Em inglês, é o chamado “end game”; como fica a situação depois do jogo terminado. Não é quem ganha, é o resultado para quem ganha e para quem perde. Percebe-se perfeitamente este dilema com dois exemplos.

Quando os Estados-Unidos invadiram o Afeganistão, os objectivos eram três: acabar com os talibã, liquidar Bin Laden e transformar o país numa espécie de democracia. Falharam os três. Perderam credibilidade ao nível mundial e os talibã mantiveram a sua soberania. (Bin Laden foi resolvido muito mais tarde, já sem consequências práticas.)

Recuando a 2001, quando um comando terrorista atacou o World Trade Center, ninguém podia prever o “end game” da operação, talvez nem mesmo eles. O que pretendiam era mostrar que os norte-americanos eram vulneráveis. Isso conseguiram, mas provocaram uma reacção em cadeia que perdura até hoje: os Estados-Unidos reagiram de um modo desproporcional, que acabou por humilhá-los no Afeganistão, vindo a seguir a invadir o Iraque e derrotar o regime de Sadam Hussein. O fim do ditador permitiu ao Irão expandir a sua zona de influência na região, muito para lá do Iraque. O “end game” do ataque de 2001 foi uma mudança da percepção do poder norte-americano e o crescimento da influência regional do Irão. Quem ganhou foram os terroristas, quem perdeu foram os norte-americanos.

Outro caso, esse a decorrer: a invasão da Ucrânia pela Rússia. Embora ainda não tenha acabado, o “end game” será, com certeza, a descida da Federação Russa no ranking mundial, a revitalização da NATO (que estava moribunda), e o reforço da coesão militar europeia. Putin tinha calculado outro “end game” (na sua versão mais alucinante, o Império Euroasiático), mas enganou-se. Mesmo que conquiste a Ucrânia, o que parece impossível, ou partes dela, o que poderá acontecer, o “end game” ser-lhe-á certamente desfavorável.

Vamos agora ao caso em apreço, a situação na Palestina e a percepção que o mundo tem de Israel.

A situação actual, que vemos 24 horas por dia nas televisões, é uma contradição de duas teses; a primeira, defendida por Netanyahu, é eliminar o Hamas e ocupar a faixa de Gaza para sempre.“Gaza nunca mais será uma ameaça para Israel”, disse lapidarmente o seu ministro da Defesa, Eli Cohen; a segunda, defendida pelos israelitas moderados e por cada vez mais países, é a solução dos dois estados.

Por enquanto é difícil prever o que acontecerá nos próximos meses, com uma guerra intermitente e o dilema israelita de salvar os reféns e ao mesmo tempo matar os captores, enquanto o povo de Gaza morre aos milhares.

Mas podemos desde já pensar qual será o “end game”, quando a guerra acabar de vez. Todos os analistas, politólogos, políticos e não governamentais não fazem outra coisa senão propor, ou sonhar, com um “end game” feliz, ou pelo menos exequível. Somando e dividindo o que todos dizem, há três hipóteses possíveis.

A primeira opção é Israel manter o controle militar e civil de Gaza indefinidamente, como fez entre 1967 e 2005. Além das patrulhas permanentes, revistas a casas e outras actividades musculadas, terá de criar uma estrutura básica de serviços de saúde, educação, saneamento e outras necessidades da população. Esta é a “solução” proposta por Itamar Bem-Gvir, apoiado pela extrema-direita religiosa. Mas os custos desta ocupação são estratosféricos e a reprovação internacional aumentará de mês para mês. A comparação com a “solução final” nazi em câmara lenta e o anti-semitismo só podem subir de tom. “Bad end game”.

A segunda opção é conduzir uma guerra total contra o Hamas e depois abandonar a Faixa de Gaza à sua sorte. Mas, mesmo que o Hamas seja destruído, o que já é uma hipótese absurda, outros grupos semelhantes hão-de ressurgir ou nascer. A presente acção militar das IDF (Forças de Defesa de Israel) é uma autêntica escola de ressentimento e violência. Quando os miúdos que sobreviverem chegarem a adultos, serão ainda mais corajosos e violentos. Este é o pior cenário.

