Mossul é segunda maior cidade do Iraque fica ao Norte de Bagdad, perto da fronteira com a região curda. Sunita, foi a primeira cidade importante ocupada pelo ISIS, em junho de 2014, e foi lá que se autoproclamou o Califado Islâmico, também conhecido como Daesh.
Como o ISIS é sunita, a população da cidade na altura aderiu ao movimento, pois receava a descriminação do Governo de Bagdad, shiita. Nestes dois anos, a violência do ISIS fez com que uma parte fugisse, mas não se sabe como o milhão de habitantes que ainda resta reagirá à chegada das tropas iraquianas, apoiadas por milícias shiitas. Além disso, os curdos também reivindicam Mossul, argumentando que foram eles que travaram a expansão do Daesh quando o exército iraquiano bateu em retirada. Portanto, já temos aqui três forças (e não propriamente “países”) a reivindicar a cidade: sunitas, shiitas e curdos.
Estas três forças são apoiadas, mais ou menos abertamente, pelos países da região. Os turcos, que até 1918 dominavam toda a península da Arábia, insistem em ter um papel na refrega. O primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, fez saber que considera a presença dos turcos uma invasão ao seu país, mas não tem forças para os empurrar de volta para a Turquia. O Irão, shiita, tem atacado o Daesh, mas não gosta dos iraquianos, com quem teve uma guerra brutal ente 1980 e 1988. A Arábia Saudita – que muitos analistas consideram tratar-se do verdadeiro Califado Islâmico, pelo seu radicalismo religioso – diz-se que tem apoiado o Daesh, embora não abertamente, uma vez que é aliada dos Estados Unidos, que são contra o ISIS. A Síria é evidentemente contra o ISIS, que ocupa uma parte do país – a capital do Califado, Raqqa, é em território sírio - mas neste momento não está em condições de atacar o ISIS, a braços com a guerra civil entre-portas que envolve várias fações.
A estes países da região há que acrescentar os americanos e os russos, ambos contra o Califado, mas com prioridades diferentes no teatro de guerra. Os Estados Unidos basicamente são contra o ISIS e também contra o Governo sírio de Bashar al-Assad, e a favor dos insurgentes sírios (os chamados “movimentos islâmicos moderados”), dos curdos e dos iraquianos. A sua posição continua a ser contra o governo sírio, mas têm elegido como inimigo principal o ISIS. Os russos, ao contrário, são aliados de Bashar al-Assad e, embora digam que querem destruir o Daesh, de facto tem atuado mais contra os insurgentes sírios “moderados” que ameaçam o regime de Damasco.
Difícil de entender todas estas amizades e inimizades? Sem dúvida. Os próprios beligerantes por vezes parece que não entendem e mudam de adversário preferencial conforme a evolução do conflito.
Voltando a Mossul. Houve uma ofensiva iraquiana na primavera, que não conseguiu desenvolver-se. Os Peshmerga, famosos guerrilheiros curdos, têm vindo a aproximar-se de Mossul lentamente, conquistando cidades dentro da sua região. Desta vez, a ofensiva, que demorou meses a coordenar e tem, supostamente, 80 mil homens, é constituída por forças do governo de Bagdad, milícias xiitas (Unidades de Mobilização Popular), milícias de tribos sunitas, milícias iranianas, milícias do Hezbollah, Peshmerga curdos, forças fiéis ao antigo governador de Mossul, e turcos. Pelo ar e com conselheiros no terreno estão os americanos, ingleses e iranianos. Há ainda que considerar os guerrilheiros do PKK (curdos da Turquia) e das Unidades de Protecção Popular (sírias), bem como milícias Yazidis.
Uma questão que com certeza não interessa muito a nenhuma destas forças, mas que está a assustar as organizações humanitárias internacionais, é a dos perigos que corre a população civil de Mossul, calculada entre um milhão e um milhão e meio de pessoas.
Afirmou o coordenador da ONU para os Direitos Humanos: “não acusem os civis de Mossul de pertencerem ao ISIS, e que não haja execuções sumárias, nem de civis nem de membros do Califado Islâmico”. Os que ainda permanecem na cidade, em parte porque querem, em parte porque o ISIS não os deixa sair, apanhados no fogo cruzado, são potenciais vítimas de franco-atiradores ou podem ser utilizados como escudos-humanos. A ONG Save the Children calcula que há 500 mil crianças entre eles.
Há muito mais em jogo nesta batalha do que a tomada da cidade. Joga-se o futuro do Iraque como um país unido, com as fronteiras tradicionais. Está em causa o Governo de Bagdad, que poderá não resistir a uma derrota ou a uma vitória pouco nítida. A autonomia dos curdos e yazidis também depende do terreno que conseguirem conquistar, para negociações posteriores sobre o seu estatuto. É a primeira vez que os Peshmerga curdos e os soldados iraquianos, inimigos desde sempre, estão do mesmo lado numa batalha.
Moqtada al Sadr, o clérigo xiita que liderou o exército de Mahdi no combate à ocupação norte-americana (ainda não tínhamos falado neste...), disse que a batalha de Mossul é uma guerra entre o governo de Bagdad e os terroristas, e que o Iraque deve recusar o apoio turco em nome da soberania iraquiana. O Presidente turco, Erdogan, atirou que “está fora de questão a Turquia ficar fora da ‘operação Mossul’”, acrescentando que o país estará na operação militar e na mesa de negociações. O parlamento iraquiano já votou uma moção em que considera a presença turca como “ocupação” e violação de soberania”.
O antigo governador de Mossul, acusado de ser o responsável pela queda de Mossul às mãos do ISIS também tem a sua milícia pessoal, que é apoiada pela Turquia e também quer ter uma palavra a dizer à mesa dos vitoriosos.
Calcula-se entre 30 mil e 80 mil atacantes a Mossul, mas é impossível saber o número certo, dada a diversidade das forças e a desconfiança mútua. Quanto ao ISIS, avalia-se que terá entre quatro a oito mil combatentes. Não se sabe como será possível distinguir entre combatentes e civis, ou entre os combatentes dos diversos grupos. Certamente que alguns aproveitarão para abater outros atacantes no meio da confusão, e entre os defensores há oportunidades para ajustes de contas.
Finalmente, os europeus, que não têm nenhum papel numa região que é estrategicamente essencial para a Europa, também se pronunciaram sobre a tomada de Mossul, pela voz do Comissário da Segurança, Julian King:
“O retomar [do controlo] do reduto do Califado no norte do Iraque, Mossul, pode levar a um regresso à Europa de combatentes violentos do ISIS”.
Realmente, a tomada de Mossul é o começo do fim do Califado Islâmico. Mas, perdendo território, os guerrilheiros do ISIS têm outra possibilidade: fazer terrorismo na Europa. Afinal de contas, uma boa parte deles nasceu em solo europeu...
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