O mundo só a conheceu mais tarde em fevereiro de 1997, mas foi há 25 anos, em 05 de julho de 1996, que nasceu Dolly, uma ovelha aparentemente igual a todos outros ovinos, mas mais igual do que todos os outros.

A ovelha que acabou por se tornar uma celebridade não foi o primeiro animal clonado, nem o primeiro mamífero, já que antes de Dolly, uma outra ovelha tinha sido clonada a partir de uma célula embrionária em 1984.

No entanto, Dolly ficou para a história como o primeiro mamífero clonado a nascer através da transferência nuclear de uma célula (mamária) adulta (de uma ovelha com seis anos), abrindo assim porta a uma série de potencialidades na biologia e na medicina, algumas das quais assustadoras para muitos.

O processo que deu origem a esta ovelha, cujo nome partiu de uma piada de um técnico que fazia referência à cantora Dolly Parton e soava melhor do que o nome experimental “cordeiro n.º 6LL3”, nunca tinha sido bem-sucedido: a célula adulta da dadora foi introduzida numa outra sem núcleo, resultando num embrião que foi posteriormente implantado numa “ovelha de aluguer”.

Depois, nasceu Dolly, fruto do trabalho do Instituto Roslin, na Escócia, a ficção científica deixou de o ser e o debate em torno do que este feito representava aqueceu, uma vez que, tal como o homem, Dolly era um mamífero e os cientistas acabavam de provar que os mamíferos podiam ser clonados com células adultas e não apenas embrionárias.

O feito espoletou nos homens o medo de serem “copiados”, chegando a ser comparado à bomba atómica, e em 2018 soube-se que um grupo de ativistas contra a clonagem tentou sequestrar a famosa ovelha em 1998, mas fracassou.

Temia-se o eugenismo (criação de seres humanos perfeitos através da manipulação genética), o poder dos cientistas e a eterna busca pela perfeição. Na altura, para ilustrar a temática, não faltaram imagens do exército nazi a lembrar como este perseguiu a ideia de criar seres perfeitos.

Os efeitos chegaram até à esfera política: Bill Clinton, Presidente dos Estados Unidos na altura, proibiu a utilização de fundos federais para a clonagem humana e o Conselho da Europa adotou, em 1997, um protocolo a proibir esta técnica em seres humanos.

Também o Vaticano pediu a condenação destas técnicas em humanos e as organizações internacionais - como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a UNESCO e a Comissão Europeia - solicitaram vários estudos sobre o assunto.

Enquanto estas preocupações eram levantadas, Dolly ia sendo capa de jornais e recebendo visitas de curiosos, que se mantiveram ao longo dos seus seis anos de vida, em que viveu quase como uma ovelha normal, não fosse a fama e alguns problemas de saúde, com seis cordeiros pelo caminho.

Com um ano, análises ao seu ADN revelaram que a ovelha apresentava sinais de um envelhecimento precoce, designadamente que os seus telómeros – as extremidades dos cromossomas, que protegem as moléculas do ADN e cujo comprimento está relacionado com a idade – eram mais curtos do que seria expectável para uma ovelha da mesma idade, devido ao facto de ter sido clonada a partir de uma célula adulta.

Em 2001, Dolly desenvolveu artrite, um problema que os cientistas consideram poder ser um efeito secundário da clonagem, e em 2003 contraiu uma infeção pulmonar incurável.

Em 14 de fevereiro do mesmo ano, com seis anos de idade e os mesmos que tinha a mãe genética quando lhe foi retirada a célula mamária, a ovelha mais famosa do mundo foi eutanasiada para não continuar a sofrer.

O corpo de Dolly pode ser visto no Royal Museum of Scotland, em Edimburgo, onde está embalsamada.

Sem clones humanos, o nascimento de Dolly continua a marcar a ciência 25 anos depois

O nascimento da ovelha Dolly lançou em 1996 um debate que não se viria a encerrar sobre a manipulação genética e, 25 anos mais tarde, sem clones humanos, mas mais animais, a tecnologia utilizada ajudou no conhecimento das doenças.