A terceira opção é entregar a administração de Gaza à Autoridade Palestiniana (AP), que actualmente dirige a Cisjordânia e pratica uma política de apaziguamento com Israel, engolindo sem protestar as constantes incursões, assassinatos e expansão de território dos colonatos judaicos — os palestinianos já só possuem um terço do território. Mas o presidente da AP, Mahmoud Abbas, diz que não terá credibilidade nenhuma “entrar em Gaza em cima dum tanque israelita.” Ao contrário do seu antecessor, Yasser Arafat, não gosta da Faixa, nem a Faixa gosta dele. Além disso, tem 88 anos e não está em forma para novos desafios.

A AP tem cerca de 60 mil efectivos nos seus serviços de segurança, que na realidade são muito pouco efectivos; não podem intervir contra os excessos dos colonos israelitas, ainda menos contra as IDF, nem sequer conseguem manter a ordem civil entre os seus. Se fossem para Gaza, seriam recebidos à pedrada e a tiro pelos radicais e com desprezo pela população em geral. Quanto aos quadros civis da AP que existiam em Gaza, foram desmobilizados em 2007 e substituídos por funcionários do Hamas. Seria necessário despedi-los e contratar, ou recontratar os quadros da AP que ainda possam dar prova de vida.

Mas não haverá ninguém que possa substituir Abbas? Uma hipótese seria Muhammad Dahlan, antigo chefe da segurança da AP e que cresceu em Gaza. Mas o homem vive há anos (desde 2007, provavelmente) em Abu Dhabi, tem acusações de corrupção pendentes, e certamente não vai querer arriscar a vida no meio de uma população cheia de rancor.

A AP e o Hamas sempre se deram mal (dizendo as coisas suavemente…) e não se vê que possam juntar-se numa administração eficiente, ou sequer operacional. Na verdade, ambos têm dirigido ditatorialmente os seus territórios e estão habituados a mandar sozinhos.

Segundo o “The Economist”, numa sondagem recente dum tal Centro Palestiniano de Pesquisa (PCPSR), 65% dos habitantes de Gaza votariam no líder do Hamas, Ismail Haniyeh, e Abbas perderia as eleições tanto na Faixa de Gaza como na Cisjordânia. O Hamas ainda tem 44% do hipotético voto, contra 28% da AP. É interessante notar que tanto numa Palestina como na outra os inquiridos desconhecem os nomes de outras personalidades da AP e o nome mais apreciado é o de Marwan Barghouti, um líder do Hamas que está preso em Israel com várias sentenças perpétuas.

Há ainda os líderes do Hamas que vivem confortavelmente em Abu Dhabi, todos milionários, graças à apropriação indevida dos donativos europeus, e que ninguém imagina quererem deixar o confortável exílio para uma vida de questiúnculas e perigos.

A verdade é que Gaza não tem uma classe política e administrativa que se veja. Uma parte da responsabilidade é dos palestinianos, que não se entendem, e assim que sobem na política começam logo a roubar; mas outra parte cai nos israelitas, especificamente em Netanyahu, que desde 2005 tem feito tudo para impossibilitar a solução dos dois estados, desde dar força ao Hamas para desacreditar a AP, até manter Gaza isolada do mundo. Isolada quer dizer que só há uma fronteira altamente controlada e que nada, durável ou perecível, pode entrar ou sair. Tudo o que há em Gaza, desde cimento a pão, passa pelos famosos túneis, que se tornaram um negócio do Hamas.

A quarta opção, dentro do conceito dos dois estados, seria criar uma administração para as duas palestinas formada pelos estados árabes pró-ocidentais (quer dizer, sem o Irão e o Hezbollah no Líbano). Todos acham uma boa ideia, mas cada um diz que não está disposto a participar. As razões variam; o Egipto, por exemplo, sempre teve más relações com o Hamas, cujo ramo egípcio, a Irmandade Muçulmana, teve de ser derrubado pela revolução que levou ao poder o actual presidente, Sisi, em 2014. A Jordânia, que perdeu metade do seu território para Israel, e que está submersa por imigrantes palestinianos, não quer meter-se em nada. Os emirados do Sul, podres de ricos, não têm pessoal suficiente para deslocar para o Norte, e estão mais interessados em negociar com Israel do que em ajudar a Palestina. Aliás, uma das teorias da conspiração mais credíveis que anda aí a circular é que o ataque surpresa do Hamas destinou-se a impedir o acordo prestes a ser assinado entre Israel e a Arábia Saudita.

E pronto, aqui estão as soluções finais para depois da guerra. É caso para dizer que não há “end game”. No entanto, é inevitável que uma das hipóteses seja seguida, não havendo mais nenhuma à vista. Quem quiser apresentar uma sugestão, não se acanhe.