Querido Eduardo,
Em dez anos, mudámos muito, somos outros. E tu fazes falta na mesma. Ninguém pode dizer que te substituiu ou calçou os sapatos.
Não importa o pensamento, importa a agenda política, a dicotomia permanente entre a esquerda e a direita cansa-me um pouco, confesso, mas que sei eu? Bom, sei que estamos em vésperas de eleições autárquicas e volto à tua frase: “Hoje em dia a cultura ou a ética tornaram-se argumentos secundários numas eleições”.
Os mesmos “argumentos secundários” parecem querer permanecer válidos. Não sei como irias entender o estado da cultura. Na verdade, sei pouco como irias olhar para este país que está de olhos postos nas redes sociais, a debitar, pontificar e a destilar um fel amargo sem sentido.
Em dez anos, a utilização das redes sociais triplicou e vais à praia e não encontras nenhuma alma com um livro na mão, nem mesmo o último romance de alguém que é estrela de televisão. Está tudo agarrado ao telemóvel de forma doentia. E volto às tuas palavras: “A má-língua, o escárnio e mal-dizer sobrepõem-se sempre à euforia da descoberta. Coleccionam com mais facilidade as reservas do que são capazes de apreciar os méritos. É aquele tipo de lucidez que não consegue ver em relação a si que o excesso de lucidez é um excesso de estupidez. Alguns cronistas e comentadores fazem disso alimento”.
A tua lucidez está em falta, ou seja, não há quem a tenha. Quantos anos escreveste diariamente no jornal Público? Eram pérolas que recebíamos todos os dias, por seres inspirado, por divulgares e promoveres e nada disto era feito em função de um sentimento maldoso ou de uma agenda de interesse pessoal. A imprensa vive momentos muito complexos e muitos perguntam se ainda será possível fazer-se bom jornalismo. Tu terias uma opinião, não tenho dúvida. A crise é tão grande que até o José Gil deixou de ter uma crónica. Parece que o pensamento mete medo.
Vive-se um Verão estranho em Lisboa, ainda com a cidade vazia de quem cá mora, repleta de turistas. Tu irias gostar dos turistas, da Madonna a disputar palacetes, a Monica Belluci a viver no Chiado. Lisboa está definitivamente na moda. Não é a Lisboa de Pessoa, é a Lisboa no seu tudo, uma vitória das ruas, do tradicional e do moderno.
Sinto que existe uma falência da cultura. Sim, o nosso ministro da cultura é poeta e diplomata, mas não me parece um ministro com entusiasmo para mudar o estado das coisas. Num governo de esquerda seria de esperar um ministério forte. Não temos essa sorte. E volto a ti: “Nunca se trata de levar a arte ao povo, mas de levar o povo à arte. Por outras palavras, não vamos pôr os poemas de Pessoa em banda desenhada para serem mais acessíveis, mas devemos desenvolver as estruturas pedagógicas para que as pessoas entendam os poemas tais como eles são. Isto é o ABC de uma política cultural: promover a qualidade e criar dispositivos de ensino que permitam a inteligência adequada dessa qualidade”. A putativa política cultural é isso mesmo: putativa.
Melhores dias virão, já se sabe.
Foram dez anos que provocaram muitos sismos emocionais, bastantes desgostos, queda de ilusões sucessivas. Estamos mais velhos, mais cientes de que teremos de trabalhar. Sim, eu sei, vamos morrer e temos de saber onde gastar as nossas energias. Já uma frase batida. Mas foram também anos de crescimento, de livros maravilhosos, concertos inesquecíveis, almoços e jantares de gargalhadas, abraços apertados e reposição de alguma justiça. Existirá sempre o avesso da tristeza, disseste-me um dia. Tens razão. Qual será o avesso de saudade?
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