Não há muito tempo - nas últimas décadas do século passado, mais ou menos - o conservadorismo viveu uma época favorável, com Ronald Reagan nos Estados Unidos da América e Margaret Tatcher no Reino Unido. Normal, depois do período liberal dos anos 1960-70, com a “paz e amor” e os movimentos de emancipação das várias minorias. Era o conservadorismo definido por William Buckley, um dos seus teóricos proeminentes: “Um conservador é alguém que vai contra o avanço da História, a gritar-lhe que pare.” Ainda hoje encontramos defensores dos seus cânones, um pouco perdidos com a ascensão de uma fórmula completamente diferente, o conservadorismo nacionalista.

Lembremo-nos que o conservadorismo tradicional era contra grandes interferências do Estado na economia (big government), a favor da globalização e do multilateralismo, contra os sindicatos e as ideias igualitárias ou de compensação das desigualdades.

Na época, os liberais ficaram horrorizados com este reaccionarismo ao progresso. Mal sabiam eles, satisfeitos com a mudança de ventos que se seguiu, que outra onda conservadora viria a seguir - uma onda que está agora em crescimento, que não tem nada a ver com a anterior. Em vez de reacionária, é revolucionária, mas as mudanças que propõe, e que já estão instaladas no modelo de “democracia iliberal” são exactamente o contrário: a favor do Estado interventor e contra a globalização (daí o “nacionalismo”) e os movimentos migratórios. 

O que os nacional-conservadores querem é acabar com o pluralismo e o multiculturalismo, desmontar as defesas do Estado de Direito para criar um Estado Dono do Direito. Numa feliz analogia que encontrei num artigo algures, eles vêem o Ocidente “não como uma colina brilhante ao sol, mas como a Roma decadente antes da queda - depravada e prestes a sucumbir às invasões bárbaras”.

Quem também vê o Ocidente assim é Putin e Xi Jiping, que não são líderes de democracias iliberais. Já foram mais longe e são, pura e simplesmente, ditadores. Os nacional-conservadores não são a favor de ditaduras, assim daquelas clássicas com polítcia política, prisões, tortura, partido único, etc. O que eles querem é um estado aparentemente democrático onde puxam todos os cordelinhos. O exemplo instalado, e que serve de farol a muitos outros, é a Hungria, onde Viktor Orban e o seu partido Fideaz dominam completamente o aparelho de Estado e a opinião pública sem precisar de prender ninguém (se for preciso, decerto que o faz, mas não é essa a ideia).

Orban é um autêntico icon para Bolsonaro, Trump, Le Pen e Geert Wilders (Holanda). Pode dizer-se que em todos os países europeus há um partido nacional-conservador à espera, como AfD na Alemanha, ou o Partido da Liberdade (!) na Austria, que já tem participação minoritária no Governo.

Como é que governa Orban? Primeiro, controla completamente a comunicação social, não através de censura ou nacionalizações (como faz Putin, um ditador), mas comprando todos os media através dos amigos ricos do partido ou tornando-os inviáveis economicamente por falta de publicidade. Depois, fundou uma Universidade e instituições académicas que preparam os jovens para as suas ideias. 

Num encontro de nacional-conservadores norte-americanos em Budapeste, Orban disse que Tucker Carlson era o “jornalista” ideal. Ora, Carlson era a principal cabeça falante da Fox News e depois de ser despedido fez uma entrevista ridícula com Putin. Aliás, todos os nacional-conservadores admiram o ditador russo, embora alguns estejam mais dispostos a admiti-lo. Trump é um deles. A “bomba” que ele lançou recentemente, ao dizer que Putin podia invadir qualquer país europeu!

Orban é um modelo de como usar democracia para a destruir. De facto, o Fidesz já ganhou quatro eleições desde 2010, mas usou todos os truques do livro: redesenho das áreas eleitorais, registo de eleitores fortemente controlado e, evidentemente, total controle da informação. Outro truque são as constantes consultas à opinião pública. Não são referendos por não ser vinculativas, mas têm um ar muito democrático. Numa delas, o resultado foi que 99% dos húngaros são contra imigrantes; mas a pergunta era “Quer que sejam criados guetos de imigrantes no país?” Os seus métodos eleitorais estão bem explicados neste artigo do The New York Times.

O ódio aos imigrantes é um dos pontos comuns de todos os nacionais-conservadores, de Abascal a Ventura. Como nesta altura do campeonato as migrações são um problema universal e o chauvinismo uma tendência natural, a postura anti-imigrante é um tiro certeiro, mesmo nos países cuja posição geográfica os torna menos atrativos. E, onde a imigração não é um problema, pode-se sempre dizer que não parece, mas é - como faz o “nosso” Ventura.

Uma certa esquerda tem a mania de chamar de “fascistas” a todos os partidos conservadores, e ainda mais aos nacional-conservadores. No caso português, também chama de “fascista” ao velho Estado Novo, de triste memória. Nada de mais errado. O fascismo, hoje, só existe na Federação Russa e nos países comunistas, e no passado na Alemanha e na Itália. Tem características específicas, como o militarismo, o partido único obrigatório, ausência de eleições reais e parlamentarismo sem poderes.

O Estado Novo não era fascista, aliás Salazar não gostava deles porque não eram cristãos e preferia uma mão de ferro mais discreta. De certo modo pode dizer-se que foi um percursor da moderna autocracia, embora só de certo modo, porque ele era realmente um ruralista retrógrado, pré-Revolução Francesa. O seu modelo não era toda a gente na rua de braço levantado (embora alguns dos seus colaboradores gostassem do estilo) mas sim toda a gente a trabalhar na lavoura, sem “se meter em política”. E as mulheres em casa, evidentemente.

Os conservadores também não são fascistas - veja-se o caso do Reino Unido, ou do “nosso” CDS. São reacionários, uma postura diferente; contra todas as evoluções sociais, políticas ou mesmo científicas (contra o aborto, um bom exemplo). Defendem um espírito cristão - católico, protestante ou evangélico - com qualidades que nunca praticou verdadeiramente, mas que soam bem: caridade, respeito pelas hierarquias, hereditariedade, prazeres castos e discretos, pouco aparato nas famílias de “gente de bom sangue” - todos esses valores ideais que empolgam um passado em que tudo era supostamente melhor.

Os nacional-conservadores são outra raça, mais moderna, mais agressiva e mais perigosa. Sabem escolher as bandeiras que agradam a toda a gente, como o sentimento de exclusão em relação às elites dominantes, a xenofobia e mesmo um racismo latente em todas as sociedades. O seu produto institucional é a “democracia iliberal”, ou seja, uma democracia de fachada em que só as “elites” dominantes mandam, precisamente…

Bem, este artigo ficou cheio de aspas, mas um dos problemas do nosso tempo é que as palavras perderam o significado original. Como dizia um cartoon que vi outro dia, o mantra da Idade Moderna é “penso, logo existo”, o da Pós-Moderna é “acredito, logo é verdade”. 

Se formos ver os grupos parlamentares da UE, os mais à direita chamam-se Populares e Democratas Identitários, em Portugal o partido de centro direita chama-se Social Democrata, na Polónia os nacional-conservadores chamam-se Lei e Ordem… 

“Liberal”, então, é o rótulo mais polivalente; liberal, em política, é o oposto de conservador (caso dos Estados Unidos) enquanto liberal, em economia, é uma posição de direita, “neo-liberal”. 

Isto é tudo muito confuso. Ide para casa e benzei-vos três vezes antes de escolher o vosso rótulo...