Numa análise ao atual momento da economia, publicada pelo supervisor bancário, o governador, Mário Centeno, alerta que no final deste ano, “cerca de 70 mil famílias poderão vir a ter despesas com o serviço do crédito à habitação permanente superiores a 50% do seu rendimento líquido”, recordando que “no final 2021, já eram 36 mil famílias”.

“O reforço da poupança e a redução do endividamento, bem como os apoios públicos e o papel do setor bancário na prevenção do incumprimento podem mitigar estes riscos”, aponta.

A cerca de um mês da entrega do Orçamento do Estado para 2024 (OE2024), na publicação intitulada “encruzilhada de políticas”, o antigo ministro das Finanças considera que “a política orçamental deve continuar a orientar-se pela noção de que não se alterou aquilo que há cinco anos não era financiável”.

Numa altura em que a revisão das regras orçamentais de Bruxelas está em discussão, mas a proposta da Comissão Europeia dá mais peso à evolução da despesa primária, Mário Centeno recorda que “o peso da despesa permanente na economia continua acima de 2019”, defendendo que “deve reduzir-se para garantir a sustentabilidade ao longo do ciclo económico”.

Depois de traçar um retrato positivo da evolução do país desde 2015, Mário Centeno argumenta que “a conclusão da recuperação da crise pandémica, o arrefecimento da inflação e a necessidade de encontrar as fontes de crescimento nos fatores estruturais fazem de 2023 um ano charneira”.

Risco de fazer demais nas taxas de juro começa a ser material

O governador do Banco de Portugal (BdP) defendeu hoje que a redução da inflação para a meta de 2% do Banco Central Europeu (BCE) está próxima e o risco de “fazer demais” na política monetária começa a ser material.

Numa análise ao atual momento da economia, publicada hoje pelo regulador bancário, intitulada “encruzilhada de políticas”, Mário Centeno reflete sobre os desafios económicos que se colocam a Portugal e à zona euro e sobre o caminho das políticas a seguir, argumentando que a conjuntura apela a políticas centradas na função estabilizadora.

“Na dimensão monetária, o risco de 'fazer demais' começa a ser material; a inflação tem-se reduzido mais rapidamente do que subiu e a economia está a ajustar-se às novas condições financeiras”, escreve o governador do BdP, na análise que passará a divulgar anualmente.

“A inflação deverá aproximar-se dos 2%”, já que “na ausência de novos choques e com a materialização da transmissão da política monetária à economia, o objetivo de médio prazo está ao nosso alcance no horizonte próximo”, defendeu.

A análise de Mário Centeno surge antes da reunião da próxima semana do Conselho de Governadores do BCE, que segundo as intervenções dos responsáveis será baseada em dados.

“O enquadramento económico (externo) mostra sinais de desaceleração e mesmo com dimensões recessivas. Os indicadores económicos da área do euro divulgados em julho não são animadores, mas o cenário em que evitamos uma recessão está ainda no centro das nossas avaliações”, acrescenta o governador português.

A sustentar o argumento, aponta as tendências dos principais indicadores da zona euro em julho: atenuou-se a concessão de empréstimos, regista-se a maior contração no setor privado, melhora a confiança dos consumidores, piora a confiança dos investidores, enfraquece e quase estagna a atividade do setor dos serviços, a recessão agrava-se na indústria transformadora, arrefeceu a pressão sobre os preços e abrandou para um mínimo o emprego.

Para Mário Centeno, depois de “assegurada a convergência para a estabilidade de preços, a política monetária deverá traçar um caminho previsível de redução das taxas de juro, mas longe dos tempos de taxas de juro de zero ou mesmo negativas”.

Considera ainda que na vertente orçamental “deve preservar-se o equilíbrio para reduzir a dívida num contexto de inflação baixa e taxas de juro mais elevadas”.

Recorda ainda a resposta europeia à pandemia para defender que “esse momento, sublime, da construção europeia, deve ter sequência na resposta a dar em mais uma encruzilhada”.

“As políticas económicas devem continuar a combater as causas da inflação, porque esta é um sintoma, minimizando os riscos de desestabilização para os cidadãos e lançando as bases para um novo ciclo económico. Neste momento difícil para a geopolítica e a economia, a estabilidade e previsibilidade das políticas são o nosso maior ativo”, disse.