Digo hoje porque, dado o elevadíssimo número de críticas no Tripadvisor, o restaurante já tinha mudado o nome, numa espécie de programa de proteção de testemunhas invertido.

Os preços nem são escandalosos, se estivermos a falar de um rooftop Michelin no Dubai, com direito a massagem no cocuruto e uma esposa: a refeição para quatro fica-se pelos 700 euros. Os clientes devem ter-se imediatamente precipitado para a cozinha, procurando o chef Avillez, para lhe perguntar em é que se tinha enganado na conta. Uma grelhada mista por 100 euros? Deve ser carne wagyu, incluir o grelhador e a entremeada provavelmente saberá cantar o fado. Nada escandaloso.

Em Portugal, são moralmente consentidos três tipos de roubo: o panrroubo, roubo a todos, permitido pela tolerância à corrupção; o autorroubo, um roubo infligido ao próprio, como no caso de um atraso na entrega do IRS ou quando se sujeita a multas da EMEL e, por fim, o xenorroubo, roubo ao estrangeiro, em que se ludibria o visitante através das idiossincráticas manhas do hustler português.

Sobrevive ainda a ideia, que já não deve ser válida talvez desde os anos 50, de que o turista é um ser faustoso, opulento, pertencente à alta sociedade de outro país, dotado de uma fortuna incalculável, que à luz da desigualdade de classes, merece ser parcialmente surripiada em prol da redistribuição de riqueza. Parece que hoje já não é assim. Pessoalmente, 90% das vezes que fui turista, fui um teso. E se vamos fazer o victim blaming dos turistas, alegando que eles é que têm de ter cuidado em que restaurante é que entram, vale a pena relembrar que toda a gente que anda 12km a visitar museus e a desidratar desde as 8 da manhã se torna no consumidor mais impulsivo que existe. Obviamente que quem compra se deve informar, mas seria benéfico se existisse um ou outro estabelecimento honesto nas artérias da Baixa, em vez de uma horda perigosos especuladores da Amêijoa à Burlão Pato.

A aceitação da vaga de visitantes e a procura de soluções para o turismo é ainda influenciada pelo conceito de “forasteiro”. No Portugal-aldeia, o estrangeiro é para muitos uma ameaça à quietude autóctone e por isso deve ser votado à xenofobia económica, como se, visitando a terra, a desonrasse e tivesse de pagar por isso. Somos ainda o país da ementa para “os de cá” e a ementa para “os de fora”. Vítima do seu próprio atraso, até o pequeno crime do chulo tuga recorre a técnicas altamente anacrónicas, uma vez que ainda se perde tempo com desenvolvimentos em habilidades de carteirismo, num Mundo progressivamente cashless.

Se não queremos que Lisboa se torne fatalmente num destino turístico de plástico e numa máquina de fazer dinheiro fraudulenta, desprovida de alma e de genuinidade, não podemos vilificar apenas aquilo que vem com designações noutra língua, como o Airbnb, Uniplaces e tuk tuks. Preocupemo-nos também com os Zé Tós e Camolas que também fazem tudo para manchar a reputação da restauração que talvez beneficie da melhor qualidade-preço da Europa. É que Lisboa não é um destino rural, mas diga-se que está cada vez mais pejada de armadilhas para ursos.

Recomendações

Se estiver pela Baixa Lisboeta e vir um grupo de turistas a analisar se vale a pena sentarem-se num daqueles restaurantes com RP à porta, aproxime-se e recomende-lhe antes o seu tasquedo favorito.

Não diga a ninguém que ficar em Lisboa em agosto é a melhor terapia de reconciliação com a cidade possível.

Sente-se vulnerável? Analise a defesa do Benfica e sinta-se um pouco mais descansado.