Os portugueses não querem saber do estado a que chegámos. Há quem me diga que não irá votar em Janeiro. Não vê a necessidade e acredita que “é tudo a mesma coisa, são todos o mesmo”. A descrença na política só é comparável à iliteracia política, porque essa existe e, para quem quer manter o regime democrático (o tal mal menor, como lhe chamou Churchill), os tempos adivinham-se perigosos. Não é apenas uma questão de os portugueses não quererem saber – o nível de abstenção nos actos eleitorais já evidencia isto há demasiado tempo –, é mesmo estarem-se nas tintas para, por quem ou como somos governados.

Há quem me conte que tem uma amiga que não paga Segurança Social nem IVA, não vota, mas tem os filhos na escola pública e, em caso de doença, vai ao hospital. Conheço várias pessoas que consideram o Estado um sócio demasiado presente e impositivo, uma espécie de cobrador permanente, e optam por esquemas em que poupam dinheiro, em vez de o entregar ao Estado.

Existem episódios caricatos. Há uns meses, por distracção, houve alguém que pagou a Segurança Social a dobrar. Mandou um email, gentil e cheio de boa-fé, pedindo desculpa e solicitando o abate do valor na prestação seguinte. A Segurança Social mandou dizer que tal não era possível. Oito meses mais tarde, o dinheiro foi restituído (sem juros, claro, que o Estado não sabe o que isso é). Mas não ficámos por aqui, a pessoa que pagou em duplicado teve ainda de pagar uma multa de 40 euros. Porquê? Talvez por ter dado trabalho a alguém, porque devolver uma quantia – oito meses depois – dá muito trabalho e o cidadão precisa de ser admoestado; afinal, não pode cometer distracções e perturbar o Estado.

Recentemente apurei que, no caso de uma herança com vários herdeiros, o Estado manda cobrar impostos relativos à herança sem que esta tenha sido entregue aos beneficiários. As pessoas contestam, as pessoas contratam advogados, quando têm meios financeiros para o fazer, e, na maior parte das vezes, desistem. Não querem saber. Cansam-se. Depois temos múltiplas conversas sobre a falta de civismo e sobre o paraíso que são os países nórdicos (sempre me pareceu um exagero, tanto amor pela Escandinávia, mas acredito que para aqueles lados o Estado funcione em benefício do cidadão, e não contra o mesmo). Há quem se deixe convencer por argumentos populistas. Há quem percepcione a realidade a partir das redes sociais. O Estado não deveria ser entendido como nosso inimigo mas como sendo o conjunto de pessoas que constituem a república portuguesa. No entanto, o Estado ainda é designado, e por membros de gerações distintas, como “eles”, aqueles que nos lixam a vida. Diria, como na semana passada, que também por isto estamos lixados. Cada vez mais.