Mas logo a seguir a essas duas, vem a fatídica questão cuja resposta é tão simples que nem dá direito a queijinho. Normalmente, a pergunta até precede comentários como “estás carregadinho de guito, puto!”, “a vida de comediante afinal rende, né? Granda vidinha!”, ou até “Para quem se queixa tanto da Segurança Social e da EMEL, até estás muito bem!”. Exacto, porque quando conseguimos juntar dinheiro para viajar, não podemos achar injusto as alarvidades que a Segurança Social cobra por mês. É mais ou menos como “não te devias queixar tanto de passar fome, visto que essa massa com atum até está bem boa!”.

Normalmente, esta pergunta é-me feita pelo Instagram ou Facebook através de um telemóvel que custa quase 1000€. Curiosamente, 1000€ está bastante perto do que gastei, por exemplo, para viajar 5 semanas pela Índia, já contando com o voo pela Emirates. Claro que eu entendo que ter o iPhone X é muito mais importante para a vida de qualquer um de nós do que ir ver o Taj Mahal ao vivo, que ainda por cima aquilo está cheio de lixo e pobres à volta. É que se tivermos um jantar de amigos ou profissional, se dissermos que fomos à Índia não impressionamos grande coisa. Agora, se sacamos aquele iPhone maroto, novíssimo, acabadinho de sair e que faz exactamente as mesmas coisas que as últimas 5 edições, e o pomos em cima da mesa com a maçãzinha ali a brilhar... Ui! O pessoal perde as estribeiras. Manda-se logo tudo ao ar com a nossa demonstração de poder de compra e de prioridades na vida. “Ora aqui está um gajo que sim senhor, investiu aqui mil euritos para poder mandar mensagens mais rápido ao cabrão do Faro em tom meio jocoso, meio depreciativo, sobre o facto de ele viajar tanto. Assim vale a pena! Agora faz aí uma story dessa pizza fajuta que estás a comer no Guilty, a fingir que estás a adorar, porque é super bem estar no Guilty rodeado de Instagramers”.

Mais divertido que isso, só mesmo quando mandam mensagens dos seus incríveis telemóveis, dentro do carro novo que compraram sem que sequer precisassem a dizer “Fogo, tens tanta sorte em conseguir viajar tanto…”.

Se calhar, até têm razão. Realmente, parece que tenho as prioridades trocadas. Devia era morar sozinho, em vez de dividir renda e contas com um amigo, devia comprar um carro, porque faz muita falta para aqueles percursos dentro da cidade de 500 ou 700 metros, e ainda comprar roupa nova todas as semanas para nunca descuidar este estilinho impecável. Se sobrar alguma coisa, logo compro um bilhete para ir até Cacilhas conhecer a cultura deles.

Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:

- Bolívia: Andei numa expedição de 4 dias pelo Altiplano da Bolívia. É de uma beleza inacreditável, tudo. No último dia fui ao Salar do Uyuni e é um escândalo. Se tiverem oportunidade, vão. Mesmo.

- "La Mala Hora": Romance do Gabriel Garcia Marquez que li nos últimos dias. Embora longe do brilhantismo do "Cem Anos de Solidão", é um bom livro.

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