O Parlamento e a Oposição caíram – e bem – em cima do Governo; o Governo, na pessoa de Mário Centeno, o todo-poderoso ministro das Finanças, esteve no Parlamento, numa audição conjunta das comissões de Saúde e Finanças, solicitada pelo PSD e pelo CDS a propósito do sector da saúde e da cativação de verbas para o sector.
Mário Centeno disse muita coisa, revelou números atrás de números, afirmou que a unidade pediátrica hospitalar tinha sido anunciada pelo Governo anterior sem verba para tal e bateu-se - ferozmente - para explicar aos senhores deputados que, afinal, está tudo bem e que eles é que parecem não entender o que lhes é dito.
Bom, sobre o Hospital de São João e crianças com cancro a serem tratadas em corredores e contentores, o senhor tem razão para dizer que o anterior Governo tem responsabilidades concretas. E este governo? Também.
Não está tudo bem, é evidente, e não deixou de estar tudo bem no início desta semana quando as palavras de um responsável daquele hospital classificaram as condições existentes como miseráveis e indignas. Há muito tempo que não está tudo bem.
O Governo assegura que a verba, os tais 22 milhões de euros, será libertada e que as obras se farão. Ninguém perguntou, mas deveriam ter perguntado: então, quando Pedro Passos Coelho foi inaugurar a primeira pedra de uma unidade pediatria oncológica em 2015, sem verba, apoiando-se numa associação que iria angariar mecenas dispostos a levar a carta Garcia, era só para fazer parangonas de jornais? Good press? E o que aconteceu à dita cuja associação liderada por um tal de Pedro Arroja?
E, já agora, depois deste Governo ter assumido funções ninguém se ralou com o que estava a acontecer no dito hospital? Tantas perguntas, eu sei.
Acrescento outras para a realidade do dia de hoje: uma vez chegado o guito a quem de direito, que trâmites burocráticos faltam resolver? O orçamento de 22 milhões de euros tem um ano, mantém-se? O concurso para as obras afinal é válido? Ainda há mecenas? Onde foi parar a Somague, por exemplo, que assumiu que doaria uma quantia anual por dez anos? Quem não quer ajudar as crianças com cancro? Eis uma pergunta que o responsável pelo mecenato nos tempos do governo de Passos Coelho fazia certamente com um sorriso.
Enfim, talvez alguém tenha perguntado estas minudências e procedimentos e eu não tenha visto na televisão, não tenha lido nos jornais. Pode ser. O que me faz assaz confusão é que, como todos sabemos, as obras tendem a perpetuar-se, nunca são o que se espera, raramente se cumprem os prazos inicialmente previstos quanto mais o orçamento. Ninguém fiscalizou? Desde 2015?
Bom, e agora chegámos aqui. Uma vez em obras, que condições tem o Hospital de São João do Porto para dar respostas aos tratamentos de oncologia? Para onde irão estas crianças? Para outros corredores? Qual é a logística? Não consigo descortinar respostas para questões singelas.
Um pai de um doente diz que há outros espaços no hospital, que os contentores onde estão as crianças com cancro não são uma fatalidade. Diz mais, diz que tentou convencer a administração que era possível encontrar uma solução imediata e o interesse foi nulo. O Presidente do Hospital, que veio dizer que as condições eram miseráveis e indignas, pois não deve querer deslocar a administração do hospital para os contentores.
Não ouvi, nem ouvirei, um qualquer responsável dizer algo idiotamente básico e que as famílias com crianças com doença oncológica mereciam ouvir: pedimos desculpa. O pedido de desculpa, se existisse decência, seria do Governo actual e do anterior.
Esta situação não se gerou espontaneamente esta semana, tem muito, muito tempo. Mas neste país não se pede desculpa por nada, porque seria a admissão de uma qualquer culpa e isso não é, politicamente, aceite como de bom tom, por isso faz-se o costume, culpa-se o anterior governo. Neste caso, está certo atribuir culpas, mas não chega.
O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista juntam-se aos protestos, exigem que a luta pelo queda do défice seja mais branda e que o dinheiro seja aplicado onde é preciso. No Hospital de São João? Pois, por exemplo. Recordam que a maioria governativa não existe sem o seu apoio.
Está bem, de acordo, mas, de novo, além de se matarem com retórica uns aos outros no Parlamento e nos jornais, quem é que está a tratar de arranjar uma solução para as crianças da unidade Joãozinho enquanto as ditas cujas obras começarem? Quem é que efectivamente se preocupou com as crianças e respectivas famílias desde a operação mediática do lançamento da primeira pedra? Pois, parece que ninguém.
Não é uma pouca vergonha, é uma imensa vergonha.
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