Quando o mundo soube que, pela primeira vez na história, um grupo de cientistas tinha sido bem-sucedido no nascimento de um mamífero clonado a partir de uma célula adulta, abriu-se um mundo de aparentes possibilidades.

O debate estava lançado e foi rapidamente dominado por algo que, até então, parecia não ser mais do que ficção científica - a clonagem humana. Esse passo permitira prevenir doenças, mas também permitira a criação de seres humanos perfeitos através da manipulação genética.

Entre ambições otimistas e receios, a ciência não chegou, nem a deixariam chegar tão longe, com vários países a proibirem essa prática em humanos.

No entanto, em 2002, o mundo foi surpreendido com a notícia de que uma empresa ligada a uma seita (os raelianos), tinha clonado uma pessoa e que esta já tinha nascido e sido batizada com o nome de... Eva.

A notícia não foi levada a sério pela comunidade científica, mas a Clonaid manteve sempre a história e chegou a anunciar o nascimento de dezenas de outras crianças graças à clonagem, sem apresentar, no entanto, quaisquer provas dos feitos.

Vários anos mais tarde, a manipulação genética em humanos voltou a ser notícia, quando em novembro de 2018 um cientista chinês afirmou ter ajudado a criar os primeiros bebés geneticamente manipulados - gémeas cujo ADN He Jiankui disse ter alterado com tecnologia capaz de reescrever o “mapa da vida”, com o objetivo de as tornar resistentes ao vírus da Sida.

O cientista disse que alterou os embriões durante os tratamentos de fertilidade de sete casais, tendo resultado numa gravidez até àquela altura, um alegado feito que motivou a condenação da comunidade científica internacional, e não tardou muito para a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciar a criação de um grupo de trabalho sobre manipulação genética.

He Jiankui acabou por ser condenado pelas autoridades chinesas a três anos de prisão por exercício ilegal da medicina, depois de uma investigação ter concluído que o cientista desafiou a lei e a integridade científica.

Ao contrário da clonagem humana, que tudo aponta nunca ter sido bem conseguida, a clonagem de outros animais continuou depois de Dolly ter aberto essa porta, estendendo-se até aos animais domésticos.

Snuppy, um galgo afegão, que nasceu em 2005, foi um, e antes dele, em 2001, tinha nascido o gato CC (de “Copy Cat”), o primeiro gato clonado, que viveu uma longa vida de 18 anos até março de 2020, quando morreu por falência renal.

Em Portugal, a falta de verbas inviabilizou o projeto de clonar um bovino, experiência proposta pelo Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar (ICBAS), no Porto, mas um outro projeto, também com o carimbo português, conseguiu clonar com êxito um rato de laboratório, numa parceria com Ian Wilmut, o "pai" de Dolly.

O rato Figo, que nasceu em pleno Euro 2004, resultou de uma técnica inovadora na área da clonagem que na altura motivou o interesse de vários países em aplicá-la a roedores e a outros animais de maior porte.

Ao longo dos anos mais recentes, a famosa ovelha Dolly continuou a inspirar a ciência e em 2018 nasceram na China os primeiros macacos clonados com o mesmo método.

Ao contrário da ovelha Dolly, que foi clonada a partir do ADN de células diferenciadoras de uma ovelha adulta, os macacos Zhong Zhong e Hua Hua resultaram de uma célula diferenciadora em estado embrionário, o fibroblasto, que existe no tecido conjuntivo.

Na mesma experiência, foram também usadas células adultas, mas os macacos clonados só sobreviveram algumas horas após o nascimento.

Mas mais do que permitir a clonagem de animais, o nascimento de Dolly e o caminho que abriu na área da manipulação genética permitiu um maior conhecimento de doenças, motivou investigações ao nível das células estaminais, da sua existência e utilização, das aplicações ao nível da regeneração de tecidos e órgãos.

Os medos da altura não se confirmaram e 25 anos depois a ciência que ajudou a criar a ovelha mais famosa do mundo continua a percorrer o seu caminho, num sentido que parece positivo.