Antes de irmos ao jogo em si e às emoções do mesmo, recordemos como se encontravam ambos os clubes e o futebol inglês. A década de 80 não foi, para os clubes ingleses, uma época dourada. Talvez o tenha sido a espaços, mas a violência entre adeptos e a penalização europeia, que viu todas as equipas inglesas banidas de todas as competições europeias por tempo indeterminado, viria a manchar a década. O Liverpool acabou por ser banido por seis anos, e os restantes clubes ingleses por cinco.

No meio de tamanho turbilhão a First Division, em 1989, era claramente o maior entretém dos adeptos ingleses. Contudo, a época ficaria marcada com mais um ponto baixo na história do futebol inglês: a tragédia de Hillsborough. O desastre ocorreu em abril de 89, faria 96 vitimas mortais e ficaria para sempre marcado na memória de todos. Devido ao incidente, o jogo de 23 de Abril que iria opor Liverpool e Arsenal seria então adiado e passaria a ser o último jogo da época, a 26 de maio, após a realização da final da Taça de Inglaterra, tradicionalmente a última partida da temporada.

Numa década marcada por imensos desacatos e tragédias, as equipas viviam períodos da sua história muito distintos. O Liverpool, detentor de dezassete títulos até então, era a equipa que dominava o futebol inglês. Não só o futebol inglês como, antes da suspensão, também o futebol europeu. Com dois títulos europeus (Taça dos Campeões Europeus) e seis títulos da First Division na década de 80, bater o Liverpool era missão quase impossível. Numa altura em que as regras permitiam apenas ter dois jogadores no banco de suplentes, Kenny Dalglish era o homem aos comandos do campeão em título e o líder em quem todos confiavam.

Já o Arsenal, no que a resultados diz respeito, vivia um momento menos positivo. Com apenas oito títulos no seu palmares mas um jejum de dezoito anos, os Gunners vinham de uma época em que não só tinham acabado em sexto lugar, como tinham visto o Liverpool, mais uma vez, aniquilar toda a concorrência. Com o capitão Tony Adams, produto das escolas do Arsenal, a equipa de Londres já tinha tido, durante a época, uma vantagem de onze pontos sobre o Liverpool. À entrada para a última jornada, estava agora atrás do mesmo Liverpool, a três pontos de distância.

26 de Maio de 1989

O jogo, a ser disputado em Anfield, é talvez o mais antecipado da história do campeonato inglês. E mesmo que, objetivamente, não o seja, este foi, para muitos, o campeonato mais renhido de sempre. Com o Liverpool a ganhar os últimos dois jogos que antecederam o embate, e com o Arsenal a perder com o Derby County e a empatar com o Wimbledon, uma reviravolta na tabela tinha acabado de acontecer mesmo no final da temporada, com os Reds a ultrapassarem os Gunners.

Assim, antes do apito inicial, o Liverpool liderava a classificação com mais três pontos que o Arsenal, 76 e 73 pontos respetivamente. Só uma vitória do Arsenal poderia mudar este cenário e colocar, em definitivo, os Gunners na liderança. Mas não poderia ser uma vitória qualquer. Tendo o Liverpool um saldo de golos de +39 e o Arsenal de +35, para que os londrinos conseguissem ultrapassar o gigante do norte de Inglaterra, teria que vencer o jogo por dois golos de diferença. Desta feita o número de pontos ficaria igual (76), a diferença de golos de ambas as equipas ficaria também igual (+37) mas como o Arsenal tinha mais golos marcados, 71 contra os 65 do Liverpool, os Gunners levariam a melhor.

“Nós queríamos sucesso, e tudo faríamos para o ter.” Tony Adams

Com as emoções à flor-da-pele e as contas para o título todas feitas, chegava então a altura de se decidir quem levaria o título de campeão para casa. E caso não fosse essa razão suficiente para a importância do jogo, esta era a centésima edição da First Division, um marco histórico do qual todos queriam fazer parte, como vencedores.

