Ângelo Felgueiras, piloto da TAP, quando não está a voar dedica-se a causas sociais. Já escalou as sete montanhas mais famosas do mundo, as “7 summits”, onde se inclui o Kilimanjaro, em África, o Aconcágua, na América do Sul, o Elbrus na Europa, o Denali, na América do Norte, o Carstensz, na Oceânia, o Evereste na Ásia e o Vinson, na Antártida. Em 2013, avançou para o Polo Norte. Agora vira a bússola para Sul, com a Antártida como próximo destino.

Fechar um ciclo dos três Polos: o Norte, o Evereste (que chamam o terceiro Polo) e agora o Polo Sul, é o que pretende com esta viragem. A viagem, tal como as outras, tem uma causa social (esquiar por uma causa) na qual ajudará a Associação Acreditar.

Não se considera, no entanto, um “alpinista social”. Vinca que “é profissional dos aviões”. Faz expedições porque “gosta de as fazer” e aproveita para ligar a causas sociais. “Faço coisas pouco usuais, com visibilidade e aproveito para passar mensagens”, aponta. “A viagem está paga com as empresas que se associam. Tudo o que angario é para as causas que apoio”, deixa claro.

“Tenho de dar a posição duas vezes por dia. Se não, sai um avião para ir buscar-me”

Ângelo Felgueiras afirma ser a sua “viagem mais ambiciosa”. E explica porquê? “São 1100 km. É um desafio físico e psicológico e em que trabalho todos os dias e não há campo base, não paro numa tenda onde posso tomar um banho manhoso durante 15 minuto e cortar as unhas dos pés”.

Espera-lhe 55 dias a deslizar pelo imenso manto branco da Antártida. “Os dias que não avançar é porque está mau tempo. E está sempre mau tempo”, exclama. “Vou andar e fazer ski 8 a 9 horas, montar e desmontar um acampamento todos os dias e  sobreviver no gelo a temperaturas entre os -25 e os -40 graus que às vezes com o fator vento dá um feeling de ser ainda mais baixo”, remata. No fim, se “não vier embora vão-me buscar”, atira Ângelo Felgueiras que parte numa expedição com mais seis aventureiros (dois noruegueses e 4 ingleses). “Tentei ir sozinho, mas não obtive autorização lá de casa”, sorri.

Sobre caminhadas a solo este português de 53 anos admite que nunca se aventuraria dessa forma no Polo Norte (Ártico). “São 10 dias, há buracos, posso cair à água e há ursos. Fiz a expedição de carabina. No Polo Sul não há ursos”, regozija. Mas “tenho de dar a posição duas vezes por dia. Se não der, sai um avião para ir buscar-me”, suspira.

Sozinho ou acompanhado, qual é, então, a diferença? “A diferença é que se tiver um ataque explosivo morro com alguém a fazer-me festas na cabeça. E sabe porque é que morri”, explica a frio.

Rumo ao Sul parte com os outros seis expedidores que, por questões de navegação, seguem “sempre em alcance visual”. Vão enfrentar “muitos dias de nevoeiro em que se vê só até 10 metros”, alerta. “Estar a frente é uma seca. E essa é a grande vantagem de não ir sozinho: não estamos sempre na frente”, frisa.

O piloto de aviões explica ainda a tática para o caminho que o espera. “Tiro uma linha e sigo-a em direção ao horizonte. Traço um rumo com GPS e estou sempre a olhar para a bússola. Um grau de diferença ao fim de 4 horas são vários graus de diferença. E conseguimos perceber se o da frente está a desviar-se”, assegura.

Treinar na praia a puxar um trenó de 60 a 80 kg

Na preparação desta aventura, Ângelo Felgueiras levou a cabo um plano rigoroso. Para além das provas de triatlo longo (duas), um ironman e uma maratona (de Lisboa), o treino principal foi feito na praia de Carcavelos. “A puxar o trenó (com peso), a caminhar pela areia, num piso que se assemelha à neve que vou encontrar”, explicou numa manhã em que conversou com o SAPO 24.

Parte hoje, dia 8, em direção ao extremo Sul do globo. Dia 10 estará em Punta Arena (Chile) onde fica “cinco dias a preparar a comida para a expedição. Depois segue “se tiver bom tempo”, avisa.

No dia a dia diz ter de “meter 5 mil calorias para o meu peso. Não é fácil comer 5 mil calorias. E gasto 7 mil dia”, descreve Ângelo Felgueiras que está, por isso, a terminar a “fase da engorda”. E deixa um aviso: “se não comer, desapareço”.

O trenó que vai andar sempre nas suas costas pesa “entre 60 a 80 kg”. É a sua bagagem de mão. O peso “diminui à medida que que vamos comendo”, refere. A comida é liofilizada. E em relação ao que vai ingerir ao longo desta autêntica maratona explica minuciosamente misturando hidratos carbono, proteínas e gordura. Há “carne seca, palitos de queijo e frutos hidratados”. Acrescenta ainda “granola, café misturado com 5 kg açúcar e uma espécie de bolo inglês”, continua. “Tudo é pesado e escrevo as calorias em sacos de plástico. Vou estar 5 dias a fazê-lo (em Punto Arenas)”. Com esta mescla “arranjar o tipo alimentação que englobe calorias e seja agradável de comer não é nada fácil”, solta. “Não posso levar um cheesecake”, lamenta. Fora essa ausência “o que tenho mais saudades são os vegetais e pão fresco”, deixa escapar.

Informa que terá “um ou dois reabastecimentos”, mas “honestamente gostava de viver em autonomia”. Mais uma vez a família não permitiu.

Os assuntos do estômago ocupam o seu espaço. Mas há mais. Ângelo Felgueiras leva roupa, “5 partes de baixo (calças), várias primeiras camadas, casacos...”. Transportará ainda um Kindle. “Enganei-me e disse um dia Tinder”, sorri. Naquele ecrã cabem “10 livros indicados por um amigo” . Leva ainda música, uma “playlist” pedida a amigos e “umas mensagens da família para o dia de Natal”, anuncia.

Depois da exposição ao Polo Sul, Ângelo Felgueiras anuncia o próximo passo. “Será um ano sem nada. Um ano familiar”, revela. “Prometi e vou fazer uma viagem grande com a família”, finaliza.