Os sobressaltos sucedem-se e cada um deles aumenta os riscos que pendem sobre as nossas cabeças. É o terrorismo e as suas variadas formas, propósitos e geografias. É a prolongada estagnação económica, que ameaça os equilíbrios que fomos construindo durante décadas. É a banca, que tomou como refém o dinheiro dos contribuintes. É o Brexit e a machadada que dá na União Europeia. É a crise de refugiados com o humanismo a que nos obriga. É agora a Turquia, num reforço da deriva autoritária contra tudo o que são os valores que gostamos de atribuir à Europa. É o crescimento dos extremismos e do radicalismo ideológico.

Chegámos até aqui lentamente, passo a passo e começamos a ter a perigosa percepção de que "isto" é normal.

Cada novo ataque terrorista, por mais hediondo que seja, é cada vez mais um. Todos lamentamos, todos choramos as vítimas e nos indignamos com a barbaridade: como é possível? Mas regressamos à nossa normalidade cada vez mais depressa. O 11 de Setembro - já lá vão 15 anos - e a série da Al Qaeda que continuou em Londres e em Madrid já estão tão longe… Já morreram outros milhares de inocentes depois disso e há quem defenda que temos que nos habituar poque vai continuar a ser assim. Temos mesmo? Devemos habituar-nos?

Outro plano, que nós portugueses conhecemos por experiência própria: a banca. Aqui não se trata de ceifar vidas humanas no sentido literal mas da ameaça à nossa forma de vida e à prosperidade a que temos direito. Lembram-se do BPN e do escândalo que foi a derrocada, a nacionalização e a conta que todos estamos a pagar? Dizia-se que tínhamos "batido no fundo". Somos ingénuos, porque o fundo não era ali. O fundo está, afinal, lá muito mais abaixo e provavelmente ainda não chegámos lá. Depois disso foi o BPP, o BES e os efeitos colaterais na PT, o Banif, agora a capitalização da Caixa. Tudo cada vez mais olhado como fazendo parte da normalidade. Lá fora - que não é verdadeiramente lá fora, as contas destas coisas são sempre mais ou menos partilhadas - a Itália está com um problema bancário de 300 mil milhões e a Alemanha tem o seu Deutsche Bank com uma factura estimada de 150 mil milhões. Os problemas da banca tornaram-se tão normais como o calor em Agosto e o frio em Janeiro.

E os refugiados, que continuam a morrer às centenas e os cadáveres a darem às nossas costas, obrigando-nos a refazer as estatísticas?

Recordam-se quando os partidos extremistas eram vistos como uma ameaça por chegarem aos 4% ou 5% em eleições? Eles aí estão agora, a disputar o poder taco a taco, nalguns casos. Junte-se, para compor o quadro, a real possibilidade de virmos a ter Donald Trump na Casa Branca e Marine Le Pen no Eliseu. Assustador, não é? Aos nossos olhos pode ser, mas não desprezemos arrogantemente os milhões que votam neles e noutras propostas políticas extremas, venham elas da direita ou da esquerda.

Elas são sobretudo alimentadas pelos receios de cidadãos pacatos que, inquietos com a falta de respostas das instituições em que já confiaram no passado, decidem apoiar soluções radicais para resolver problemas que eles sentem como sendo também radicais. É a lógica do "para grandes males, grandes remédios", embora estes remédios sejam verdadeiramente uma nova doença.

O pior caminho que podemos trilhar é o de olhar para isto tudo como uma nova normalidade, encontrando um novo equilíbrio e o conforto possível. Porque daí não virão nunca respostas, nem soluções, nem mudanças tão firmes quanto sensatas. Faltam lideranças capazes, é certo. Essa é mais uma perigosa normalidade.

Sobre os sapos conta-se a conhecida experiência laboratorial. São sensíveis à temperatura, claro, e se atirados para uma taça com água a ferver eles saltam imediatamente dali para fora. Mas se forem colocados num tacho com água à temperatura do lago onde vivem eles ali ficam quietos. E se esse tacho for aquecido em lume muito brando o animal vai-se acostumando e não é accionado o instinto que o leva a fugir. Até morrerem cozidos quando a água ferve. É assustador pensar que podemos estar hoje a ser estes sapos.

Outras leituras

Há cerca de um mês tivemos um momento alto de demagogia por parte de António Costa com a tirada (cito de cor): tantos problemas graves para resolver na Europa e Bruxelas preocupa-se é em aplicar sanções a Portugal. Independentemente da injustiça das sanções no nosso contexto, esta abordagem transborda a populismo. Senão, veja-se o que se passa hoje no nosso Parlamento: tantos problemas sérios para resolver no país e os deputados preocupados com os cogumelos shiitake.

Não aprendemos mesmo com os erros passados. Os contribuintes vão pagar 10 milhões de euros em vez dos automobilistas, que beneficiam de um desconto de 15% em algumas portagens. Era importante ter estudos sérios sobre o verdadeiro impacto desta redução de preços na circulação nestas auto-estradas. Quantos condutores deixarão de utilizar vias alternativas porque a portagem desceu de 10 euros para 8,5 euros? Quando as contas puderem ser feitas será já demasiado tarde.

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