Em causa estão casas de construção informal que se foram multiplicando ao longo dos anos, à base das chapas de tambores, madeira, algumas pedras e normalmente uma base de cimento, por norma sem acesso à rede de eletricidade pública ou outros serviços essenciais.

Para mudar este cenário, a delegação de São Vicente da Organização da Mulheres de Cabo Verde (OMCV) lançou o projeto "Luz para as meninas", com financiamento de uma Igreja, prevendo equipar 50 casas de 'tambor' da ilha com estes painéis solares.

"O significado de 'luz' toma diferentes sentidos, de iluminar, mas também como esperança, ou outra forma de ver o seu desenvolvimento dentro da sua família", explicou à Lusa a delegada da OMCV em São Vicente, Fátima Balbina Lima.

Por isso, este projeto irá abranger casas em que haja no mínimo uma menina a estudar, independentemente do nível de ensino, precisamente para as apoiar nos estudos.

"Não quer dizer que só a menina será a beneficiada, porque o equipamento estará à disposição de toda a família. Mas a menina é a referência na nossa prioridade, tendo em conta que a ilha possui, de acordo com recentes dados, mais de duas mil habitações de 'tambor'", garante.

Aquela Organização Não-Governamental (ONG) está a trabalhar com a empresa Prosol e assim conseguiram reduzir os custos dos equipamentos num projeto que abrange ainda formação e instalação, avaliado em mais de um milhão de escudos (9.000 euros).

"Elaboramos um projeto para 100 'kits', o financiador, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que é nosso parceiro há alguns anos, resolveu financiar-nos 50 para neste início percebermos qual o impacto deste projeto na vida das pessoas. Depois iremos dar seguimento a mais 50 'kits' e tentaremos buscar novos parceiros para abrangermos mais casas", explicou a responsável.

Já em 2021 um outro projeto da organização, de reabilitação de casas de banho de famílias com dificuldades económicas, enfrentou algumas dificuldades, que impediram que algumas casas selecionadas fossem beneficiadas, devido sobretudo à informalidade.

"Não as conseguimos ajudar porque as suas casas não estavam legalizadas. Sendo que não eram legais, se formos fazer um trabalho no terreno, amanhã as casas podem ser derrubadas e o trabalho fica perdido", lamentou Fátima Balbina Lima.

Apesar de não defender a política da informalidade, o novo projeto poderá abranger residências clandestinas, uma vez que os painéis, sendo portáteis, poderão ser retirados e implantados noutro espaço, em caso de deslocalização da família.

"A nossa filosofia não é de apoiar casas clandestinas. O nosso desejo era que não houvesse mais casas de 'tambor' ou clandestinas, que as famílias vivessem em melhores condições, mas enquanto não chegamos lá vamos apoiando as famílias que por causa de falta de opção e de oportunidade tiveram de construir uma casa de 'tambor' para viverem", relatou.

A pobreza extrema, de acordo com esta fonte, afeta a autoestima das famílias, como na falta de acesso a serviços de saneamento e por isso resolveram lançar mão a este projeto.

"Este equipamento irá permitir aos moradores da casa terem mais autonomia para carregar o telemóvel ou computador e as crianças da família poderão estudar à noite, se for o caso", explicou Fátima Balbina Lima.

O projeto, ambicioso, apesar dos recursos escassos, irá custar mais de 20 mil escudos (200 euros) por painel solar, já com a sua instalação e, num país onde o sol é um dos recursos mais abundantes é visto como uma alternativa à eletricidade convencional, sobretudo numa altura em que as tarifas têm vindo a aumentar.

"É uma inovação que certamente irá trazer grande alento a pessoas que vivem em casas de 'tambor' e o nosso objetivo é trazer melhorias para a sociedade. Claro que queremos sempre fazer muito, mas não conseguimos por sermos uma ONG, sem fins lucrativos, por isso corremos atras dos recursos, que ainda são poucos", acrescentou.

O cenário de informalidade é visível em alguns pontos da ilha de São Vicente, a segunda mais populosa de Cabo Verde e considerada a capital cultural do arquipélago, mas foi também confirmado pelos dados do quinto Recenseamento Geral da População e Habitação (RGPH-2021), realizado em julho de 2021 pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

Dos 23.976 edifícios recenseados na ilha de São Vicente, apenas 68,5% estão concluídos, o terceiro pior registo dos 22 concelhos (nove ilhas habitadas). E desse total, 7,3% são considerados como edifícios "não clássicos", que o INE descreve como barracas ou casas de bidão, a percentagem mais elevada do país e que corresponderá a 1.750 desses edifícios só em São Vicente, mais de metade dos 2.977 contabilizados em Cabo Verde.

As construções de casas informais nas ilhas de Cabo Verde têm aumentado, pois de acordo com dados do recenseamento realizado em 2010, foram identificados 1.603 edifícios "não clássicos" em Cabo Verde, pelo que os dados de 2021 indicam um crescimento de 85,7%.

A maioria das 'barracas' estão localizadas em São Vicente (7,3%), seguindo-se o Sal (6,6%) e a Boa Vista (3%).

A situação inspirou esta ONG a lançar-se no desafio de minimizar as dificuldades destas famílias. Depois da chegada dos painéis, que já foram adquiridos, o projeto entra em fase de implementação e dentro de três meses a ONG espera ter tornado as primeiras 50 habitações autónomas em termos de energia.

Além do equipamento, as famílias irão receber nesta instituição, ligada às causas da mulher, uma formação sobre a conservação do equipamento e um grupo de jovens locais, que vão trabalhar na instalação dos painéis, receberá igualmente formação para o efeito.

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