O português casa-se medianamente, tem affairs medíocres, divorcia-se tragicamente, trai atabalhoadamente, mas fundamentalmente namora bem. É o talento de uma nação. Pertencendo a um povo que entra em pânico com a solidão, o português aposta na competência a namorar. A maior parte dos casais que conheço namoram tão bem que chego a suplicar que me adotem. Quando um português, a certa altura da sua vida, se recusa a namorar, não é porque seja insensível, individualista ou polígamo. É porque tem a perfeita consciência de que o namoro é um emprego a tempo inteiro, uma tarefa de grande concentração, uma empreitada de avultado investimento. Se não tiver condições, orçamento, infraestruturas ou capacidade de inovação, mais vale não abrir atividade amorosa. É essa clarividência relacional que faz com que não precise do Dia dos Namorados.

“Dia de São Valentim”, em primeiro lugar, é uma designação traiçoeira para o evento que realmente acontece. Os santos não apoiam relações não formalizadas pelo sacramento do matrimónio e o próprio Valentim era um bispo romano – hoje, casais ímpios reservam o dia que lhe é dedicado para se dirigirem a hotéis, lá realizando atividades nada episcopais contra uma parede. Há uma óbvia hipocrisia.

No caso português, temos todas as razões para desprezar ainda mais o dia dos Namorados. Primeiro, porque é um dia. Depois, porque é dos namorados. O português comprometido não tem respeito por esta efeméride, precisamente porque repudia outros namorados. O namorado tuga não gosta de ser incluído nesse grupo identitário medonho. Aliás, algo que torna os casais portugueses tão duradouros é o facto de odiarem em conjunto os restantes casais – menos sólidos, menos apaixonados, menos cúmplices - que conhecem. Nesse sentido, seria inteligente evitar jantar fora num dia em que na mesa do lado estará provavelmente uma dessas duplas antagónicas.

O namorado português é aventureiro e impulsivo, pelo que não se sente confortável num evento tão planificado e mecânico como o de 14 de fevereiro. Já tem de arcar com demasiada burocracia na sua vida a solo para ainda ter de cumprir uma obrigação estatutária na convivência a dois. Note-se também que o português é inábil com datas. É antes um meigo compulsivo que não tem autocontrolo suficiente para regular a sua distribuição de carinho para um dia específico. Portugal é um país de procrastinadores indecisos, que na demanda da escolha perfeita, nunca reservam um restaurante atempadamente. O dia dos namorados implica uma meticulosa organização horária e o português comprometido não se dá bem com compromissos de agenda.

O namoro português é um namoro de conforto, confiança e destruição de barreiras, pelo que os casais não têm nenhuma necessidade de degustar ceviche de pomba em emulsão de folha de lótus com pepitas de presunção, quando o prato favorito dos dois é alheira de porco bísaro. Tal como já é demasiado sombrio e misterioso para necessitar do Halloween, o português namora demasiado bem para precisar de S. Valentim. Por esta ordem de razões, deixo um apelo: casais portugueses, amanhã não jantem, não planeiem, não ofereçam - nem sequer falem um com outro. O vosso dia santo é todo o santo dia.

Recomendações:

David Brent: Life on The Road não é um filme brilhante, mas é um bom reconforto para os fãs da personagem principal série The Office original. Netflixem-no.

Nem sabia que existia visão empresarial em Portugal para conceber um conceito destes. Uma marisqueira 24 horas. Onde? Em Vila Real, of all places.

Ah, claro, vamos terminar a crónica com autopropaganda. Vou estar a fazer stand-up comedy com Overdose de Tourette em Lisboa, na próxima segunda-feira. Fico à vossa espera.