A artista guineense Eneida Marta, que atuou no Festival Músicas do Mundo no sábado à noite, reclama “justiça” para a música da Guiné-Bissau, que o povo ouve, mas ainda sem agarrar a “revolução” da mensagem.

Em entrevista à Lusa, no final do último concerto da primeira noite de festival, que lotou o Largo Marquês de Pombal, em Porto Covo, Eneida Marta estava “maravilhada” com a receção do público.

“Não há como não dizer que foi uma maravilha estar em cima deste palco, que é um palco que sempre quis pisar, é dos poucos palcos em Portugal onde eu ainda não tinha cantado”, recordou.

Durante mais de uma hora, a artista passeou pelo seu repertório de mais de 20 anos de carreira, sem esquecer a herança e a tradição, cantando “Mindjeris di Pano Preto”, do poeta guineense José Carlos Schwarz, e “Mãe Negra”, da poeta angolana Alda Lara.

“Nós nunca devemos perder a nossa identidade, quando perdemo-la, perdemos tudo”, realça Eneida, fazendo “questão de deixar [em palco] a essência da Guiné-Bissau”, país onde “a música devia ter mais importância”.

“A cultura e a música da Guiné-Bissau são pouco valorizadas pelos ditos responsáveis para que as coisas (…) tenham a força que deviam ter”, critica.

Em concreto, menciona o exemplo das “rádios que passam pouca música da Guiné-Bissau”, onde a música é um “veículo” de comunicação com as pessoas, que a ouvem, mas ainda não reagem.

Apesar de os artistas fazerem “intervenção através da música para fazer acordar a consciência do povo”, este continua a “acomodar-se” e a aceitar “aquilo que tem”, descreve.

“Fazemos músicas interventivas, reivindicativas para ver se essa mensagem realmente chega ao povo, que o povo bata com a mão ou que o povo comece a ver a vida de outra forma, que o povo se torne mais lutador, que o povo deixe de ser aquele povo pacato, que aceita tudo”, reclama.

“Eles ouvem a música, mas ainda não agarraram a ideia da coisa”, lamenta, resumindo essa “ideia” em três ações: “luta, ama, vai buscar os teus direitos”.

Eneida responde com expressividade à pergunta sobre se há um desfasamento entre o povo e a elite governante na Guiné-Bissau: “Ui, ai… se há desfasamento? É só o que há… um desfasamento total.”

No tema “Africa Tabanka”, a artista critica os políticos que “têm tudo no papel, mas metem numa gaveta”.

Prossegue em tom crítico: “Continuamos ainda naquele emaranhado dos políticos que só olham para os seus umbigos e para aqueles que os rodeiam. E o povo, que é do povo? Zero.”

A propósito do momento político atual na Guiné-Bissau, a artista conta que “os guineenses, todos, estão a respirar a esperança”.

Recordando a maioria absoluta que saiu das urnas nas últimas eleições, vencidas pela coligação Plataforma da Aliança Inclusiva – Terra Ranka, liderada pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), presidido por Domingos Simões Pereira, Eneida vinca: “Espero que não sejamos defraudados.”

Recorde-se que em 2015 Domingos Simões Pereira chefiava o governo e foi afastado do cargo depois de divergências com o na altura presidente, José Mário Vaz.

Nesta quarta-feira, o atual Presidente, Umaro Sissoco Embaló, pediu aos deputados – que tomarão posse no dia 27 – para aprenderem com as “lições do passado” e que os “erros” que marcaram a nona e a décima legislatura “não se voltem a repetir”.

Ex-embaixadora da Unicef na Guiné-Bissau, Eneida Marta vê evolução nos direitos das crianças no país, ainda que gostasse que ela fosse “mais expressiva”.

“Devagar, vamos lá chegando. Alguns atos já são puníveis, por exemplo a mutilação genital feminina, o casamento precoce (…). Já é um avanço”, constata.