Uma investigação desenvolvida por oito especialistas portugueses e espanhóis permitiu descobrir que o maçarico-de-bico-direito consegue tirar do arroz a energia necessária para efetuar grandes voos sem sobressaltos, revelando uma “plasticidade fisiológica e metabólica impressionante”, anunciou hoje a Universidade de Coimbra (UC), numa nota enviada à agência Lusa.

Com a alteração dos habitats naturais pela pressão humana, “o maçarico-de-bico-direito (limosa limosa), uma espécie de ave migradora de longo curso ameaçada, foi obrigado a mudar a sua alimentação”, refere a UC.

“A crescente pressão antropogénica registada nos habitats estuarinos está associada à alteração de comportamento desta espécie – que todos os anos voa entre Portugal e o Norte da Europa, nomeadamente a Holanda –, que passou a alimentar-se nos arrozais do vale do Tejo”, acrescenta a UC, na mesma nota.

“Mas será que esta nova dieta fornece energia suficiente para garantir o voo direto até ao destino final ou, pelo contrário, pode colocar em risco o ciclo migratório destas aves?”, questionaram os investigadores.

O estudo que desenvolveram para responder à pergunta revela que aquela ave consegue retirar do arroz a energia, “através de várias vias metabólicas diferentes, para assegurar a sua migração”, afirma Miguel Araújo, investigador do MARE (Centro de Ciências do MAR e do Ambiente) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC (FCTUC) e coautor da pesquisa.

A investigação foi realizada com maçaricos-de-bico-direito capturados em campos de arroz do Tejo, durante o inverno, altura em que se encontram a preparar a sua migração.

As aves foram divididas em dois grupos, tendo-lhes sido aplicadas dietas diferentes: uma à base de larvas, tipo de alimentação que encontrariam nos habitats naturais, e outra com arroz, explica a UC.

Alguns dias depois, os investigadores avaliaram a capacidade das aves em transformarem os grãos de arroz em energia (massa gorda) e concluíram que o maçarico-de-bico-direito é “um excelente exemplo de adaptação a um habitat antropogénico”, afirma Miguel Araújo, citada pela UC.

O maçarico-de-bico-direito é “uma espécie que decresceu 75% nas últimas cinco décadas devido à destruição dos ecossistemas naturais”.

“Para garantir a sua sobrevivência, esta espécie ajustou-se com sucesso a um novo tipo de alimentação, conseguindo “combustível” para efetuar um voo sem escalas até ao destino final”, simplifica Miguel Araújo.

O estudo, que já foi publicado na revista científica Journal of Experimental Biology, chama também a atenção para o facto de ser necessário pensar na conservação destes habitats.

“Se, porventura, se decidir converter os arrozais em pastagens ou algo similar, por exemplo, metade desta população de aves pode desaparecer, pois 50% usa os arrozais do Tejo para adquirir o combustível necessário à sua migração”, alerta Miguel Araújo.

Além do MARE, o estudo envolveu investigadores do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) e do Centro de Ecologia Funcional (CEF), da UC, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), da Universidade de Aveiro, e da Universidade de Extremadura (UEX), em Espanha.