"A prisão foi uma experiência enriquecedora para quem sabe estar num processo de libertação de um regime comprovadamente opressivo", começa por recordar o 'rapper' luso-angolano Luaty Beirão, de 34 anos e um dos 17 condenados a penas efetivas de cadeia a 28 de março de 2016.

No mesmo dia começou a cumprir a pena de cinco anos e meio de prisão, interrompida, tal como os restantes colegas, após decisão favorável do Tribunal Supremo ao recurso interposto pela defesa.

"Saí de lá mais maduro e mais apto para levar a cabo um trabalho desta natureza", assume Luaty Beirão, um dos mais críticos do regime angolano entre o grupo dos 17 condenados, dos quais 15 chegaram a cumprir prisão preventiva entre junho e dezembro de 2016.

A detenção destes jovens - sobretudo estudantes, professores e outros licenciados -, que se reuniam em Luanda para discutir política e alternativas para o país, os meses de prisão preventiva, a condenação por atos preparatórios para uma rebelião e associação criminosa a penas entre os dois e os oito anos e meio de prisão, colocaram a defesa dos direitos humanos em Angola nos holofotes internacionais.

Por isso mesmo, Luaty Beirão, no ativismo desde 2011 e que neste processo chegou a fazer uma greve de fome de 36 dias na prisão, garante que hoje sente "menos pressões do que antes" e ainda em fevereiro não se coibiu de voltar a integrar um protesto pacífico de rua, em Luanda, tendo recebido tratamento médico ao ser mordido por cães da polícia, que travaram a manifestação antigovernamental.

Sem ilusões, o músico admite, no entanto, que as eleições de agosto, com a saída de José Eduardo dos Santos, façam mudar alguma coisa no país. "Alguma coisa forçosamente irá mudar. Depois de 38 anos, o cadeirão máximo será ocupado por uma pessoa nova, a profundidade da mudança é que ainda está difícil de descortinar, mas não me parece que irá muito para lá de mera cosmética".

Formado em engenharia, Luaty ainda vive da música, mesmo que já depois de colocado em liberdade tenha visto concertos em Luanda barrados pelas autoridades, e de traduções.

"Faço muito menos traduções agora. O tempo está praticamente consumido na totalidade pelo ativismo", conta, admitido viver "dificuldades apenas conjunturais".

"As mesmas que a maior parte dos angolanos, num grau muito, muito inferior", sublinha.

Sobre o dia 28 de março de 2016, data da condenação em tribunal, um ano depois ainda se refere, tal como acontecia no início do julgamento, ao "dia em que o expectável aconteceu".

"Foi o último ato da palhaçada, a condenação ridícula e vergonhosa para todo o sistema de justiça angolano. Nós já sabíamos dessa sentença no dia em que fomos formalmente acusados daqueles crimes risíveis", recorda.

Condenados há precisamente um ano e libertados três meses depois por decisão do tribunal, os 17 jovens ativistas foram abrangidos pela amnistia aprovada no mês seguinte, pelo parlamento, para todos os crimes, excetuando os de sangue.

Contudo, estes ativistas continuam a recusar a amnistia concedida em agosto, por esta não permitir levar o processo - e os recursos da condenação em tribunal -, até ao fim. Ou seja, provar a inocência ou, como dizem, que o Tribunal comprove a culpa.

"É frustrante que ainda não tenhamos avançado substancialmente com o processo de recusa. Somos 16 a querer recusar a amnistia. Mas há qualquer coisa que não me cai bem com a expressão 'provar a inocência', uma certa inversão da lógica pois, na verdade, somos inocentes até que fique provado o contrário", afirma Luaty Beirão.

"O nosso argumento legal é justamente que não tendo o nosso caso transitado em julgado, gozávamos de presunção de inocência e um inocente não pode de forma alguma ser amnistiado", defende o 'rapper' e um dos rostos deste grupo.

PVJ // VM

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