"Vou avançar. O senhor Presidente da República ainda não anunciou a data das eleições. Mas quando decretar, sem dúvida que me vou pronunciar", afirmou Lere Anan Timur, em entrevista à agência Lusa.

"Já tenho 70 anos e este é o último passo na carreira. Vou tentar chegar até lá", disse.

Para que isso ocorra, depois de o chefe de Estado marcar as eleições, é necessário concluir a sucessão na liderança das Falintil-Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL).

"É um processo que não é complicado, mas que depende da boa vontade do senhor Presidente da República, para não complicar a minha situação", explicou.

"Eu estou na idade da reforma, já cumpri até mais do meu mandato. Já estou no terceiro mandato, que é uma coisa nova. É tempo de pedir a minha reforma", acrescentou.

O requerimento com o pedido vai ser enviado ainda este mês para o Presidente, disse, iniciando-se depois o processo de nomeação do seu sucessor.

"Tem de haver boa vontade do senhor Presidente. Somos irmãos e um irmão não pode trair outro. Se recusar tem de explicar porque é que recusa a minha reforma", disse.

Se o pedido de passagem à reforma for aceite, Lere Anan Timur vai preparar uma proposta com potenciais sucessores no cargo que enviará ao ministro da Defesa, Filomeno Paixão de Jesus, a quem cabe depois reunir o Conselho Superior Militar.

Uma proposta será levada por Filomeno Paixão ao Conselho de Ministros, que fará depois uma recomendação para o Presidente, a quem cabe fazer as nomeações.

Para Lere, porém, a boa vontade de Francisco Guterres Lú-Olo devia ser ainda mais ampla, cedendo o espaço ao comandante militar para que seja só ele o único candidato do partido em que os dois militam, a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin).

Lere, aliás, considera que a Fretilin tem de apoiar a sua candidatura, "queiram ou não queiram", porque é membro do Comité Central do partido e que assim é preciso "chegar a um entendimento" com o atual chefe de Estado.

"Eu e o Lu-Olo temos de chegar a um entendimento. Eu vou dizer: irmão, já estiveste como presidente do Parlamento, como PR, porque é que não me cedes este período agora? Quero chegar a um acordo com o irmão Mari [secretário-geral da Fretilin] e Lu-Olo de um só candidato", afirmou.

O mesmo relativamente a outro dos potenciais candidatos, o ex-Presidente da República José Ramos-Horta, que tem sido apontado como potencial candidato apoiado por Xanana Gusmão, presidente do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT).

"O irmão Horta também podia pensar bem nisso. Já foi Presidente, é Nobel da Paz. O meu irmão deve refletir e pensar bem. Que obra é que deixou incompleta no seu mandato? Deixou alguma", questionou.

"Eu sempre disse que de 2022 a 2027 são cinco anos decisivos. A última oportunidade para a velha geração, dos katuas. Até lá Xanana terá 80 e tal anos, assim como Ramos-Horta e Mari. É bom serem só pais da nação nessa altura", considerou.

Para já, referiu, o seu apoio mais consolidado está entre "os veteranos, o pessoal da resistência" e da luta contra a ocupação indonésia, mas garantiu que o seu apoio é maior, "e em todo o país, não só na ponta leste" de onde é originário, ou da Fretilin.

Questionado sobre se gostava de ter o apoio de Xanana Gusmão, Lere recordou que o líder histórico é seu padrinho de casamento e os laços que os unem.

"Estivemos sempre ao lado do nosso irmão, prontos até a oferecer a nossa vida para salvar a dele, como irmão dele. E um irmão não abandona outro. Mas com ou sem o apoio dele, vou avançar", garantiu.

Nas últimas semanas tem se falado de outro eventual apoio à candidatura de Lere, de José Naimori, líder do Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO), um dos três partidos no Governo e cuja mulher, Armanda Berta, presidente do partido e atual vice-primeira-ministra, anunciou já a intenção de também se candidatar à Presidência da República.

Lere Anan Timur nega acordos políticos e explicou que as conversas e diálogos com Naimori -- estiveram juntos recentemente em cerimónias tradicionais, por exemplo -- tem a ver exclusivamente com "relações emocionais e pessoais e não políticas".

"O partido do Naimori veio das artes marciais, do Korka. Até a minha própria família está dentro da Korka e há esta relação emocional de tio e tia, irmão e irmã. Falámos por causa desta relação pessoal, mas não é política", reforçou.

Ainda que agora assuma uma corrida eminentemente mais política, Lere nunca deixou de ser uma voz política, mesmo nas funções atuais, o que suscitou várias críticas de vários quadrantes, algo que rejeita.

"Muitos desses que falam dizem que o padre se quer falar de política deve tirar a batina. Mas o padre quando fala política não fala de partidos. A sua função e obrigação é estar ao lado dos indefesos, dos que não têm voz. Assim como eu", considerou.

"Sou militar, sempre disse que sou Fretilin, desde 1975 fui sempre da Fretilin. Se a Fretilin não existisse eu diria que era da Fretilin. Mas não sou general da Fretilin. Quem critica, não pensa", insistiu.

E rejeitou comparações com outros generais do mundo que aproveitaram as independências para "se sentar na cadeira", afirmando: "Eu edifiquei o Estado, a nação de Timor-Leste, com o meu próprio sangue e eu preocupo-me com a estabilidade nacional e o desenvolvimento".

"Se falasse do meu partido ou do partido A ou B, estria contra a Constituição, mas sou como o padre, que está ao lado dos desprotegidos, que não têm voz e que sofrem. No impasse político, não podem calar a boca dos militares e andarem a fazer como querem", afirmou.

"Aqui em Timor-Leste, toda a gente diz: 'fakaran ba rai Timor', derramar o sangue pelo povo de Timor. Eles só falam teoria, mas eu não, eu derramei o meu próprio sangue", disse, apontando para o dedo que perdeu num combate", disse.

Reiterando que nada o impede de falar, assegurou que vai manter sempre a "voz política". "E quando for político só vou ter ainda mais voz", enfatizou.

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