A moda do “behind de scenes” (atrás das câmaras, em tradução livre) iniciada com o “Drive to Survive”, série que popularizou a Fórmula 1 e humanizou pilotos e equipas, ditou novos guiões para outros desportos.

A vela, e no caso em concreto, a Ocean Race, a mítica e mais exigente regata de vela oceânica à volta do mundo, foi mais uma das modalidades a surfar a onda e decidiu colocar os heróis próximos do consumidor, contando as suas histórias sem filtros e edições.

A 14.ª edição Ocean Race, enquanto desafio extremo para velejadores e embarcações, teve honras de um voyeurismo extra para além do que já era dado pelas imagens apresentadas ao mundo pelos On Board Reporters (OBR)  conjunto seleto de fotógrafos multimédia que acompanham cada uma das equipas nesta aventura pelos mares, registando, em fotografia e filmes, a vida dos velejadores a bordo, dia e noite, no mar e em terra.

No ano em que se celebrou o 50.º aniversário da Whitbread Round the World Race, precursora da Volvo Ocean Race (2001 a 2019), atual Ocean Race, ganhou uma versão mais intimista com a exibição de um “atrás das câmaras” transformado num “dentro dos barcos com a tripulação”.

A dura regata de 32 milhas náuticas (62 mil quilómetros) à volta do mundo, que envolveu 5 embarcações IMOCA e respetivas tripulações ao longo de seis meses, de janeiro a finais de junho, cuja rota atravessou quatro continentes, fez sete paragens e parou em nove cidades, fica registada para a posteridade num documentário produzido pela Warner Bros. Discovery (WBD).

Intitulado ‘A Voyage of Discovery: The Ocean Race’, resume em três episódios, o primeiro a ser emitido hoje no Eurosport, a vida no mar e a aventura transatlântica na primeira pessoa de Alicante, Espanha a Génova, Itália, com incursão a África, Mares do Sul, América do Sul e Norte até ao regresso à Europa.

Com o livre-trânsito na mão, ao longo da ultramaratona náutica registaram a mais longa etapa de que há memória nos 50 anos da Ocean Race. 12,750 mil milhas náuticas, perna entre a Cidade do Cabo, na África do Sul e Itajaí, no Brasil, mais de um mês sem ver terra à vista e por o pé no chão, acompanhados pela Antártida, ultrapassando os três cabos do Sul, Cabo da Boa Esperança, Cabo Leewin e Cabo Horn, sem parar, pela primeira vez na prova.

Mostraram, em tempo real, mastros partidos, velas rasgadas, choque de embarcações, momentos de tensão, entreajuda e descompressão, e, acima de tudo, a vida a bordo e o dia-a-dia das tripulações e de quatro velejadores, em particular:  Charlie Enright - Skipper na 11ª Hour Racing Team, equipa que se sagrou vencedora, Annie Lush – velejadora no GUYOT Environnement - Team Europe, que não completariam a Ocean Race, Paul Meilhat - Skipper na Biotherm, equipa onde viajou a portuguesa Mariana Lobato e Rosalin Kuiper - Co-skipper na Team Malizia.

Para a equipa GUYOT Environnement - Team Europe esta edição da Ocean Race será sempre para recordar e retirar lições e ilações.

Vencedora da edição europeia - The Ocean Race Europe -, em 2021, no pós-pandemia, não completaria em 2023 a volta ao mundo. Partiu o casco na travessia entre a Cidade do Cabo e Itajaí, perdeu o mastro na chegada a Newport (EUA) e embateu na penúltima regata (Haia) contra o vencedor da 14.º edição, os norte-americanos do 11ª Hour Racing Team.

“Tivemos o OBR e é normal, mas como outra pessoa a filmar para o documentário o barco fica mais pequeno e eles tornam-se parte da equipa”, descreveu ao SAPO 24, Annie Lush.

