roberta Metsola pela sede do COP foi para José Manuel Constantino, “o reconhecimento do Parlamento Europeu da importância do desporto” considerando esta atenção dada às atletas olímpicas “um sinal político muito positivo de valorização da importância social e política do desporto”, sublinhou. “Não estava apenas a cumprir uma agenda política. É um sinal positivo que alguém que tem uma função política relevante tenha esta atenção para o desporto e espero que a preocupação possa ter consequências nas políticas europeias para o desporto e, já agora, políticas nacionais”.

E por falar em nacional, o presidente do Comité Olímpico aproveitou a ocasião para debruçar-se sobre o contrato-programa com o Governo, contrato esse que tarda em ser assinado. “Estamos a aguardar a celebração do contrato-programa com o Governo e o anúncio de quais os meios financeiros que coloca à disposição na Missão Olímpica e estamos expectantes para que este problema se resolva o mais rapidamente possível”, sublinhou.

Reconhecendo o “atraso decorrente das eleições antecipadas”, e desejando “que não tivesse havido “este hiato” entre Tóquio e a preparação olímpica, José Manuel Constantino quer que “rapidamente se feche esta parte para saber meios, recursos e políticas que nos são permitidas para o desenvolvimento do projeto até Paris (JO 2024)”, frisou.

Com o novo Orçamento do Estado aprovado, o presidente do COP acredita existirem "condições políticas para que se possa saber qual é a direção que o Governo quer que este programa tenha e qual é a orientação que quer transmitir ao Comité Olímpico”.

“Espero rapidamente, até ao final do mês (setembro) que este processo fique encerrado e possamos saber quais os meios colocados à disposição dos atletas, federações e do COP”, sentenciou.