A paisagem chinesa mudou radicalmente nas últimas décadas. Entre 1995 e 2015, a população urbana na China aumentou de 352 milhões para 771 milhões de pessoas. Há hoje 14 cidades com mais de cinco milhões de residentes e, só em 2016, foram construídos 84 arranha-céus. Na senda da urbanização e do crescimento económico o campo deu lugar às grandes cidades e seus arranha-céus. É neste contexto que a CNN dá conta de um dilema que se coloca ao país: o jornal lista alguns casos de monumentos que, não tendo sido destruídos para dar lugar a novas construções modernas, foram deslocados, numa reconfiguração paisagística ainda muito questionada.

Confrontada com a necessidade de modernizar as suas cidades, a China optou por, literalmente, deslocar alguns dos seus monumentos e edifícios. Alguns foram movidos alguns metros, outros quilómetros.

O canal de notícias norte-americano destaca, por exemplo, o templo de Zhang Fei, construído entre 960 e 1279, reconstruído no mesmo sítio em 1870, com uma imagem bastante diferente. Em 2000, porém, foi deslocado para uma outra zona, a 32 quilómetros de distância, para dar lugar à construção de uma barragem.

A tendência chegou com o virar do milénio, de acordo com Hoyin Lee, professor de arquitetura da Universidade de Hong Kong.

Monumentos como a Casa de concertos de Shangai ou o edifício Zhengguanghe tiveram a sua localização alterada, em 2003 e 2013, respetivamente, alguns metros. Há casos ainda mais flagrantes, como o da casa Yin Yu Tang, que pertenceu a um mercador do século XVIII, que atravessou o Oceano Pacífico, no final dos anos 1990, e figura agora no museu Peabody Essex, em Massachusetts, nos Estados Unidos.

Criou-se uma indústria. Ao canal de notícias, Lan Wuji, fundador de uma empresa especializada em deslocações – a Evolution Shift – explicou que “há diferentes formas de se mover [um edifício]. Por vezes, desliza – sendo necessário construir trilhos - e por vezes a estrutura é arrastada por veículos como camiões”. Alguns edifícios são  colocados sobre placas deslizantes, e outros chegam mesmo a ser desmontados e montados no novo espaço local, com novas fundações.

"A China está a passar por um período de grande desenvolvimento e as pessoas estão em conflito entre a necessidade de preservar edifícios históricos e alcançar crescimento económico", explica à BBC Tang Guo-wah, professor da Universidade de Arquitetura e Planeamento Urbano de Guangzhou.

Para Lan, a relocalização tem "vários benefícios comparativamente à demolição. Custa menos, permite uma maior conservação dos edifícios, é uma solução mais amiga do ambiente e poupa tempo", diz.

Afinal, quando custa deslocar um edifício? Mover o templo Zhang Fei 32 quilómetros custou 12 milhões de dólares, segundo o canal chinês CCTV. Por outro lado, deslocar a Casa de concertos de Shangai teve um preço de cerca de 9 milhões de dólares.

A deslocalização de edifícios coloca várias questões, entre as quais a do roubo de peças decorativas dos mesmos, a da venda de edifícios inteiros a museus - como aconteceu com a casa Yin Yu Tang - e até mesmo questões de contexto histórico.

"Centenas de anos mais tarde, teremos pessoas a questionarem-se: 'porque é que este edifício está aqui?'", diz Hoyin Lee, que não vê quaisquer benefícios na deslocalização de edifícios.

Consciente destes temas, o governo chinês publicou em 2015 uma nota de emergência que visa reforçar as leis existentes para prevenir demolições ilegais, proibir a deslocalização de edifícios tradicionais e a venda de componentes decorativos a museus ou privados.

“No caso dos monumentos nacionais é mais fácil reforçar a proteção e conservação porque têm a atenção do governo [da China]; para o resto, depende muito dos governos locais”, ressalva Lee.

Já em 2016, as autoridades chinesas publicaram uma lista de 98 edifícios que devem ser protegidos e conservados.

Para Tang Guo-wah, "só quando o desenvolvimento económico atingir um certo nível é que que as pessoas vão olhar para trás e perguntar: 'o que perdemos? Onde estão as nossas memórias'".