Tinha um sentido de humor aguçado, uma linha de ironia que perturbava alguns. Era certeira. Era capaz de radiografar a essência do seu interlocutor e fazia-o com a rapidez dos mais sábios. Maria Agustina Bessa-Luís nunca quis um papel menor, recusou a banalidade que a vida das mulheres da sua geração tinha por norma. Casou-se com quem quis, colocou um anúncio para fazer entrevistas a potenciais candidatos.

Estávamos nos anos 40 do século XX. Não se rendeu à condição de esposa, teve sempre o ímpeto da liberdade, a teimosia de fazer como queria. Acreditava que o sucesso fácil não contribuía para a vida do escritor. Escrever é difícil, como viver é difícil. Sabia-se escritora desde sempre, um talento que assumiu na íntegra como forma de estar. Ser escritora, era a sua vocação, o seu destino. Afirmava-se perigosa por conhecer profundamente a natureza humana e gostava de fazer milagre, acrescentando que não era “coisa pouca”.

Os seus livros não foram best-sellers mas era amada pelo público como seria de esperar de alguém cujo brilho era constante. Ela dizia que os escritores não se importam se são lidos, importam-se em ser conhecidos e depois ria-se num misto de superioridade e ingenuidade infantil. “Nasce-se inocente mas com conhecimento daquilo que se é - aquilo que depois se procura através da arte, através de tantas manifestações humanas: de onde viemos, o que somos, para onde vamos. A criança sabe e depois vai perdendo essa facilidade. Mas nascer adulto e morrer criança, que é o que eu quero, isso é que é difícil”, disse em 2002 ao Diário de Notícias.

Agustina deixa-nos aos 96 anos de idade com uma obra ímpar que grita por internacionalização e, se tudo tiver acontecido como desejou, em estado de pureza que é próprio das crianças.