O padre Jardim Moreira descreveu, em entrevista à Lusa, o estado da pobreza em Portugal, recorrendo a números e à experiência de vida, apontando erros como a estratégia assistencialista em detrimento do desenvolvimento do Governo e a segregação das pessoas que passaram a viver em bairros periféricos e se sentem marginalizadas.

Começando pelos números, o responsável da instituição (EAPN na sigla em inglês) revelou que o “número de trabalhadores pobres em Portugal aumentou de 12% para mais de 20% desde a chegada da covid-19”.

Partindo desta realidade, o padre Jardim Moreira sustenta haver “um empobrecimento generalizado em Portugal”, agravado com a crise mundial, o aumento do preço dos bens de consumo e da energia.

“Isto tem que ver com as empresas, com a retração das empresas, do emprego precário, mas também com os imigrantes, pois há muita gente a entrar, do Brasil, de África e até mesmo do Médio Oriente”, disse, antes de acrescentar que “outro índice não contabilizado é o da discriminação a algumas etnias, pois as empresas não aceitam qualquer pessoa”.

Para o responsável, “há uma amálgama que ameaça tornar-se num barril de pólvora”.

A isto juntou ainda “o problema dos idosos, cujo número de pessoas sozinhas aumentou devido à covid-19, ficando sem apoio familiar e económico”.

Olhando para o mapa nacional, o padre Jardim Moreira apontou que a “pobreza é muito diversificada e cada região tem problemas específicos”, explicando que o “Porto é a zona do país com mais gente a viver do RSI [Rendimento Social de Inserção]”.

“Depois há a etnia cigana, que em maior número se encontra no Alentejo, a viver em barracas, sem nenhuma condição de higiene. A isto junta-se o problema agrícola em Odemira, os pobres do Algarve e o Interior com o isolamento das pessoas. Não, a pobreza não é homogénea, de maneira nenhuma”, frisou.

Neste sentido, alertou, pensar-se “numa resposta homogénea a isto dá asneira”.

Do breve revisitar da sua memória trouxe a informação de que “em 1989 não havia em Portugal dados sobre a pobreza e sobre o desemprego e que os primeiros apareceram em 1995, referente a 1994, indicando que o número de pobres ultrapassava os dois milhões”, voltando célere ao presente para lamentar que os números atuais mostrem “2,3 milhões de pobres” em Portugal.

“Sem querer ofender ninguém, temos de pensar que institucionalizamos a pobreza, temos os índices todos, temos o INE [Instituto Nacional de Estatística] a dar números, mas não atingimos as causas que geram a pobreza”, insistiu o responsável.

Voltando aos números, citou outro estudo publicado há dois anos em Lisboa que mostrou que “uma pessoa que nasce pobre em Portugal precisa de cinco gerações para sair da pobreza” para depois perguntar se é para “andar cinco gerações a alimentar os pobres”.

“Temos investido muito na necessidade de se fazer um diagnóstico o mais correto possível das realidades nacionais e apresentar propostas que atinjam a causa, porque, se não as atingirmos, estaremos sempre a alimentá-la, a reduzi-la e a fazer da pobreza hereditária”, voltou a alertar o pároco do Porto.

Apontado para quem decide, pediu “coragem política para intervir nas causas”, insistindo que “não é só com dinheiro que se resolve a pobreza, nem com políticas públicas assistencialistas”.

“Não podemos passar de um regime social para um regime assistencialista. Falta o acompanhamento e o desenvolvimento”, criticou.

“Temos de pensar que, se temos mais de 20% dos trabalhadores pobres, há que lembrar às empresas a sua responsabilidade social, porque também estão a criar pobres ao não lhes pagar o suficiente para viverem em família”, defendeu antes de pedir um “desígnio nacional onde todos sejam construtores de uma nova ordem” e não fiquem “apáticos ou indiferentes a dois milhões de portugueses”.

“Se assim não for, significa que a democracia está doente”, refletiu.

Afirmando concordar que se “evite que alguém morra de fome”, reclama, contudo, “uma estratégia para que as pessoas saiam da pobreza, onde elas desenhem o seu projeto de desenvolvimento e felicidade”, acabando de vez com “erros como o da saída das pessoas do centro das cidades para bairros periféricos onde foram destruídas, marginalizadas, num processo que não só as estigmatizou como criou mais pobreza e exclusão”.