De todas as previsões feitas à temporada 2018/2019, poucas vaticinavam um destino risonho ao Sporting. A convulsão que afetou o clube - desde as agressões em Alcochete aos processos de rescisões, passando pela mudança de presidente e de treinadores - condenava a atual época cessante a uma espécie de ano zero, de controlo de danos mais do que obtenção de títulos.

Porém, com a vitória do Sporting sob o Porto após desempate por grandes penalidades na final da Taça de Portugal, o clube leonino acabou mesmo por vencer dois títulos internos, ficando apenas aquém do campeonato para passar de uma época suficiente para uma temporada extraordinária. E os adeptos sentiram-no.

Com a conquista da “prova rainha” do futebol nacional, o Sporting convidou todos os adeptos a dirigirem-se ao seu Estádio para a comemoração, que se queria farta e feliz. Da romaria ao Jamor para a romaria a Alvalade.

Nas linhas de Metro que passavam pela estação do Campo Grande, quase todos os corpos que se viam nos comboios estavam listados a verde e branco, um sinal seguro de qual era o seu propósito para aquela noite. Contudo, era calmo o ambiente que se vivia numa determinada composição que se dirigia para Telheiras, passando pelo estádio onde se queriam todos os sportinguistas capazes.

A calmaria foi interrompida por um grupo de jovens a saltar, gritar e cantar de alegria pela conquista da taça. Os restantes utentes iam observando o espetáculo sem se manifestar, algo que levou o líder do conjunto juvenil a atravessar a carruagem para gritar “depois do que nos aconteceu no ano passado, não estão a gritar? Não vos estou a reconhecer!” A advertência não deixou os presentes indiferentes. Na cabeça de muitos ainda pairava a derrota da época passada frente ao Desportivo das Aves - consentida na mesma competição agora ganha -, depois de uma semana que deixou o Sporting de rastos.

Esse foi um sentimento nutrido por muitos dos cerca de 20 mil adeptos que se deslocaram para a festa no estádio de Alvalade, como por exemplo Miguel, 43 anos, que veio com os seus dois filhos, João e Diogo (com 8 e 7 anos, respetivamente). "Não consigo explicar a que é que sabe esta vitória depois de tudo o que aconteceu nos últimos tempos ao Sporting. É provavelmente a taça mais saborosa que já vivi", expressa o fã verde e branco, que já viveu várias taças no Jamor mas que ficou em casa nesta para poder ver com os rebentos. Para si, a vitória de uma taça “com outro sabor” depois da adversidade “é a prova de que o Sporting é grande, está vivo e não pára”.

Igual sentimento tiveram Mafalda, Rita e Sara. Adeptas fervorosas do Sporting, as três estiveram presentes na final do ano passado e sentem que este triunfo foi “o ultrapassar desse sofrimento”, já que foi “a conquista num ano difícil, com todos os problemas que houve ao longo desta época e que teve como culminar uma vitória para os sportinguistas", explica Rita.

Havendo a noção de que um patamar fora ultrapassado, o Estádio de Alvalade engalanou-se para receber os vencedores da taça. Por volta das 22h30, enquanto lá fora ainda havia um grupo de poucas centenas concentrado à esquerda da escadaria principal em cânticos e verylights, muitos adeptos iam arrepiando caminho para dentro do estádio para escolherem logo as suas cadeiras.

Um deles foi Rui, de 43 anos, que escolheu um lugar da bancada central mais elevado para ver os festejos. Tal como os outros adeptos acima citados, também este acredita que o título tem uma carga simbólica. "Nós merecíamos isto depois da época atribulada que tivemos desde início, mas fomos mostrar a nossa garra! Nós somos leões!" diz com entusiasmo. Quanto a si, a vitória deste segundo troféu da época pode significar “um recomeço”, mas para já comemora. “ A festa é em Lisboa, caraças!", conclui.

E foi festa aquilo que se viveu em Alvalade. Apesar do estádio estar longe da sua lotação, os que compareceram criaram um ambiente próximo daquele de um jogo. Celebração de cariz particularmente familiar, houve, ainda assim, muitos grupos de jovens, compostos por homens e mulheres, e também membros das claques do clube.

Enquanto que nos ecrãs gigantes passavam imagens gráficas alusivas à vitória, no centro do campo estava um palco montado com a Taça da Liga exposta, à espera da sua mais recente colega. E enquanto se esperava pelos jogadores, a animação esteve a cargo de Mastiksoul, que intercalou versões musicadas de cânticos clássicos do clube, como “Só Eu Sei” e “O Mundo Sabe Que”, com canções pop, passando pela sempre obrigatória “We Are The Champions”, dos Queen.

Enquanto a equipa não chegava, os adeptos foram continuando a entrar, incluindo vários que foram festejar mas que optaram por ser um pouco mais analíticos em relação à Taça. Foi o caso de Diogo, de 23 anos, que veio acompanhado do pai, Luís, de 54 anos. Para o jovem, o triunfo foi “bom, mas no ano passado já deviam ter ganho”, considerando que o desaire prévio tem de deixar de ser mencionado pois “já não é desculpa para nada”. A seu ver, o caminho “é para a frente”. “Ganhámos a deste ano, agora venha a próxima. Campeonato e tudo”, afirma.

Só que nesta família, a máxima do “tal pai, tal filho” não se aplica exatamente. Luís, o pai, diz que “tendo em conta tudo o que aconteceu, foi uma época positiva”. “Não fomos campeões, nem poderíamos ser, mas no princípio da época não pensei ficar em terceiro lugar, por exemplo, e ganhar duas taças”, adianta, admitindo mesmo ter pensado que o clube iria “lutar para não descer de divisão”.

O que é certo é que tal não aconteceu, e ao fim de quase duas horas de espera, os jogadores finalmente chegaram ao relvado do estádio. Numa cerimónia apoteótica, os atletas foram sendo chamados um a um, assim como equipa técnica e funcionários. Estando muitos acompanhados dos seus filhos, Coates, Acuña, Battaglia, Raphinha, Mathieu, Bas Dost e o roupeiro Paulinho foram os mais ovacionados.

O momento alto da noite chegaria com a subida do capitão de equipa, Bruno Fernandes, a empunhar a taça, sendo recebido com gritos do seu nome. Passava pouco da meia-noite, quando o médio goleador levantou o troféu e a Marcha do Sporting, de Maria José Valério, se fez ecoar.

A cerimónia não terminou sem antes haver discursos. Se o do treinador Marcel Kaizer, pautado pela sua postura habitualmente polida, foi manchado por assobios das claques à polícia depois de vários adeptos serem impedidos de invadir o campo, o de Bruno Fernandes reuniu consenso de todos os adeptos.

“Como sabem, este foi um ano muito difícil para todos”, destacou o capitão, espelhando muitos dos sentimentos dos presentes. “Conseguimos conquistar duas taças, mas isto não nos satisfaz, sei que querem mais, também queremos mais” disse o médio, perante uma chuva de aplausos. Mesmo tendo sido colocado na órbita dos grandes clubes europeus, Bruno Fernandes falou de um futuro no clube. “Não vos peço mais do que têm feito, peço-vos igual e vamos tentar fazer melhor”, prometeu, sendo recebido por gritos de “fica, fica, fica”.

Com os discursos findados, os adeptos foram convidados a colocar os cachecóis ao alto para cantar “O Mundo Sabe Que” uma última vez naquela noite, mas que esperam que seja a primeira de muitas para celebrar títulos.