O último minuto - Spoiler Alert

Numa tarde de primavera, a pontualidade inglesa não se destacou: os adeptos do Arsenal ficariam retidos no trânsito a caminho do estádio e o jogo foi adiado alguns minutos para evitar males maiores devido à pressa dos mesmos à entrada. Antes do apito inicial, e após apresentadas as equipas, tempo ainda para a devida homenagem do Arsenal às vitimas do desastre ocorrido no mês anterior no estádio Hillsborough, em Sheffield. Sem que coubesse mais ninguém em Anfield Road, casa dos Reds, uma lotação de 41.783 espetadores estava a postos para o começo do jogo.

Com o Liverpool a jogar num tradicional 4x4x2, que favorecia o seu futebol de passe constante, o Arsenal guardou para o jogo decisivo uma surpresa. Dando o papel de ‘sweeper’ - um elemento a jogar por detrás dos defesas centrais, formando um trio defensivo em triângulo - a David O’Leary, permitiu assim maior consistência e presença na zona central e, ao mesmo tempo, maior profundidade por parte dos seus laterais Lee Dixon e Nigel Winterburn num 5x3x2 pouco usual para os Gunners. A tática dos londrinos viria a dar frutos, visto que na primeira parte ambas as equipas se anularam. O empate a zero permanecia e tudo estava em aberto para uma segunda parte que viria a ser histórica.

Sete minutos jogados na segunda metade e o Arsenal passa para a frente do marcador. Após marcação de um livre indireto por parte de Winterburn, Alan Smith colocou a bola no fundo da rede. A fazer lembrar o video-árbitro de hoje, o golo levou alguns segundos até ser validado, com os jogadores do Liverpool a protestarem, uns por mão na bola, outros por não ter havido contato na bola por parte de Smith (tendo o cruzamento partido de um livre indireto, o golo teria que ser, dessa forma, anulado) e outros ainda por um suposto empurrão de O'Leary a um defesa do Liverpool. O que é certo é que, após conferência entre árbitro e assistente, o golo foi mesmo validado. E as imagens dão razão ao árbitro e ao fiscal de linha.

“É, de longe, o melhor final de jogo que alguma vez vi no futebol” Ian Wright

O tempo passava e o jogo estava completamente em aberto. O treinador do Arsenal, George Graham, passou a equipa para o seu habitual 4x4x2, mais ofensivo que a táctica inicial, e o jogo ficou ainda mais incerto. Tanto Liverpool, como Arsenal foram tendo hipóteses claras para marcar, mas nenhuma equipa foi mesmo capaz de bater o guarda-redes adversário.

E assim chegava o minuto 90 e com ele mais dois minutos de descontos. O Liverpool, a fazer o que podia para deixar o tempo passar, conseguiu ir ‘empatando’ tempo. Aos 91 minutos, com apenas um minuto mais por jogar, John Barnes, o número 10 dos Reds tem a bola controlada junto a uma bandeirola de canto no meio-campo do Arsenal e a oportunidade de perder um pouco mais de tempo. Ao invés, o extremo inglês decide entrar pela área dos Gunners a dentro, acabando, no entanto, por ser desarmado por Kevin Richardson. Recorrendo à antiga regra de se poder passar para o próprio guarda-redes, a bola acaba nas mãos do número 1 do Arsenal, John Lukic. Lukic lança rapidamente o contra-ataque, numa equipa do Arsenal desesperada à procura de um golo que os levasse à conquista da liga, aproveitando um Liverpool apanhado em contra-pé.

Quanto ao resto, é história (e feita por um jogador bem conhecido dos benfiquistas):

Pedro Carreira é um jovem treinador de futebol que escolheu a terra de sua majestade, Sir. Bobby Robson, para desenvolver as suas qualidades como treinador. Tendo feito toda a sua formação em Inglaterra, passou por clubes como o MK Dons e o Luton Town, e também pela Federação Inglesa, o seu sonho é um dia poder vir a treinar na melhor liga do mundo, a Premier League. Até lá, pode sempre acompanhar as suas crónicas, todas as sextas, aqui, no SAPO 24. E não se esqueça que poderá sempre juntar-se à nossa liga SAPO 24 na Fantasy Premier League. O código de acesso é o 3046190-707247.