À medida que iam chegando ao Largo do Rato ouvia-se de tudo da boca dos dirigentes do partido. Há quem defenda que António Costa devia demitir-se (António Galamba); quem queira a realização de eleições primárias e um congresso a seguir às eleições presidenciais (Álvaro Beleza); quem considere que à esquerda não há “capacidade de diálogo nenhuma” (Vera Jardim); e quem ache que o PS deve empenhar-se “numa negociação séria com o BE e o PCP” no sentido de se “comprometer seriamente numa maioria absoluta de esquerda” (João Soares).

A questão precisava mesmo de algumas horas para ser clarificada e o melhor era esperar pelo final da reunião para saber o que ia decidir o secretário-geral: o PS está disponível para um entendimento com o PSD/CDS ou a única coisa que tem a fazer é desejar boa sorte a Pedro Passos Coelho e Paulo Portas e recomendar-lhes que vão pela sombra?

Crónica adiada para esta manhã de quarta-feira, à espera de um sinal que, afinal, não veio.

António Costa vai conversar com todos, à direita e à esquerda, como se estivesse ele próprio a formar um governo. Li aqui: “Segundo Costa, da Comissão Política Nacional do PS resultou ‘um mandato claro para as negociações que haverá pela frente". 'O mandato que temos é para falar com o conjunto das forças políticas. Neste quadro parlamentar que é novo e que exige de todos um grande sentido de responsabilidade para o país, vamos avaliar e tentar encontrar boas soluções programáticas para o país', completou o líder socialista.” Mais: “‘É sabido que há muitos meses, entre as deliberações do PS, está a recusa do conceito de arco da governação - um conceito que, negativamente, tenta delimitar quem são as forças políticas que podem participar em soluções governativas", referiu.

O PS conversa, naturalmente, com quem entende e quando entende. Mas duvido que prolongar e aumentar a ambiguidade sobre o posicionamento estratégico do partido seja o caminho mais aconselhável para iniciar a recuperação da pesada derrota de domingo.

No último ano o PS foi a favor e contra a reestruturação da dívida, contra e a favor do Tratado Orçamental, entusiasta e crítico do Syriza.

Agora, o que o PS nos diz é que está disponível para participar em soluções governativas que vão da preparação para a saída do euro (PCP), uma exigência de perdão de 60% da dívida (Bloco de Esquerda), a nacionalização da banca e dos principais sectores do país (PCP e BE), até toda a austeridade necessária para continuarmos no euro (PSD e CDS), privatização e concessão mesmo de sectores estratégicos (PSD e CDS) e pagar a dívida até ao último tostão, custe o que custar (PSD e CDS).

Entre estes dois mundos radicalmente opostos o coração do líder do PS não balança mais para um dos lados? Nem um bocadinho só?

Esta ideia de que o PS está igualmente disponível para cada coisa e o seu oposto em temas fundamentais pode ter a sua piada como simulacro de diálogo, de abertura a uma pluralidade de soluções e de pontos de vista. Mas dá pouca tranquilidade aos cidadãos que, de forma expressiva no domingo, continuaram a defender o quadro institucional de compromisso europeu a que o país aderiu há 30 anos.

O país assimilou, com boas razões para isso, que o PS está muito mais próximo do PSD do que do PCP ou do Bloco de Esquerda naquilo que são as opções fundamentais.

Entre o PS e o PSD há caminhos diferentes para chegar ao mesmo sítio. Entre o PS e os partidos à sua esquerda há caminhos diferentes para chegar a sítios diferentes.

Esperar que os partidos de esquerda possam entender-se para fazer um governo estável só porque são todos de esquerda é como achar possível uma fusão entre Benfica, FCPorto e Sporting só porque gostam todos de futebol. É impossível: o que os separa é muito mais forte do que as paixões que os podiam unir.

António Costa já tinha, aparentemente, resolvido essa questão, e bem, no discurso da noite eleitoral, quando rejeitou a ideia de que é possível passar por cima dos resultados eleitorais para construir uma “frente de esquerda”. Reabrir o tema e prolongar a indefinição cavará ainda mais o fosso entre o PS e o seu eleitorado tradicional.

Vamos mesmo brincar aos governos?

  • A China e as economias emergentes estão a desacelerar. A Alemanha espirra. E nós corremos o risco de apanhar nova gripe.