A velejadora britânica, 43 anos, que cumpriu a terceira volta ao mundo – em 2014-15 com a Team SCA e em 2017-18 dentro da Team Brunel, já está habituada a um corpo (fotógrafo) que nada tem de estranho. “Estiveram muito envolvidos. Na Leg 4, o OBR teve de tirar fotos e ajudou-nos a sobreviver e a sair da situação de perigo por causa do mastro. Mais que repórteres, fazem e fizeram parte da equipa”, revelou. “O Eurosport esteve sempre em cima de nós e faziam parte da história e acompanharam a nossa situação”, acrescentou em conversa telefónica a partir de Palma de Maiorca, Espanha.

“O acidente do mastro foi o mais assustador”, confessou, um susto que não encontra paralelo nas anteriores travessias. Encontros imediatos com orcas e baleias não fizeram parte desta sua viagem. “Não vimos orcas, mas sei que os barcos VO65 encontrarem.

Vimos baleias ao longe como gostamos de as ver”, contou. “Tive uma experiência anterior com baleia, na altura na Volvo Ocean Race. São bonitas, mas ao longe”, sorriu.

“Vemos coisas únicas nestas regatas”, assegurou Annie Lush, ex-olímpica (Londres 2012) e quatro vezes campeã mundial de Match-Racing e “a mais velha de toda a tripulação e da regata”, revelou. “Só o dono da equipa era mais velho”, gracejou.

A idade não deixa de ser um posto. “O CEO da Ocean Race está sempre a rir e a perguntar se esta é a última que faço. Queria pendurar as botas, mas não correu bem, por isso veremos”, deixou no ar. “É uma regata que nos torna adito. A família da Ocean Race é especial. É uma família que fazes parte e não queres largar”, assumiu.

“Quando tivemos o acidente com o mastro todos nos ajudaram, até financeiramente, contou Annie Lush. Uma história, como muitas outras, anteriormente só mostradas pelos OBR, mas que, a partir de hoje, ganham outra dimensão.

“O nosso objetivo para além da cobertura em direto era o de criar uma história humana dentro da própria competição. Foi permitida a entrada das nossas câmaras a bordo e em terra em lugares que normalmente não poderíamos alcançar, contando as histórias dos atletas que competem capturando uma experiência mais autêntica do que as equipas enfrentam durante o seu desafio único de seis meses. Não há melhor testemunho disso do que o nosso documentário ‘A Voyage of Discovery’”, acrescentou Scott Young, Vice-Presidente Sénior de Conteúdos e de Produção da Warner Bros. Discovery Sports Europa, citado num comunicado.

O trailer de uma aventura náutica em três atos

 O episódio 1: apresenta as personagens-chave das cinco equipas à partida de Alicante, Espanha até Cabo Verde, antes de atravessar o Equador antes de um final épico ao sprint para a Cidade do Cabo, na África do Sul. Velas rasgadas, doenças e velejadores hospitalizados no mesmo percurso que Team Holcim-PRB estabelece um recorde ao vencer as duas primeiras etapas.

Episódio 2 documenta a gigantesca jornada das embarcações pelo Oceano Antártico, uma viagem mítica que há muito tempo é uma medalha de honra para os melhores velejadores do mundo, transformada na etapa mais longa e desafiadora de todas da Ocean Race. 12,750 milhas náuticas entre a Cidade do Cabo e Itajaí, no Brasil. Tempestades bíblicas, ondas enormes e danos críticos nas embarcações, obrigou a reparações de emergência no mar para conseguirem chegar a terra em segurança.

O episódio 3 acompanha a chegada Charlie Enright a Newport, EUA, antes de partir para a Europa, onde Roslin Kuiper e a Team Malizia são recebidos pelo Rei e Rainha dos Países Baixos. O recorde mundial da maior distância navegada em 24 horas é batido; uma equipa é forçada a procurar assistência de emergência de um navio que passava e os líderes enfrentam um grande perigo após a colisão.