“O meu estilo é não ter estilo (…) Sou parecidíssimo com a minha poesia. Mesmo no dia-a-dia, no próprio trabalho. Entre a minha expressão coloquial e a minha expressão poética, não há distância”, afirmou Alexandre O’Neill, em 1968, quando viu duas reedições da obra poética em anos consecutivos.

Nascido em dezembro de 1924 em Lisboa, Alexandre O’Neill foi escriturário até 1952, começou a escrever prosa e poesia para vários jornais em 1957 e iniciou-se como redator de publicidade em 1959.

Ficaram famosos alguns slogans que criou, ainda que por vezes chumbados por quem lhos pedia, como é o caso de "Há mar e mar, há ir e voltar”, encomendado pelo Instituto de Socorros a Náufragos, para uma campanha de prevenção de afogamentos, que terá recusado a primeira versão criada por O’Neill: "Passe um verão desafogado”.

“Vá de metro, Satanás”, “Com colchões Lusospuma você dá duas que parecem uma” e “Bosh é Brom” (variante do original) são famosos slogans – que nunca chegaram a ser usados - atribuídos a O’Neill.

Se a este “pendor irónico” e “humor declarado”, se juntar uma “espécie de pudor literário” e “alguma tendência escatológica”, “compreende-se como a obra poética de Alexandre O’Neill despertou sentimentos contraditórios entre os pares”, afirma Maria Antónia Oliveira.

Aliás, o prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários “foi tardio, em 1982, e teve discreta notícia na imprensa”, levando-o a afirmar que provavelmente seria “um poeta fora de moda” e, quatro anos depois, a declarar que estava “na segunda linha”, que era um “grande poeta menor”.

Respondia às críticas com humildade, modéstia e autodepreciação: “Bem sei que tenho sido, não poucas vezes, derrotado pela pressa, que me espojo na anedota ou a embalo na folha-de-flandres da conversa, bem sei que muitos dos versos nem para atacadores”.

“Sejam estes versos uma forma disfarçada de imodéstia ou não, O’Neill dá o flanco, o que é raro acontecer na poesia portuguesa”, considera Maria Antónia Oliveira, que refere também a forma como o escritor “desimportantizava”, verbo que o próprio inventou e que traduzia a forma como assumia as consequências das suas atitudes.

Na opinião de Maria Antónia Oliveira, “O’Neill nunca foi um poeta hermético ou pouco acessível”.

“Julgo que, após uma fase, nos finais dos anos 80 e durante os 90, em que a poesia dele não estava na moda, voltou agora a ser lido e apreciado. Acho que a poesia dele tem vários 'layers' de leitura, ou seja, é culta sem o ostentar”.

Novo livro de Alexandre O'Neill reúne toda a poesia, inéditos, dispersos e correções

“Poesias Completas & Dispersos” reúne, num só volume, toda a poesia publicada do autor, mas também sete inéditos que “foram localizados em espólios” e ainda “quarenta e dois textos dispersos em jornais, revistas, discos e catálogos de arte que nunca foram editados em livro”, disse à agência Lusa a investigadora Maria Antónia Oliveira, uma das maiores conhecedoras da obra do escritor e autora da sua única biografia, que organizou e posfaciou o livro.

Estão aqui incluídos dois livros de Alexandre O’Neill: “Poesias Completas”, que “enforma e dá o tom a esta edição”, e “Anos 70 – Poemas Dispersos”, livro que resultou da pesquisa de Maria Antónia Oliveira para a biografia do escritor.

Para esta edição, que surge 30 anos após a morte de Alexandre O’Neill (agosto de 1986), foram feitas ainda algumas correções aos textos de poesias completas.

“O livro ‘Poesias Completas’ editado pela Imprensa Nacional, em vida dele, tinha gralhas várias, que se foram perpetuando nas várias edições. Dei conta delas porque cotejei as publicações em livro de cada poema — na edição inicial e nas recolhas de poesia completa que se lhe seguiram”, conta Maria Antónia Oliveira.

Os inéditos - “Complexo de Édipo”, “Homen Agem”, “Esempidocchio”, “Requeixa de Taveirós”, Ma belle Sybille!” e “Nada Azul” – são manuscritos e datiloscritos encontrados no espólio do poeta, mas também de Mário-Henrique Leiria, escritor surrealista, e de Noémia Delgado, primeira mulher do escritor.

“A Criação” é o outro inédito, publicado como epígrafe à entrevista “Alexandre O’Neill: Atração pelos Dicionário”, de Francisco Dionísio Domingos, 1977, para o jornal semanário Edição Especial, dirigido por António Alçada Batista.

Alexandre O’Neill era de facto um apaixonado pelos dicionários, “não para ficar a saber os significados, mas por causa da sua rubrica: é quase um poema”, como afirmou o próprio poeta.

Aliás, aspirava a “morrer rodeado de dicionários” e admitia que lhe bastava para o resto da vida ficar a ler um bom dicionário, conta Maria Antónia Oliveira.

Este seu gosto particular estendia-se às gramáticas, o que é bastante percetível na leitura - “desta vez sem música, porque pela primeira vez editado em livro” - do poema “Gaivota”, escrito para Amália Rodrigues e Alain Oulman, diz Maria Antónia Oliveira.

“Todo dependente de uma conjunção condicional, construído a partir dela com os verbos no perfeito do conjuntivo (viesse, fizesse…) ou do indicativo (cabia). Todos os imperfeitos para falar de um coração que bateria perfeito na mão de alguém – se não fosse improvável, quase impossível, porque não há afinal condição”, acrescenta.

Essa falta de condição está muito presente na poesia de O’Neill, como no Poema “Portugal”, o país que seria mais barato se fosse só três sílabas de plástico, “mas não era”, assinala a investigadora.

O escritor, fundador do Grupo Surrealista de Lisboa – juntamente com Mário-Henrique Leiria, Mário Cesariny, António Pedro e José-Augusto França - era também um aficionado de listas, uma das fontes da sua poesia, como confessou a dada atura: “Agora estou a fazer listas de nomes de cães. Ando a perguntar às pessoas por nomes de cães: tenho já vinte ou trinta, mas espero ter às centenas”.

Ia também roubar às listas telefónicas, das quais nasceu o poema “Homenagem ao Conde de Aguilar, Ilusionista”, mas já antes se deleitava com inventários.

Poemas e prosas com listas, enumerações, séries, montagens do discurso alheio são processos caros à sua escrita e à sua forma mental.

“Quanto da sua poesia não se deve a essa atitude de respigador de palavras, de colecionador atento de expressões, de ladrão de pronúncias, cantares da língua?”, questiona Maria Antónia Oliveira.