A NBA foi tomada de assalto por Giannis Antetokounmpo, a estrela dos Milwaukee Bucks que está a protagonizar um início de temporada como não havia registo. Em três jogos, soma médias estratosféricas de 38.3 pontos (com uma eficácia de lançamento surreal de 67%), 9.7 ressaltos, 5.0 assistências e 2.7 roubos de bola, números que lhe valeram a eleição de Jogador da Semana da Conferência Este. O último jogo, no sábado, frente aos Portland Trailblazers, foi o mais produtivo: 44 pontos, novo máximo de carreira para o "Greek Freak", a que acrescentou oito ressaltos, quatro assistências, dois roubos de bola, dois desarmes de lançamento e, sobretudo, algumas jogadas decisivas no final da partida, quer na defesa, quer no ataque. Já no balneário, após a vitória por 113-110, os colegas de equipa fizeram questão de lhe oferecer a bola de jogo. Giannis pegou num marcador e escreveu: "Isto é para o Papá. Conseguimos a vitória e eu marquei 44 pontos". O pai, falecido há cerca de um mês era o seu fã número um. "Foi especial. A minha motivação é jogar pela minha família, especialmente pelo meu pai, porque ele adorava ver-nos jogar. Isto é só o início", garantiu a estrela dos Bucks.

As memórias de Sepolia, um bairro habitado maioritariamente por estrangeiros, perto do centro de Atenas, onde viveu durante a infância e a adolescência, ainda estão bem frescas na memória de Giannis Antetokounmpo. Filho de pais nigerianos, Giannis e os quatro irmãos (Thanasis, Francis, Kostas e Alexis) nasceram na Grécia, mas, como eram filhos de imigrantes ilegais, não eram reconhecidos como cidadãos gregos. Giannis e Thanasis cresceram a vender óculos de sol e relógios a turistas que passeavam pela capital grega. Quando o dia corria bem, havia comida na mesa. Quando corria mal, passavam fome. O frigorífico estava quase sempre vazio. Muitas vezes não havia sequer dinheiro para pagar a conta da electricidade. Há um ano, Giannis assinou um contrato de cem milhões de dólares, por quatro temporadas, com os Milwaukee Bucks, equipa que o seleccionou na 15.ª escolha do draft de 2013. "Eu sei que não estou pronto, mas tenho muito trabalho à minha frente", disse imediatamente após ouvir o seu nome, difícil de pronunciar na altura, mas que todos conhecem hoje.

Antes do início desta época, a NBA fez o habitual inquérito anual aos general managers das trinta equipas da liga. À questão "Que jogador escolhiam para iniciar uma 'franchise'?, 21% dos responsáveis das formações da NBA responderam Giannis Antetokounmpo. Ficou apenas atrás de Karl-Anthony Towns (29%), dos Minnesota Timberwolves. Percebe-se porquê. Com 2,11 metros de altura e 2,24 de envergadura, mas com a técnica individual de um jogador bem mais pequeno, o grego garante o Santo Graal do basquetebol moderno: versatilidade. Tem a altura de um poste, mas a habilidade de um base. Tem os centímetros de um jogador interior, mas a velocidade e agilidade de um exterior. Oferece múltiplas opções ao treinador Jason Kidd, que não se coibe de explorar o aparentemente infinito potencial de Antetokounmpo. No ataque dos Bucks, funciona muitas vezes como o portador da bola, o general. Inicia os ataques e toma as decisões. Na defesa do conjunto de Milwaukee é, invariavelmente, a última barreira de protecção do cesto, a âncora defensiva que inibe os adversários.

Uma das discussões da NBA actual gira em torno de unicórnios. A figura mitológica representa, na linguagem basquetebolística, um espécime cujo talento não tem antecedentes na liga. Jogadores raros. Quase míticos. Nesta categoria têm sido colocados atletas como Kristaps Porzingis (New York Knicks) ou Joel Embiid (Philadelphia 76ers). Mas Porzingis também é apelidado de "novo Dirk Nowitzki" e Embiid de "novo Hakeem Olajuwon". Giannis Antetokounmpo não é comparável a ninguém na história do jogo. É o verdadeiro unicórnio da NBA. "É uma dádiva de Deus", diz Jason Terry, colega de equipa de Giannis que tem uma carreira de quase duas décadas na liga e, portanto, já viu de tudo. Já Kevin Durant, apontado por muitos como um dos dois melhores jogadores do planeta a par de LeBron James, não tem dúvidas: "Nunca vi ninguém como ele. Pode vir a ser o melhor a alguma vez ter jogado o jogo. É, de longe, o meu jogador preferido de ver jogar". Giannis é humilde o suficiente para não se comparar aos melhores, porque, na verdade, são os seus ídolos: "Quando o LeBron chegou à NBA, eu tinha nove anos. Cresci a vê-lo jogar".

Antetokounmpo quer ser o melhor. Para já, o melhor da actualidade. A bem do sucesso colectivo. "Meti na cabeça que tenho que ser o MVP, mas o meu foco é chegar às 50 vitórias. Quero ser o líder da minha equipa e se ganhar o MVP é porque ajudei a minha equipa a ganhar", afirmou no lançamento desta temporada, talvez na resposta a Kobe Bryant, a lenda dos Los Angeles Lakers, que o desafiou no Verão para ser o Most Valuable Player da época 2017/18. Não é tarefa fácil, mas pode tornar-se realidade se repetir o que fez em todos os anos desde que chegou à NBA: em todos eles melhorou o seu registo individual nas cinco principais categorias estatísticas (pontos, ressaltos, assistências, roubos de bola e desarmes de lançamento). E na época passada liderou os Bucks nessas cinco categorias, para além de ter terminado no top-20 da liga nos mesmos cinco itens estatísticos. Com naturalidade, foi All-Star e integrou as equipas All-NBA e All-Defensive Team. "Dia após dia, o jogo está a abrandar. Tudo se torna mais fácil e mais lento aos meus olhos. Nunca imaginei, quando era rookie, que seria capaz de ver o jogo como o vejo agora", afirma.

Numa era de super-equipas, em que estrelas se juntam para tentar chegar ao anel de campeão, é impossível não gostar de uns Bucks que dependem tanto da produção de um único atleta. É verdade que ainda lhe falta capacidade de lançar de três pontos com consistência. Hey, não podia ser perfeito. Nas últimas três épocas converteu menos de 35% dos lançamentos de meia-distância e menos de 30% dos triplos que tentou, mas é isso que o torna humano. Com apenas 22 anos - faz 23 em Dezembro -, nem o céu é limite para Giannis Antetokounmpo.

Ricardo Brito Reis é jornalista desde 2004 e tem experiência profissional em rádio, imprensa e televisão. Actualmente, é comentador de basquetebol na SportTV, função que acumula com o cargo de gestor de conteúdos e redes sociais da Federação Portuguesa de Basquetebol. É, ainda, co-autor do podcast MVP. Paralelamente ao Jornalismo, é treinador de basquetebol de Grau II e conta com passagens por clubes como Odivelas Basket, Atlético CP, NB Queluz e Sport Algés e Dafundo.